Lisboa - São 145 euros por um almoço. Não um qualquer, mas o menu degustação mais longo do Belcanto, primeiro restaurante a ser distinguido com duas estrelas pelo Guia Michelin em Portugal. À frente dele está José Avillez, lisboeta de 36 anos, que hoje encabeça o movimento de renovação da cozinha lusitana e comanda mais cinco casas. Não fosse o câmbio (que faz a conta ultrapassar os R$ 600), o valor não assustaria tanto para um endereço estrelado.
São nada menos que 13 etapas, reunindo receitas resultantes das últimas experiências de Avillez, além de um ou outro clássico que o chef apresentou nos últimos anos. Começa com azeitona, cenoura, alho e tremoço (espécie de fava, servida como aperitivo em cervejarias portuguesas), mas numa apresentação fora do habitual. A azeitona, por exemplo, foi reduzida à forma líquida e encapsulada com técnica de cozinha molecular para ser espocada com a mais leve pressão dos dentes.
Entretanto, engana-se quem pensa que o chef português tem feito fama com as espumas e outros malabarismos que o colega Ferran Adrià, do extinto restaurante espanhol El Bulli, ajudou a espalhar pelo mundo. No salão sóbrio, quase austero, do Belcanto, no charmoso Bairro do Chiado, em Lisboa, ele impressiona não só pelo domínio técnico, mas por levar os ingredientes locais a encontros inusitados (o que dizer de uma sobremesa que leva, basicamente, tangerina e cogumelo?), preservando seus sabores. Reconhecem-se todos, até os que não foram enunciados à chegada de cada prato.
De um lado, clientes satisfeitos pincelam o “leitão revisitado – 2012” com molho de pimenta enquanto falam inglês; do outro, pai e mãe portugueses tentam convencer o filho a provar a tal azeitona esferificada – sem sucesso. Enquanto isso, na mesa do repórter, chega um dos clássicos do chef, “vigia, o fundo do ‘meu’ mar – 2013”: numa louça meio kitsch (com a imagem de peixinhos nadando entre algas no fundo), está delicadamente disposta uma coleção de moluscos e mariscos da costa lusitana com água do mar texturizada, leite de coco, suco de maçã e óleo de gergelim. Sabores bem definidos e pedacinhos de alga como plus.
MONTEIRO LOBATO No mais, ele mexe na sagrada sardinha dos conterrâneos, vira ao avesso o cozido à portuguesa (mais uma vez, mantendo os sabores originais), dá textura melosa ao bacalhau, combina rabo de boi com enguia defumada e até inspira-se num episódio do Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato, para criar “a horta da galinha dos ovos de ouro – 2008”, prato no qual combina ovo, cogumelo, avelã e folha-de-ouro, com alho-poró frito a fazer o papel da palha do galinheiro.
Num lembrete de que a qualidade do ingrediente fala alto em sua cozinha, o chef manda à mesa um carabineiro, camarão vermelho e gigante do Algarve (região mais ao sul do país). Meramente grelhado e servido com cinzas de alecrim, chega com o corpo em perfeito ponto de cocção (o sabor beira o doce) e a cabeça servida à parte, para que se alcance com uma pequena colher o “molho” natural que se forma ali com os sucos e entranhas do crustáceo, de sabor intenso e prolongado – é uma das criações deste ano. Um momento de iluminação – e que faz ter certeza de que os 145 euros já valeram a pena.
Mas não acabou. É hora da pré-sobremesa. O atendente anuncia simplesmente assim: “Pêssego e abóbora”. É outro experimento recente de Avillez, com elementos de texturas, formatos e cores diferentes no prato. Após ser questionado se os ingredientes são apenas aqueles dois, o funcionário sorri e diz que sim. Uma boa sacada, mas o ponto alto da seção doce do menu degustação fica por conta da “tangerina – 2010”. Trata-se de uma bola alaranjada com casca e interior feitos de suco congelado e espuma da fruta, respectivamente, além de sorbet e creme feitos dela. Folhas naturais ornam o prato, com migalhas doces de cogumelo que simulam a terra.
Depois de pouco mais de duas horas de uma experiência gastronômica de alto nível, chegam os petit fours, confeitos que anunciam o fim do almoço. Entre eles, um de azeite e outro de Amarguinha, licor de amêndoa típico português. Mimos delicados e de personalidade, que deixam boa impressão do que se experimenta. Apesar da variedade da extensa comilança, a exemplo de outros restaurantes estrelados, ali deixa-se a mesa tendo no estômago a sensação de leveza. A mesma que se sente no bolso, aliás. Mas vale cada centavo.
São nada menos que 13 etapas, reunindo receitas resultantes das últimas experiências de Avillez, além de um ou outro clássico que o chef apresentou nos últimos anos. Começa com azeitona, cenoura, alho e tremoço (espécie de fava, servida como aperitivo em cervejarias portuguesas), mas numa apresentação fora do habitual. A azeitona, por exemplo, foi reduzida à forma líquida e encapsulada com técnica de cozinha molecular para ser espocada com a mais leve pressão dos dentes.
Entretanto, engana-se quem pensa que o chef português tem feito fama com as espumas e outros malabarismos que o colega Ferran Adrià, do extinto restaurante espanhol El Bulli, ajudou a espalhar pelo mundo. No salão sóbrio, quase austero, do Belcanto, no charmoso Bairro do Chiado, em Lisboa, ele impressiona não só pelo domínio técnico, mas por levar os ingredientes locais a encontros inusitados (o que dizer de uma sobremesa que leva, basicamente, tangerina e cogumelo?), preservando seus sabores. Reconhecem-se todos, até os que não foram enunciados à chegada de cada prato.
De um lado, clientes satisfeitos pincelam o “leitão revisitado – 2012” com molho de pimenta enquanto falam inglês; do outro, pai e mãe portugueses tentam convencer o filho a provar a tal azeitona esferificada – sem sucesso. Enquanto isso, na mesa do repórter, chega um dos clássicos do chef, “vigia, o fundo do ‘meu’ mar – 2013”: numa louça meio kitsch (com a imagem de peixinhos nadando entre algas no fundo), está delicadamente disposta uma coleção de moluscos e mariscos da costa lusitana com água do mar texturizada, leite de coco, suco de maçã e óleo de gergelim. Sabores bem definidos e pedacinhos de alga como plus.
MONTEIRO LOBATO No mais, ele mexe na sagrada sardinha dos conterrâneos, vira ao avesso o cozido à portuguesa (mais uma vez, mantendo os sabores originais), dá textura melosa ao bacalhau, combina rabo de boi com enguia defumada e até inspira-se num episódio do Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato, para criar “a horta da galinha dos ovos de ouro – 2008”, prato no qual combina ovo, cogumelo, avelã e folha-de-ouro, com alho-poró frito a fazer o papel da palha do galinheiro.
Num lembrete de que a qualidade do ingrediente fala alto em sua cozinha, o chef manda à mesa um carabineiro, camarão vermelho e gigante do Algarve (região mais ao sul do país). Meramente grelhado e servido com cinzas de alecrim, chega com o corpo em perfeito ponto de cocção (o sabor beira o doce) e a cabeça servida à parte, para que se alcance com uma pequena colher o “molho” natural que se forma ali com os sucos e entranhas do crustáceo, de sabor intenso e prolongado – é uma das criações deste ano. Um momento de iluminação – e que faz ter certeza de que os 145 euros já valeram a pena.
Mas não acabou. É hora da pré-sobremesa. O atendente anuncia simplesmente assim: “Pêssego e abóbora”. É outro experimento recente de Avillez, com elementos de texturas, formatos e cores diferentes no prato. Após ser questionado se os ingredientes são apenas aqueles dois, o funcionário sorri e diz que sim. Uma boa sacada, mas o ponto alto da seção doce do menu degustação fica por conta da “tangerina – 2010”. Trata-se de uma bola alaranjada com casca e interior feitos de suco congelado e espuma da fruta, respectivamente, além de sorbet e creme feitos dela. Folhas naturais ornam o prato, com migalhas doces de cogumelo que simulam a terra.
Depois de pouco mais de duas horas de uma experiência gastronômica de alto nível, chegam os petit fours, confeitos que anunciam o fim do almoço. Entre eles, um de azeite e outro de Amarguinha, licor de amêndoa típico português. Mimos delicados e de personalidade, que deixam boa impressão do que se experimenta. Apesar da variedade da extensa comilança, a exemplo de outros restaurantes estrelados, ali deixa-se a mesa tendo no estômago a sensação de leveza. A mesma que se sente no bolso, aliás. Mas vale cada centavo.
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“Diria que é uma cozinha portuguesa revisitada. É alta cozinha, com bases técnicas clássicas, um bocadinho da minha formação francesa, inspirações da cozinha contemporânea espanhola e também produtos e técnicas portugueses. Ando cada vez mais a descobrir a cozinha portuguesa e a tentar que os nossos sabores sejam transmitidos na alta cozinha de forma delicada e intensa”, sintetiza o chef José Avillez. Para tanto, viaja, lê, come em lugares que não conhece e continua estagiando em cozinhas de colegas que admira.
Reiterando a fala mais comum entre os chefs atualmente, ele acredita que a técnica deve estar sempre a serviço do ingrediente, e não o oposto. Para criar um prato, conta, não há exatamente um método, mas o processo costuma ocorrer quase todo fora da cozinha: “Olho para um prato vazio e penso no que poderia fazer. Olho para uma maçã e penso no que poderia fazer. A realização de um prato é feita 80% fora do fogão. O cruzamento de elementos é feito mentalmente e isso ocorre mais nos meus momentos de descanso”.
As duas estrelas do Guia Michelin, feito inédito para um restaurante português, o alegram, mas o chef tende a ver os benefícios disso de maneira mais ampla. “Acima de tudo, isso é bom para Portugal. Não vejo como uma conquista pessoal, mas para a nossa cozinha. O número de turistas no Belcanto tem aumentado, gente que tem como principal objetivo da viagem visitar o restaurante. Isso proporciona negócios não apenas para a casa, mas para todo o entorno. Aos poucos, vão descobrindo o país como destino gastronômico”, observa.
Na opinião dele, Portugal poderia ter mais uma ou duas estrelas (atualmente, outras 13 casas têm essa distinção) e avalia que será preciso muito esforço para melhorar essa avaliação. E quando ele menciona a palavra esforço, não se refere apenas ao empenho na cozinha. “O Guia privilegia a durabilidade dos projetos. Aqui, muitas casas fecham com um ou dois anos, é uma pena. É preciso melhorar a consistência dos projetos, a gestão deles. Temos de dar o nosso melhor todos os dias, o que é difícil. Fazer almoços e jantares especiais a qualquer dia e hora é o grande desafio. Costumo dizer que, ao servir 200 jantares, se tivermos sido simpáticos em 198 não foi o suficiente.”
Reiterando a fala mais comum entre os chefs atualmente, ele acredita que a técnica deve estar sempre a serviço do ingrediente, e não o oposto. Para criar um prato, conta, não há exatamente um método, mas o processo costuma ocorrer quase todo fora da cozinha: “Olho para um prato vazio e penso no que poderia fazer. Olho para uma maçã e penso no que poderia fazer. A realização de um prato é feita 80% fora do fogão. O cruzamento de elementos é feito mentalmente e isso ocorre mais nos meus momentos de descanso”.
As duas estrelas do Guia Michelin, feito inédito para um restaurante português, o alegram, mas o chef tende a ver os benefícios disso de maneira mais ampla. “Acima de tudo, isso é bom para Portugal. Não vejo como uma conquista pessoal, mas para a nossa cozinha. O número de turistas no Belcanto tem aumentado, gente que tem como principal objetivo da viagem visitar o restaurante. Isso proporciona negócios não apenas para a casa, mas para todo o entorno. Aos poucos, vão descobrindo o país como destino gastronômico”, observa.
Na opinião dele, Portugal poderia ter mais uma ou duas estrelas (atualmente, outras 13 casas têm essa distinção) e avalia que será preciso muito esforço para melhorar essa avaliação. E quando ele menciona a palavra esforço, não se refere apenas ao empenho na cozinha. “O Guia privilegia a durabilidade dos projetos. Aqui, muitas casas fecham com um ou dois anos, é uma pena. É preciso melhorar a consistência dos projetos, a gestão deles. Temos de dar o nosso melhor todos os dias, o que é difícil. Fazer almoços e jantares especiais a qualquer dia e hora é o grande desafio. Costumo dizer que, ao servir 200 jantares, se tivermos sido simpáticos em 198 não foi o suficiente.”
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