Da hora do almoço até o fim da noite, o Bar Zé Luiz não é nada além de uma loja faxinada e fechada. A partir das 2h30, porém, ele é o soberano do Mercado Novo, no Centro de Belo Horizonte, entre lojas de embalagem, oficinas de bloco de rascunho e todos os bares “concorrentes” fechados. O cheiro de comida feita na hora atravessa os corredores do local, onde verdureiros se apressam para montar suas bancas, e chega à calçada. Para comer um PF ali é preciso chegar até as 9h.
Na madrugada de segunda para terça-feira, o prato do dia é feijão-tropeiro. Na sequência, até a virada de sábado para domingo, há frango com quiabo, rabada com batata, peixe ensopado com pirão, feijoada e, novamente, tropeiro. O preço é R$ 10, mas é possível negociar, explica Luiz: “Dá para fazer por menos. O que manda no prato é a carne. A gente põe uma coxa de frango só, um pedaço menor de linguiça”. Na estufa, porções de linguiça, carne cozida e frango frito.
Toda a comida é feita assim que os dois chegam ao bar, às 2h. Para agilizar o preparo, antes de ir embora para casa deixam o feijão de molho, as verduras lavadas e as carnes temperadas (tudo é comprado no próprio mercado). O horário de pico é por volta das 4h – antes disso, muitos dos que chegam querem café, pingado ou um pedaço de bolo. Os feirantes do mercado são parte expressiva da clientela e costumam comer mais tarde, por volta das 6h ou 7h, mesmo horário dos proprietários do bar, que só dormem lá pelas 15h.
“Atendemos garçons, taxistas, pessoal que trabalha à noite, gente aqui do mercado. Ontem, por exemplo, veio um grupo de pagode. Tem gente chegando em tudo que é horário. A maior parte das pessoas que vem pelo Mercado das Borboletas não vem para o bar. Eles não conhecem, não imaginam que há um bar aberto nesse horário. Além disso, a gente fica escondido aqui. Muita gente chega indicada por taxistas”, conta Gilson. A palavra taxistas não aparece duas vezes à toa. Eles são maioria no bar.
“Os taxistas que não vêm comer aqui passaram a trabalhar de dia, mudaram de profissão ou se aposentaram”, brinca Gilson. Ele e o irmão, que trabalham de bermuda e chinelo, conhecem muitos deles pelo nome. Isso contribui para que, ali, o clima seja não só de tranquilidade, mas também de cumplicidade. “Já aconteceu de um freguês estranhar o outro, mas isso é muito difícil de acontecer. E, quando acontece, o pessoal chega e separa logo”, informa Luiz.
COLHER Algumas panelas – em pleno uso – sobre o fogão parecem estar ensaboadas, mas, na verdade, estão cobertas por produto de limpeza que impede a gordura de agarrar no metal. “Facilita para lavar depois”, justifica Luiz. Aliás, não apenas a pequena cozinha, que fica à vista do freguês, mas todo o bar vale uma olhada atenta por quem aprecia botecos tradicionais. O caixa fica escorado em latinhas amassadas, servindo também de apoio para uma lupa (para as letras miúdas dos tíquetes alimentação), um carimbo, um saleiro e um saco de moedas.
Logo acima, cachaças, um pote de achocolatado, canetas esferográficas à venda, cigarros, uma lata amassada de azeite barato, potes de margarina e, próximo ao ventilador de teto, embalagens plásticas abertas de Caracu e Brahma Zero. No balcão, um ou outro freguês fuma sem muita cerimônia, enquanto um gato preto passeia por entre caixas de verdura e um homem vira dois dedos de cachaça entre uma garfada e outra. Ligada, a televisão não é assistida por ninguém.
Em torno do balcão não há bancos nem mesas. Não seria má ideia, acredita Gilson, colocar mesas ao redor, mas a administração do mercado não permite ocupar os corredores dessa maneira. Ele e o irmão apenas instalaram correntes para delimitar a presença da freguesia, prova de que o movimento costuma ficar intenso (sobretudo a partir de quinta). Além de não comer sentado, só come com garfo e faca quem pede. “É mais fácil comer em pé se for com colher. Já vem tudo cortado no prato”, lembra ele. É assim desde a época de Zé Luiz.
De frente para o prato de frango com quiabo que acabou de comer, o garçom Rangel de Almeida, de 35 anos, declara: “R$ 10 num prato desse, com esse atendimento, é caro? Somos bem recebidos, bem tratados aqui. Por isso a gente vem todo dia. Minha bolsa está aqui atrás e eu não estou nem preocupado. Aqui é mais seguro do que dentro da minha casa. E o aroma daqui, o cheirinho de comida? Se você for lá fora, é só poluição, urina”. Não raro, chega ao Zé Luiz acompanhado por clientes que estavam no bar onde trabalha, também no Centro.
“O pessoal da gandaia chega aqui dando ‘boa-noite’ e a gente responde com ‘bom-dia’”, conta Luiz Otávio Pereira, que comanda o bar com o irmão, Gilson Luiz. A casa foi aberta em 1985 pelo pai deles, o Zé Luiz, que nasceu em Morada Nova de Minas e começou a trabalhar em bares da capital mineira no final dos anos 1960. Ele morreu há 11 anos, e a mulher ajuda de vez em quando com a comida, mas são os dois filhos do casal que assumem o dia a dia do bar: Luiz (Juruna, para os íntimos) na cozinha e Gilson no atendimento, ambos se revezando na pia.
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Toda a comida é feita assim que os dois chegam ao bar, às 2h. Para agilizar o preparo, antes de ir embora para casa deixam o feijão de molho, as verduras lavadas e as carnes temperadas (tudo é comprado no próprio mercado). O horário de pico é por volta das 4h – antes disso, muitos dos que chegam querem café, pingado ou um pedaço de bolo. Os feirantes do mercado são parte expressiva da clientela e costumam comer mais tarde, por volta das 6h ou 7h, mesmo horário dos proprietários do bar, que só dormem lá pelas 15h.
“Atendemos garçons, taxistas, pessoal que trabalha à noite, gente aqui do mercado. Ontem, por exemplo, veio um grupo de pagode. Tem gente chegando em tudo que é horário. A maior parte das pessoas que vem pelo Mercado das Borboletas não vem para o bar. Eles não conhecem, não imaginam que há um bar aberto nesse horário. Além disso, a gente fica escondido aqui. Muita gente chega indicada por taxistas”, conta Gilson. A palavra taxistas não aparece duas vezes à toa. Eles são maioria no bar.
“Os taxistas que não vêm comer aqui passaram a trabalhar de dia, mudaram de profissão ou se aposentaram”, brinca Gilson. Ele e o irmão, que trabalham de bermuda e chinelo, conhecem muitos deles pelo nome. Isso contribui para que, ali, o clima seja não só de tranquilidade, mas também de cumplicidade. “Já aconteceu de um freguês estranhar o outro, mas isso é muito difícil de acontecer. E, quando acontece, o pessoal chega e separa logo”, informa Luiz.
COLHER Algumas panelas – em pleno uso – sobre o fogão parecem estar ensaboadas, mas, na verdade, estão cobertas por produto de limpeza que impede a gordura de agarrar no metal. “Facilita para lavar depois”, justifica Luiz. Aliás, não apenas a pequena cozinha, que fica à vista do freguês, mas todo o bar vale uma olhada atenta por quem aprecia botecos tradicionais. O caixa fica escorado em latinhas amassadas, servindo também de apoio para uma lupa (para as letras miúdas dos tíquetes alimentação), um carimbo, um saleiro e um saco de moedas.
Logo acima, cachaças, um pote de achocolatado, canetas esferográficas à venda, cigarros, uma lata amassada de azeite barato, potes de margarina e, próximo ao ventilador de teto, embalagens plásticas abertas de Caracu e Brahma Zero. No balcão, um ou outro freguês fuma sem muita cerimônia, enquanto um gato preto passeia por entre caixas de verdura e um homem vira dois dedos de cachaça entre uma garfada e outra. Ligada, a televisão não é assistida por ninguém.
Em torno do balcão não há bancos nem mesas. Não seria má ideia, acredita Gilson, colocar mesas ao redor, mas a administração do mercado não permite ocupar os corredores dessa maneira. Ele e o irmão apenas instalaram correntes para delimitar a presença da freguesia, prova de que o movimento costuma ficar intenso (sobretudo a partir de quinta). Além de não comer sentado, só come com garfo e faca quem pede. “É mais fácil comer em pé se for com colher. Já vem tudo cortado no prato”, lembra ele. É assim desde a época de Zé Luiz.
De frente para o prato de frango com quiabo que acabou de comer, o garçom Rangel de Almeida, de 35 anos, declara: “R$ 10 num prato desse, com esse atendimento, é caro? Somos bem recebidos, bem tratados aqui. Por isso a gente vem todo dia. Minha bolsa está aqui atrás e eu não estou nem preocupado. Aqui é mais seguro do que dentro da minha casa. E o aroma daqui, o cheirinho de comida? Se você for lá fora, é só poluição, urina”. Não raro, chega ao Zé Luiz acompanhado por clientes que estavam no bar onde trabalha, também no Centro.