A textura chama a atenção, pois a maioria dos exemplares fica mais macia em razão da presença dos fungos na casca. Alguns começam a amolecer de fora para dentro, com consistência semelhante à do brie francês. Isso ocorre porque os fungos, ao proliferar no queijo, introduzem suas enzimas digestivas na massa, quebrando moléculas de gordura e proteína e, consequentemente, tornando-a mais macia e até mole. O canastra de Onésio da Silva, por exemplo, além da casca levemente esbranquiçada é dos mais cremosos.
Ele conta que, quando notou a presença de fungo na sua queijaria, há dois anos, a primeira reação foi limpar tudo. “Achei que aquilo não estava certo. O problema é que, ao lavar e escovar o queijo, a casca vai afinando e ele pode trincar. Sem mexer na casca, ele fica mais protegido e macio. Já cheguei a curar queijo por seis meses e ele ainda continuar macio.” Este ano, a combinação de baixa temperatura e chuva durante o inverno se mostrou ideal para a produção desse tipo de queijo em seu sítio, que fica em São Roque de Minas.
Perto dali, em Medeiros, também na Serra da Canastra, está o produtor que é um dos pioneiros do queijo de minas mofado, Luciano Machado. “Ninguém nunca comeu nosso queijo assim, porque nunca deixamos. A gente limpava, havia cobrança para que fosse lisinho como o da indústria. Num evento do Slow Food na Itália, vi vários queijos mofados e pessoas apreciando aquilo. Comecei a oferecer às pessoas o meu queijo com e sem toalete, mas sem que soubessem dessa diferença. Todas preferiam o mofado e ficavam surpresas ao saber disso”, diz.
Ele começou a apostar nessa vertente em 2008 e lembra que, nessa época, seus queijos com fungos eram muito rejeitados. Hoje, eles são responsáveis por mais da metade das vendas do produtor, que praticamente não lava mais nenhum de seus queijos. “O consumidor europeu está acostumado e quer saber como o queijo é feito, o que a vaca come. O brasileiro ainda não tem esse costume”, afirma. Por motivos como esse, Luciano ainda deixa seu freguês à vontade para comer ou não a casca – ele faz questão de comê-la.
ENIGMA O processo que vem tornando parte do queijo de minas artesanal tão diferente nos últimos anos ainda é um tanto indomável e misterioso. A oferta desses exemplares oscila muito ao longo do ano, bem como suas características não obedecem a um padrão (aparência, textura, aroma e sabor). Já se sabe que frio e a chuva são fatores que favorecem a proliferação de fungos na queijaria. Entretanto, os produtores desconhecem as espécies de fungos que colonizam seus queijos.
Por isso, Eduardo José de Melo, do Serro, recentemente passou a monitorar com maior atenção sua queijaria. Comprou equipamentos para medir temperatura e umidade lá dentro. Por enquanto, ele chama o fenômeno de “obra de Deus”: “A gente via o queijo assim e não sabia o porquê. O meu queijo pode estar muito curado que ainda permanece cremoso por dentro. Temos muito o que saber e vamos entrar em contato com laboratórios. Estamos engatinhando, mas daqui a uns anos serão várias histórias como a minha”, acredita.
Quem também procurou ajuda para entender melhor o assunto foi Richard Santos, produtor de Datas, próximo ao Serro. Dos 10 queijos que faz diariamente, três ou quatro ele vende mofados e, no momento, a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, em Diamantina, pesquisa para descobrir que micro-organismos estão nas cascas deles. “No meu caso, eles aparecem depois de 20 ou 30 dias de cura. Primeiro os fungos brancos, depois os azuis”, relata. Ele também faz queijos mofados a partir de leite de cabra.