“Com a chegada da energia elétrica e a difusão da pasteurização do leite, a cura do queijo caiu em desuso no Caraça. A produção foi interrompida durante uma época e retomada há cerca de 20 anos. No fim de 2014, começamos a curar os queijos de novo”, conta o padre Luís Carlos do Vale, diretor administrativo do santuário.
Os queijos da Canastra e do Serro, por exemplo, já são distinguidos assim. Neste mês, técnicos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater) e do Instituto Mineiro da Agropecuária (IMA) visitaram o santuário. Eles trabalharão na definição das características dessa provável nova região queijeira e na qualificação dos produtores locais, que devem manter o processo artesanal e se enquadrar nas regras sanitárias.
“Com certeza, essa região produz queijo há uns 300 anos, foi onde começou o povoamento de Minas Gerais. A denominação de origem depende de muito estudo, mas é possível nesse caso. Levará pelo menos um ano”, diz Elmer de Almeida, coordenador estadual da Emater. Ele trabalhou na caracterização da maioria das 10 denominações de origem de queijos mineiros artesanais – Alagoa, Alto Suaçuí, Araxá, Cabacinha, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado, Serro, Serra do Salitre e Triângulo Mineiro.
O rebanho de gado mestiço é composto de 200 cabeças e são feitos cerca de 15 queijos por dia, elaborados com leite cru (não pasteurizado, como todo queijo artesanal) e disponibilizados frescos para consumo interno e de visitantes. Os exemplares curados estão em teste.
As técnicas de produção precisam ser aprimoradas: o coalho ainda é medido “no olho”, a salga é feita com sal fino (o ideal é o sal grosso) e a madeira sobre a qual as peças passam os 22 dias do processo de cura, o pinho, é inadequada (pois transfere cheiro indesejável).
Tudo isso foi visto por Almeida durante a visita à fazenda, finalizada com a degustação de um queijo curado local. Ao partir a primeira fatia, examinou-a com os olhos e o nariz, parabenizando o padre. Depois de provar, disse: “Eu comeria esse queijo todinho”.
O complexo do Santuário do Caraça fica entre as cidades de Santa Bárbara e Catas Altas. Há pelo menos cinco produtores de queijo buscando certificação para iniciar a venda do produto. Caeté e Barão de Cocais são estão entre as localidades que deverão integrar a possível nova região queijeira.
“Havia um casal de açorianos que morava em Santa Bárbara e possuía 700 cabeças de gado por volta de 1800. É o registro mais antigo de um rebanho na região. Toda família por aqui conta histórias de avós e bisavós que faziam queijo”, diz Vani. Paralelamente, ela coordena outros projetos gastronômicos no santuário, a exemplo da reforma da cozinha, do cultivo de hortaliças menos conhecidas, do preparo de receitas antigas do local e da retomada da produção de fermentados de frutas (como os “vinhos” de laranja e de jabuticaba).
Receita de Frei Rosário tem sabor quase picante
Sua casca torna-se mofada, a massa costuma amaciar e o sabor torna-se intenso, mais salgado e quase picante. O frei fazia apenas para consumo próprio e de seus convidados. “Quando ele morreu, em 2000, paramos de produzir. As pessoas que tinham experimentado pediam a volta do queijo. Retomamos há uns 10 anos e, desde 2013, vendemos para qualquer pessoa”, relata Alair Silva, supervisor da lanchonete do santuário e um dos responsáveis pela cura das peças, que leva 60 dias. A produção atual está toda encomendada, mas, em breve, haverá exemplares para pronta entrega.
O cômodo de pedra onde o processo é feito ainda é o mesmo da época do frei, bem como os armários de madeira, cujas prateleiras onde repousam quase 200 queijos por vez são forradas com pano. Aliás, foi graças a velhos pedaços de tecido esquecidos ali que os mesmos fungos de outrora foram recuperados. Não há controle de temperatura ou umidade durante o processo, que termina com alguns queijos mais moles e outros mais firmes. Uma porta com tela permite que o cômodo “respire”. Durante o inverno, a temperatura por lá chega a cinco graus.