A subdivisão da gastronomia mineira não é exatamente uma novidade. Dona Lucinha e sua filha Márcia Nunes, para ficar num exemplo só, já haviam dividido a cozinha do estado em “seca” e “molhada” (dos tropeiros e das fazendas) no livro a 'História da arte da cozinha mineira' por Dona Lucinha, de 2001. De lá para cá, o crescimento da gastronomia no país motivou um novo olhar para esse mapa, tendo ingredientes e produtos em primeiro plano. Outras delimitações apareceram a partir disso e a definição dessa cara é uma obra em progresso, tocada sobretudo por chefs que atuam de forma independente e empírica.
Flávio Trombino, chef do Xapuri, um dos cinco restaurantes participantes do circuito, concorda com as demarcações desse mapa, mas sente falta de endosso oficial para a iniciativa. Na visão dele, é preciso deixar mais claro o conceito de terroir (conjunto de características naturais que influenciam a produção de bebidas e comidas) de cada região. “Ficaria mais fácil em termos de pesquisa e entendimento, tanto para quem é chef quanto para o público. A cadeia produtiva toda ganha com isso”, avalia.
Encarregado de criar um prato inspirado no cerrado mineiro, ele recorreu a livros do botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, que viajou pelo estado no século 19 e catalogou diversas espécies locais. Uma delas é a pimenta-de-macaco, especiaria que Trombino é dos poucos a usar, empregada no cozido que preparou para o evento. “Ele a achou mais saborosa que a pimenta-do-reino e menciona um prato parecido com esse que fiz, à base de carnes salgadas e secas, ao relatar viagem pelo Norte de Minas”, conta o chef.
Trombino acaba de voltar de evento gastronômico em Fortaleza (CE), onde comprovou que o interesse por essa discussão não está restrito aos profissionais do ramo. “Levei vinagre de jabuticaba, rapadura e pimentas. As pessoas ficaram encantadas, queriam comprar tudo o que eu tinha levado e perguntavam de que região eram as coisas. Nossos queijos artesanais são o melhor exemplo disso”, conta. Em março, ele promoveu no Xapuri festival gastronômico baseado nos terroirs central, norte, sul, leste (Vale do Mucuri) e oeste (Triângulo Mineiro). “Essa divisão que usei é de entendimento mais fácil, mas a atual é mais específica”, analisa.
Jaime Solares, da Borracharia Gastropub, criou um filé com requeijão moreno, salada de ervas e farofa de castanhas para o circuito (a região que lhe coube foi a do Espinhaço) e acredita que o mapa gastronômico proposto pelo evento seja um ponto de partida. “Precisamos de algumas subdivisões, como no Vale do Mucuri, que merece ter uma classificação própria pelos requeijões, cascudo e boi pré-salé”, defende. Esse requeijão, a propósito, é usado há bastante tempo na casa.
Outro chef que aposta na divulgação de produtos regionais é Marcos Proença, do Patorroco. Ele tem um sítio em São Bartolomeu, próximo a Ouro Preto, e está habituado não apenas a pesquisar os ingredientes do entorno, mas também a comer com os moradores locais. Prestes a abrir empório com produtos de lá ao lado de seu bar, ele inspirou-se nas verduras que tem descoberto (como o cariru) para fazer um pesto de ora-pro-nóbis, guarnição da rabada desossada com farinha de torresmo e creme de moranga com queijo de minas, receita representante da Região Central.
Incentivando o turismo
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Na visão dele, essa pesquisa tem pouca utilidade turística, servindo sobretudo a quem se dedica à pesquisa. Rusty Marcellini, pesquisador e professor de culinária (também escreveu livros), discorda: “Acho que isso deveria estar muito atrelado à indústria do turismo. Hoje, os chefs estão habituados a receber produtos, sem ir atrás deles, e o público não se sente muito estimulado para fazer esse tipo de turismo gastronômico. Há trabalhos isolados no interior, mas, de forma geral, ainda é muito fraco”.
O gastrônomo Eduardo Maya, à frente do Aproxima, também acha que esses estudos contribuem para fomentar o turismo em torno da comida e despertar a curiosidade em relação ao trabalho dos chefs. Mas faz uma ressalva: “A Estada Real foi um dos maiores projetos turísticos que Minas já teve. Quando o governo entrou, escangalhou tudo. Isso tem de ficar mais com a iniciativa privada e associações. É importantíssimo o governo apoiar e dar chancela, mas sem botar a mão”.