O restaurante em questão é o Café Ideal, que funcionou entre 1981 e 1999 e revolucionou o ato de sair para comer em BH. O ambiente era o que se podia chamar de “descolado” naquela época: havia charme, mas sem tanta pompa, com cadeiras propositalmente desparelhadas. O cardápio listava pratos que hoje soam óbvios, mas representaram para a cidade um sopro de cosmopolitismo e renovação, como filé ao molho de pimenta verde (o steak au poivre vert, em francês). Sem deixar de lado o coquetel de camarão, hit daquele tempo.
Os fundadores foram os uruguaios Fernando Areco, conhecido como Motta, e Jorge Rattner, que morreu em 2011. O primeiro trabalhava como produtor de espetáculos e veio para cá a convite do Grupo Corpo, que preparava o balé Maria Maria. Ao reencontrar Rattner, seu amigo de infância, durante turnê na Argentina, falou de Belo Horizonte: “Disse que tinha muito espaço para a gastronomia, levando em conta o que conhecíamos pelo mundo. Havia poucos restaurantes, não se preocupava com decoração e o serviço era deficiente. Um conformismo geral”.
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Flora Motta diz ter sido o pioneiro por aqui no serviço empratado (a comida vem em pratos individuais montados na cozinha) e que louças individuais grandes (33cm) também chegaram à cidade por inciativa dele. “Todo mundo servia em travessas. Faziam gozações com a gente, falavam que era PF, mas o tempo mostrou que estávamos certos”, conta. A casa era frequentada por gente da moda e da cultura, além de políticos, executivos e outros chefs, que vinham para fazer festivais ali, como o italiano Luciano Boseggia, que comandava o Fasano, em São Paulo.
“Fazíamos comida sem rotular como francesa, apesar da influência. Percebemos que o que bombaria aqui seria a comida italiana revisitada quando o chef Sergio Arno, do paulistano La Vecchia Cucina, veio para fazer um desses festivais”, lembra Motta. Não pararam de trazer convidados para a cozinha, incluindo o francês Serge Lanoix, que provavelmente fez a primeira apresentação da nouvelle cuisine na cidade, em 1982. “Falaram que era pouca comida, que os alimentos não estavam bem cozidos. Eram conceitos diferentes para a época”, diz.
Intercâmbios como esse ajudaram a moldar a proposta gastronômica do Café Ideal e, consequentemente, abrir a cabeça do belo-horizontino, então acostumado a muito uísque e pouco vinho. “Jorge ficou obcecado por inovação”, continua Motta. “Trazíamos ostras do Chile, cordeiro da Nova Zelândia, massa italiana. Eu me lembro de irmos a uma flora paulista para comprar kiwi, que era caríssimo. Servíamos a fruta cortada ao meio, para comer de colher, com chantilly”, ri. Era tempo de “pato com mangas”, “coelho en papillote”, “parfait de amêndoas”.
“Criamos uma escola, uma tendência que abriu um horizonte novo. Mais cedo ou mais tarde, isso aconteceria e alguém teria de fazer, mas fomos nós a ponta da lança. Seria pretensioso falar que ensinamos as pessoas daqui a comer, mas trouxemos a gastronomia para mais perto do belo-horizontino, que antigamente tinha de viajar para ter contato com certas coisas. Formamos 70% dos profissionais que estão no mercado. É impressionante, quando vou a outros lugares, não me lembro dos nomes, mas reconheço as pessoas”, resume Motta.