Rita Lobo é o tipo de profissional que se encaixa perfeitamente no conceito multimídia. Antes de se enveredar pelas caçarolas, a loira desfilou os olhos azuis e os cabelos dourados pelas passarelas nacionais e estrangeiras. Por hobby, decidiu fazer um curso de gastronomia nos Estados Unidos. A intenção? Aprender a se virar na cozinha. Com as panelas, ganhou mais que intimidade. Fez delas um estilo de vida. Hoje, comanda o site e canal no YouTube Panelinha — que, com mais de 1 milhão de acessos ao mês, virou um selo da editora Companhia das Letras, onde atua como editora.
Rita Lobo também escreve: é autora de livros que têm a comida como espinha dorsal. Vendeu mais de 100 mil cópias, algo raro no cenário brasileiro. Ainda é apresentadora do programa semanal Cozinha prática, do GNT. Para divulgar o último livro, homônimo ao programa e editado pela Senac São Paulo e pelo Panelinha, Rita Lobo excursiona pelo país para conversar com fãs, que encararam longas filas para conhecê-la. Cena que tem ficado cada vez mais comum em um Brasil que, aos poucos, aprende a valorizar a gastronomia como expressão cultural e produto de entretenimento.
Basta observar a quantidade de programas sobre o universo gourmet nas telinhas para certificar-se de que ser chef, definitivamente, é a profissão do momento. Mas a apresentadora, adepta da “desgourmetização”, faz algumas ressalvas: “Se a pessoa vai esperando uma profissão muito glamourosa, ela desiste, porque é um trabalho muito braçal.”
Chef na tevê
Acho positivo para todos, quem trabalha e quem consome. Quando me formei, salvo o Senac, quase não havia escolas de gastronomia, e não era reconhecido pelo MEC como curso superior. Se a pessoa vai esperando uma profissão muito glamourosa, ela desiste, porque é um trabalho muito braçal. Especialmente quando se está começando, cozinha não é fácil. Se pica muita cebola e batata. Lava-se muito chão. Você não vai chegar e cozinhar, de primeira. Mas acho bom que esse mercado esteja aquecido, porque assim temos mais opções, melhores restaurantes, mais chefs, mais bufês, melhores cantinas nas escolas. Quando mais bons cozinheiros temos, melhor — e cozinheiros que entendam a cozinha como a preparação de um alimento natural. Não dá para todo mundo ser chef de restaurante estrelado, mas dá para cuidar melhor de restaurantes mais populares, porque cozinha mais saudável é mais saborosa.
“Desgourmetiza”
É um chacoalhão, digamos assim. Trabalho e escrevo receitas há 20 anos. Comecei escrevendo para a Folha de S. Paulo em 1995, e as pessoas só conseguiam entender receita como algo gourmet. O trabalho que eu faço é o oposto a isso. É “vamos resolver o jantar de terça-feira?”. Aquele dia que se chega descabelada em casa, depois de um dia inteiro de trabalho, e ainda precisa resolver o jantar — para os filhos, para si mesmo, para o parceiro. É muito mais comum essa situação do que alguém que quer fazer uma lagosta igual ao que comeu no restaurante X ou Y em Paris. O desgourmetiza é uma provocação a essas pessoas que se interessaram por comida do fim de semana, ou seja, quem sabe fazer um risotinho, algo mais elaborado, mas não sabe fazer o básico. Um arroz soltinho, por exemplo, é mais útil no dia a dia do que um prato elaborado.
Modelo
Nem digo que foi uma grande profissão para mim. Eu só trabalhei três anos como modelo. Comecei aos 15 anos. Quando fiz 18, é que fui escolher a minha profissão. Por um aspecto, me influenciou porque, por viajar bastante, fui exposta a várias culturas gastronômicas, algo que colaborou muito na minha vida. Mas isso, hoje, no meu trabalho, é algo que acabo usando pouco. Cada vez mais, tenho o foco de prestar atenção ao que há de acessível no país, não só no sentido econômico. Todos os meus projetos tem uma coisa em comum: são receitas que funcionam, e elas funcionam não só porque são testadas, mas porque as pessoas conseguem encontrar todos os ingredientes. Claro, com um toque de glamour e apresentação que deixa a comida bonita e saborosa para os olhos. Não sofri esse preconceito de ser uma ex-modelo. Muita gente nem sabe que trabalhei na área, porque faz muito tempo, é algo muito distante da minha vida profissional e da realidade do meu público, que tem 20 anos, 30 anos. Muitos não me acompanharam desde esse início, e se surpreendem quando descobrem.
Em alta
Há cada vez mais pessoas interessadas em gastronomia, basta ver a quantidade de livros que são lançados, os programas novos de tevê que vêm crescendo e surgem diariamente. As pessoas me falam: “Tem tanto programa de culinária, não é?”, e eu não acho que tenha. Não havia nada, nenhum, e agora tem um pouquinho quando se compara com outros mercados, como os Estados Unidos, que tem canais só de culinária. Se, por um lado, temos mais gente interessada em cozinhar e um mercado editorial crescendo nesse sentido, por outro, tem gente absolutamente alienada achando que pode comer comida congelada todos os dias e que isso não vai destruir a saúde delas. Enquanto isso, os índices de obesidade no país vão crescendo loucamente. Saímos de um cenário que ainda existia desnutrição, para o extremo oposto. A população está ficando obesa, em parte, porque não está cozinhando. Por isso, é tão importante saber fazer arroz, feijão, galinha, carne seca, porque essa é a comida que garante que tenhamos uma vida mais saudável.
Comida é cultura?
Além da nutrição, o que vejo é que a comida é a forma de identificação de um povo. No Brasil, prestamos pouca atenção a isso até agora. Na Europa, o italiano se enxerga como italiano por causa da comida local, e aqui ainda estamos aprendendo, engatinhando nesse sentido. Falta nos enxergar como brasileiros, que temos uma comida que muda de Norte a Sul, mas também o arroz e feijão, ingredientes em comum. É bom perceber isso, o que nos une. Eu enxergo também, na minha possibilidade de olhar parta tantas culturas gastronômicas e ter usado isso no meu trabalho, a chance de mostrar outros olhares além da comida do dia a dia, por ter uma avô húngara, avô italiano, tenho essa mistura dentro de mim, como muitos brasileiros. Acho que comida é cultura, sim, mas não é algo que levante bandeira porque estou muito concentrada no ensinar a cozinhar.
Desperdício de comida
Por duas razões: primeiro pela abundância existente — nos tempos de guerra não havia isso, comida era algo muito, muito valorizado. Ter muita opção gera desperdício. Em segundo lugar, por ignorância. Muitas pessoas não sabem que cozinhar não é só fazer o prato ali, na hora. É planejar, comprar, armazenar, cozinhar e transformar as sobras em outros pratos. O desperdício também é ruim para a própria pessoa, ela está jogando dinheiro no lixo quando joga comida fora. Essa temporada do Cozinha prática, no GNT, foi toda pensada em cima disso, no reaproveitamento da comida. Quando se faz um prato e o transforma em três refeições, ou o aproveita para outras receitas, ganha-se tempo. Isso está muito inserido no meu trabalho. É muito legal ensinar a cozinhar pensando no brasileiro, do que se encontra no supermercado, nos nossos hábitos.
Driblando a crise
Também mantive os olhos nela. Acima de tudo, reaproveitar é uma evolução do cozinhar. Porque quando se faz uma receita, sempre sobra alguma coisa. É uma evolução, e que conversa com o que está acontecendo agora, socialmente. Em função das redes sociais, estamos conectados com o público e ouvindo-os o tempo todo. Quando percebo que comecei a sugerir marmita e as pessoas foram se interessando mais e mais, vi que era algo a se investir. O próximo passo era entender porque: é porque elas não querem gastar, mas também porque não aguentam comer fora todo dia — até em termos de saúde.
O ato de cozinhar
Na vida de todo mundo, comida é essencial. Esses dias, li sobre a relação que as pessoas têm com a cozinha como arte, e isso é muito distante da minha realidade e do que acho. Comida é vida, viver é o que você faz entre uma refeição e outra.
Chef e cozinheiro
As pessoas insistem em me chamar de chef e eu digo para que não me chamem assim, porque eu não lidero nenhum restaurante. Só se for chef da casa das pessoas, porque dou muita receita e mando muita gente ir cozinhar (risos). Acho que vou voltar a me dizer chef, só que da casa dos outros.
Rita Lobo também escreve: é autora de livros que têm a comida como espinha dorsal. Vendeu mais de 100 mil cópias, algo raro no cenário brasileiro. Ainda é apresentadora do programa semanal Cozinha prática, do GNT. Para divulgar o último livro, homônimo ao programa e editado pela Senac São Paulo e pelo Panelinha, Rita Lobo excursiona pelo país para conversar com fãs, que encararam longas filas para conhecê-la. Cena que tem ficado cada vez mais comum em um Brasil que, aos poucos, aprende a valorizar a gastronomia como expressão cultural e produto de entretenimento.
Basta observar a quantidade de programas sobre o universo gourmet nas telinhas para certificar-se de que ser chef, definitivamente, é a profissão do momento. Mas a apresentadora, adepta da “desgourmetização”, faz algumas ressalvas: “Se a pessoa vai esperando uma profissão muito glamourosa, ela desiste, porque é um trabalho muito braçal.”
Chef na tevê
Acho positivo para todos, quem trabalha e quem consome. Quando me formei, salvo o Senac, quase não havia escolas de gastronomia, e não era reconhecido pelo MEC como curso superior. Se a pessoa vai esperando uma profissão muito glamourosa, ela desiste, porque é um trabalho muito braçal. Especialmente quando se está começando, cozinha não é fácil. Se pica muita cebola e batata. Lava-se muito chão. Você não vai chegar e cozinhar, de primeira. Mas acho bom que esse mercado esteja aquecido, porque assim temos mais opções, melhores restaurantes, mais chefs, mais bufês, melhores cantinas nas escolas. Quando mais bons cozinheiros temos, melhor — e cozinheiros que entendam a cozinha como a preparação de um alimento natural. Não dá para todo mundo ser chef de restaurante estrelado, mas dá para cuidar melhor de restaurantes mais populares, porque cozinha mais saudável é mais saborosa.
“Desgourmetiza”
É um chacoalhão, digamos assim. Trabalho e escrevo receitas há 20 anos. Comecei escrevendo para a Folha de S. Paulo em 1995, e as pessoas só conseguiam entender receita como algo gourmet. O trabalho que eu faço é o oposto a isso. É “vamos resolver o jantar de terça-feira?”. Aquele dia que se chega descabelada em casa, depois de um dia inteiro de trabalho, e ainda precisa resolver o jantar — para os filhos, para si mesmo, para o parceiro. É muito mais comum essa situação do que alguém que quer fazer uma lagosta igual ao que comeu no restaurante X ou Y em Paris. O desgourmetiza é uma provocação a essas pessoas que se interessaram por comida do fim de semana, ou seja, quem sabe fazer um risotinho, algo mais elaborado, mas não sabe fazer o básico. Um arroz soltinho, por exemplo, é mais útil no dia a dia do que um prato elaborado.
Modelo
Nem digo que foi uma grande profissão para mim. Eu só trabalhei três anos como modelo. Comecei aos 15 anos. Quando fiz 18, é que fui escolher a minha profissão. Por um aspecto, me influenciou porque, por viajar bastante, fui exposta a várias culturas gastronômicas, algo que colaborou muito na minha vida. Mas isso, hoje, no meu trabalho, é algo que acabo usando pouco. Cada vez mais, tenho o foco de prestar atenção ao que há de acessível no país, não só no sentido econômico. Todos os meus projetos tem uma coisa em comum: são receitas que funcionam, e elas funcionam não só porque são testadas, mas porque as pessoas conseguem encontrar todos os ingredientes. Claro, com um toque de glamour e apresentação que deixa a comida bonita e saborosa para os olhos. Não sofri esse preconceito de ser uma ex-modelo. Muita gente nem sabe que trabalhei na área, porque faz muito tempo, é algo muito distante da minha vida profissional e da realidade do meu público, que tem 20 anos, 30 anos. Muitos não me acompanharam desde esse início, e se surpreendem quando descobrem.
Em alta
Há cada vez mais pessoas interessadas em gastronomia, basta ver a quantidade de livros que são lançados, os programas novos de tevê que vêm crescendo e surgem diariamente. As pessoas me falam: “Tem tanto programa de culinária, não é?”, e eu não acho que tenha. Não havia nada, nenhum, e agora tem um pouquinho quando se compara com outros mercados, como os Estados Unidos, que tem canais só de culinária. Se, por um lado, temos mais gente interessada em cozinhar e um mercado editorial crescendo nesse sentido, por outro, tem gente absolutamente alienada achando que pode comer comida congelada todos os dias e que isso não vai destruir a saúde delas. Enquanto isso, os índices de obesidade no país vão crescendo loucamente. Saímos de um cenário que ainda existia desnutrição, para o extremo oposto. A população está ficando obesa, em parte, porque não está cozinhando. Por isso, é tão importante saber fazer arroz, feijão, galinha, carne seca, porque essa é a comida que garante que tenhamos uma vida mais saudável.
Comida é cultura?
Além da nutrição, o que vejo é que a comida é a forma de identificação de um povo. No Brasil, prestamos pouca atenção a isso até agora. Na Europa, o italiano se enxerga como italiano por causa da comida local, e aqui ainda estamos aprendendo, engatinhando nesse sentido. Falta nos enxergar como brasileiros, que temos uma comida que muda de Norte a Sul, mas também o arroz e feijão, ingredientes em comum. É bom perceber isso, o que nos une. Eu enxergo também, na minha possibilidade de olhar parta tantas culturas gastronômicas e ter usado isso no meu trabalho, a chance de mostrar outros olhares além da comida do dia a dia, por ter uma avô húngara, avô italiano, tenho essa mistura dentro de mim, como muitos brasileiros. Acho que comida é cultura, sim, mas não é algo que levante bandeira porque estou muito concentrada no ensinar a cozinhar.
Desperdício de comida
Por duas razões: primeiro pela abundância existente — nos tempos de guerra não havia isso, comida era algo muito, muito valorizado. Ter muita opção gera desperdício. Em segundo lugar, por ignorância. Muitas pessoas não sabem que cozinhar não é só fazer o prato ali, na hora. É planejar, comprar, armazenar, cozinhar e transformar as sobras em outros pratos. O desperdício também é ruim para a própria pessoa, ela está jogando dinheiro no lixo quando joga comida fora. Essa temporada do Cozinha prática, no GNT, foi toda pensada em cima disso, no reaproveitamento da comida. Quando se faz um prato e o transforma em três refeições, ou o aproveita para outras receitas, ganha-se tempo. Isso está muito inserido no meu trabalho. É muito legal ensinar a cozinhar pensando no brasileiro, do que se encontra no supermercado, nos nossos hábitos.
Driblando a crise
Também mantive os olhos nela. Acima de tudo, reaproveitar é uma evolução do cozinhar. Porque quando se faz uma receita, sempre sobra alguma coisa. É uma evolução, e que conversa com o que está acontecendo agora, socialmente. Em função das redes sociais, estamos conectados com o público e ouvindo-os o tempo todo. Quando percebo que comecei a sugerir marmita e as pessoas foram se interessando mais e mais, vi que era algo a se investir. O próximo passo era entender porque: é porque elas não querem gastar, mas também porque não aguentam comer fora todo dia — até em termos de saúde.
O ato de cozinhar
Na vida de todo mundo, comida é essencial. Esses dias, li sobre a relação que as pessoas têm com a cozinha como arte, e isso é muito distante da minha realidade e do que acho. Comida é vida, viver é o que você faz entre uma refeição e outra.
Chef e cozinheiro
As pessoas insistem em me chamar de chef e eu digo para que não me chamem assim, porque eu não lidero nenhum restaurante. Só se for chef da casa das pessoas, porque dou muita receita e mando muita gente ir cozinhar (risos). Acho que vou voltar a me dizer chef, só que da casa dos outros.