Sentado diante da tradicional pilha de quinquilharias ao lado de caixotes lotados de discos de vinil, Sebastião Nascimento – o Tião do Maletta – acostumou-se a observar uma transformação diária. A partir das 17h, soa alto o barulho das portas de ferro. É a hora do abre e fecha, sinal da troca de pele que o Edifício Arcangelo Maletta experimenta diariamente.
“Fecho a loja, desço para tomar uma cerveja e fico olhando quem está subindo. É um pessoal mais novo, curioso para saber como é o Maletta”, constata o vendedor. Há 15 anos, ele inaugurou o sebo Vila Rica no segundo piso do tradicional ponto de encontro de boêmios da capital mineira. A loja tem de tudo: de vinil com a trilha sonora original de Ópera do malandro, de Chico Buarque, a jornais antigos. “É um pouco do que o Maletta transmite para o público”, sintetiza Tião.
Lá se vão cinco anos desde que as varandas do edifício, na esquina da Avenida Augusto de Lima com a Rua da Bahia, no Centro, foram descobertas pelas novas gerações. Muita gente ainda não sabe disso, mas o movimento não é exclusividade da noite, ainda que atraia mais gente no cair do sol. Tião do Maletta é testemunha disso.
Na hora do almoço, pratos feitos e self-services sem balança reinam. Sempre cheias, casas tradicionais como Cantina do Lucas e Restaurante Xok Xok dividem a atenção dos clientes com os novatos, defensores da variedade gastronômica.
Em 2012, de olho no nicho de quem procura uma comida mais leve, a administradora Fernanda Abdallah e o marido, Eduardo Pimentel, decidiram abrir o restaurante Feijão no segundo piso do prédio. “Decidimos arriscar, e o resultado foi rápido”, conta ela. A marca registrada da casa é o sabor caseiro, além da sintonia com o clima descolado do Maletta.
Em dois anos, a média de refeições servidas diariamente pelo Feijão saltou de 40 para 250. O self-service, sem balança e com uma carne, sai por R$ 12. “O refresco é cortesia”, informa Fernanda. Entre as opções diárias, há de pratos da cozinha mineira a receitas voltadas para veganos e vegetarianos. “Prezamos muito a variedade de saladas. Com isso, acabamos atendendo o gosto de muita gente. Para a galera que quer rabada, tem. E também atendemos quem prefere arroz integral”, afirma ela.
Fernanda Abdallah diz que trabalhar no Maletta foi um achado e uma surpresa. “Já gostava dos bares, mas, depois que vim pra cá, fiquei impressionada em ver como isso aqui é como uma cidade, uma família. Todo mundo se conhece”, diz. Como encerra o expediente às 14h30, ela concorda que há, literalmente, uma troca de pele. No caso do Feijão, a cada tarde saem os tecidos de chita colorida que decoram mesas e pilastras para dar espaço às mesas de bar do happy hour. “Como no meu corredor só tem um bar, ele só abre à noite, e eu, de dia. Então, é supertranquilo”, garante.
Dupla opção
Proprietária do sebo Opção II, Janaína Silva Matos convive com o Maletta há pelo menos 15 anos. Quando percebeu que o movimento dos bares era crescente, ela não se surpreendeu com a proposta do marido, Ivan Santos Silva. “Minha loja é muito extensa. Um dia, ele parou aqui e falou: ‘E se a gente colocasse um bar?’”, lembra.
Foi assim que nasceu o Saideira, que funciona há um ano e meio. É o primeiro – e por enquanto o único – sebo a virar bar por lá. “Colocamos panos pretos nas prateleiras, aí ele se transforma”, diz Janaína. Então, das 9h às 17h, vale a venda de livros. Das 17h às 2h, entram no cardápio opções mais gordurosas. “O que sai mais são as fritas com queijo e bacon”, revela a dona do Opção II.
VHS “Não dá pra comparar. De dia, vê-se mais gente pesquisando sobre livros, procurando VHS. É um público. À noite, isto aqui vira outra coisa”, conta Alec Santino, que há quatro anos trabalha na loja de discos Usados com Arte. Ele reconhece que o movimento do estabelecimento foi embalado pela revitalização do local, com a abertura de bares nas varandas do segundo piso.
Para 'malettear'...
LEIA
» LIVRARIA SHAZAN E PONTO DO LIVRO
As lojas são administradas por José Ronaldo Lima, um dos livreiros mais tradicionais do Edifício Maletta. Desde 1972 ele mantém o sebo Shazan, cujo acervo reúne cerca de 10 mil títulos. Lima é testemunha ocular das várias transformações que o Maletta passou até hoje. Funcionam das 13h às 17h. Informações: (31) 3224-5556.
» 7ARTE
Especializada em artigos relacionados a cinema e fotografia. Com decoração mais cult, oferece filmes raros, revistas, livros e discos com trilhas de filmes, além de coleção de máquinas fotográficas. Aberta das 10h às 18h. Informações: (31) 3222-1785.
OUÇA
» USADOS COM ARTE
Loja dedicada à venda de discos de vinil e CDs antigos. O acervo tem em torno de 25 mil títulos, de todos os estilos musicais. Também oferece serviços de digitalização. Aberta das 9h às 18h30. Informações: (31) 3273-6058.
» SEBO VILA RICA
A loja de Tião do Maletta vende livros, objetos e um pouco de tudo. Ele destaca principalmente o acervo de oito mil vinis. Lá, podem ser encontrados discos de João Gilberto, estreias de duplas sertanejas e álbuns dedicados a berimbaus da capoeira. Aberta das 10h às 17h. Informações: (31) 3226-7708.
DEGUSTE
» NINE
Restaurante administrado por duas equipes. No menu do almoço, oferece prato feito – sexta-feira é dia de feijoada, com as opções light e tradicional saindo a R$ 18. À noite, o carro-chefe são os drinques servidos nos potes de vidro que estão na moda, além de sanduíches e petiscos. O protagonista do cardápio noturno é o filé ao vinho com molho de pimenta biquinho e batatas laminadas. Aberto das 11h às 14h30 para almoço. O happy hour começa às 18h vai até o último cliente. Informações: (31) 3024-9403.
» ARCÂNGELO
O pioneiro da retomada do Maletta hoje divide seu território. O Arcângelo é o único bar da varanda a delimitar seu espaço, recorrendo ao trabalho de seguranças. Em cinco anos, ele triplicou de tamanho e segue lotado. Aberto das 17h à meia-noite. Informações: (31) 3273-1351.