São nada menos que 13 etapas, reunindo receitas resultantes das últimas experiências de Avillez, além de um ou outro clássico que o chef apresentou nos últimos anos. Começa com azeitona, cenoura, alho e tremoço (espécie de fava, servida como aperitivo em cervejarias portuguesas), mas numa apresentação fora do habitual. A azeitona, por exemplo, foi reduzida à forma líquida e encapsulada com técnica de cozinha molecular para ser espocada com a mais leve pressão dos dentes.
Entretanto, engana-se quem pensa que o chef português tem feito fama com as espumas e outros malabarismos que o colega Ferran Adrià, do extinto restaurante espanhol El Bulli, ajudou a espalhar pelo mundo. No salão sóbrio, quase austero, do Belcanto, no charmoso Bairro do Chiado, em Lisboa, ele impressiona não só pelo domínio técnico, mas por levar os ingredientes locais a encontros inusitados (o que dizer de uma sobremesa que leva, basicamente, tangerina e cogumelo?), preservando seus sabores. Reconhecem-se todos, até os que não foram enunciados à chegada de cada prato.
De um lado, clientes satisfeitos pincelam o “leitão revisitado – 2012” com molho de pimenta enquanto falam inglês; do outro, pai e mãe portugueses tentam convencer o filho a provar a tal azeitona esferificada – sem sucesso.
Num lembrete de que a qualidade do ingrediente fala alto em sua cozinha, o chef manda à mesa um carabineiro, camarão vermelho e gigante do Algarve (região mais ao sul do país). Meramente grelhado e servido com cinzas de alecrim, chega com o corpo em perfeito ponto de cocção (o sabor beira o doce) e a cabeça servida à parte, para que se alcance com uma pequena colher o “molho” natural que se forma ali com os sucos e entranhas do crustáceo, de sabor intenso e prolongado – é uma das criações deste ano. Um momento de iluminação – e que faz ter certeza de que os 145 euros já valeram a pena.
Mas não acabou. É hora da pré-sobremesa. O atendente anuncia simplesmente assim: “Pêssego e abóbora”. É outro experimento recente de Avillez, com elementos de texturas, formatos e cores diferentes no prato. Após ser questionado se os ingredientes são apenas aqueles dois, o funcionário sorri e diz que sim. Uma boa sacada, mas o ponto alto da seção doce do menu degustação fica por conta da “tangerina – 2010”. Trata-se de uma bola alaranjada com casca e interior feitos de suco congelado e espuma da fruta, respectivamente, além de sorbet e creme feitos dela. Folhas naturais ornam o prato, com migalhas doces de cogumelo que simulam a terra.
Depois de pouco mais de duas horas de uma experiência gastronômica de alto nível, chegam os petit fours, confeitos que anunciam o fim do almoço. Entre eles, um de azeite e outro de Amarguinha, licor de amêndoa típico português. Mimos delicados e de personalidade, que deixam boa impressão do que se experimenta.
Chef estrelado ainda faz estágio em cozinha alheia
“Diria que é uma cozinha portuguesa revisitada. É alta cozinha, com bases técnicas clássicas, um bocadinho da minha formação francesa, inspirações da cozinha contemporânea espanhola e também produtos e técnicas portugueses. Ando cada vez mais a descobrir a cozinha portuguesa e a tentar que os nossos sabores sejam transmitidos na alta cozinha de forma delicada e intensa”, sintetiza o chef José Avillez. Para tanto, viaja, lê, come em lugares que não conhece e continua estagiando em cozinhas de colegas que admira.
Reiterando a fala mais comum entre os chefs atualmente, ele acredita que a técnica deve estar sempre a serviço do ingrediente, e não o oposto. Para criar um prato, conta, não há exatamente um método, mas o processo costuma ocorrer quase todo fora da cozinha: “Olho para um prato vazio e penso no que poderia fazer. Olho para uma maçã e penso no que poderia fazer. A realização de um prato é feita 80% fora do fogão. O cruzamento de elementos é feito mentalmente e isso ocorre mais nos meus momentos de descanso”.
As duas estrelas do Guia Michelin, feito inédito para um restaurante português, o alegram, mas o chef tende a ver os benefícios disso de maneira mais ampla. “Acima de tudo, isso é bom para Portugal. Não vejo como uma conquista pessoal, mas para a nossa cozinha. O número de turistas no Belcanto tem aumentado, gente que tem como principal objetivo da viagem visitar o restaurante. Isso proporciona negócios não apenas para a casa, mas para todo o entorno. Aos poucos, vão descobrindo o país como destino gastronômico”, observa.
Na opinião dele, Portugal poderia ter mais uma ou duas estrelas (atualmente, outras 13 casas têm essa distinção) e avalia que será preciso muito esforço para melhorar essa avaliação. E quando ele menciona a palavra esforço, não se refere apenas ao empenho na cozinha. “O Guia privilegia a durabilidade dos projetos. Aqui, muitas casas fecham com um ou dois anos, é uma pena. É preciso melhorar a consistência dos projetos, a gestão deles. Temos de dar o nosso melhor todos os dias, o que é difícil. Fazer almoços e jantares especiais a qualquer dia e hora é o grande desafio. Costumo dizer que, ao servir 200 jantares, se tivermos sido simpáticos em 198 não foi o suficiente.”
Reiterando a fala mais comum entre os chefs atualmente, ele acredita que a técnica deve estar sempre a serviço do ingrediente, e não o oposto. Para criar um prato, conta, não há exatamente um método, mas o processo costuma ocorrer quase todo fora da cozinha: “Olho para um prato vazio e penso no que poderia fazer. Olho para uma maçã e penso no que poderia fazer. A realização de um prato é feita 80% fora do fogão. O cruzamento de elementos é feito mentalmente e isso ocorre mais nos meus momentos de descanso”.
As duas estrelas do Guia Michelin, feito inédito para um restaurante português, o alegram, mas o chef tende a ver os benefícios disso de maneira mais ampla.
Na opinião dele, Portugal poderia ter mais uma ou duas estrelas (atualmente, outras 13 casas têm essa distinção) e avalia que será preciso muito esforço para melhorar essa avaliação. E quando ele menciona a palavra esforço, não se refere apenas ao empenho na cozinha. “O Guia privilegia a durabilidade dos projetos. Aqui, muitas casas fecham com um ou dois anos, é uma pena. É preciso melhorar a consistência dos projetos, a gestão deles. Temos de dar o nosso melhor todos os dias, o que é difícil. Fazer almoços e jantares especiais a qualquer dia e hora é o grande desafio. Costumo dizer que, ao servir 200 jantares, se tivermos sido simpáticos em 198 não foi o suficiente.”