Se você pensa que cachaça é rum; cachaça não é rum, não. A diferença entre os dois pode ser enorme, mas até o ano passado os norte-americanos eram induzidos a pensar que a mais tradicional bebida brasileira tinha as mesmas características do destilado cubano.
Por fim, um acordo internacional entre Brasil e Estados Unidos colocou ponto final no erro de classificação. Somada a isso a visibilidade propiciada pelos principais eventos esportivos que terão o Brasil como sede nos próximos anos, a cachaça abre as portas do mercado internacional. Além disso, a bebida ganha em sofisticação e é cada vez mais adotada na elaboração de coquetéis e como ingrediente de pratos refinados.
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A medida adotada pelo governo norte-americano em relação à cachaça era aguardada há 40 anos. Até então, a bebida brasileira era rotulada como brazilian run (rum brasileiro). O motivo: tanto o rum cubano quanto a pinga são produzidas à base de cana-de-açúcar. E bastou a canetada do presidente Barack Obama, em abril do ano passado, para acelerar o ritmo de vendas da cachaça na terra do Tio Sam.
O último balanço do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), referente ao primeiro semestre de 2012, mostra que houve crescimento de 12,62% das exportações do produto para os Estados Unidos no comparativo com o mesmo período de 2011.
Mas a caminhada ainda é longa. A capacidade de produção brasileira é de 1,2 bilhão de litros de cachaça por ano. No entanto, menos de 1% do que é produzido anualmente é exportado. Entre as marcas que já conquistaram seu espaço lá fora está a mineira Dedo de Prosa. Dos 50 mil litros fabricados em Piranguinho, no Sul de Minas, 15% têm como destino Suíça, Angola e Canadá e, a partir deste mês, também a China.
Um contêiner com 9 mil garrafas seguirá para o Oriente. A produtora Jacqueline Calvo, no entanto, sabe que, apesar de se tratar de um mercado promissor, falta divulgação do produto. “A caminho da Copa deveria haver um material de mídia, algo que pudesse apresentar a cachaça para quem não a conhece”, afirma.
Escritório fora
No caso da cachaça Pendão, produzida em alambiques de Esmeraldas e Itatiaiuçu, ambas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, o passo dado pela empresa foi além. Aproveitando a chancela dada pelos Estados Unidos, com investimento próximo a R$ 1 milhão, a marca inaugurou um escritório em Miami, com a intenção de triplicar as vendas no exterior.
Presente por enquanto em lojas de bebidas de Orlando e Londres, as garrafas devem ser encontradas também em outras cidades inglesas, canadenses, francesas e irlandesas e até os japoneses estão em pauta. “O presidente da empresa deve apresentar o produto no Japão em uma feira. A expectativa é de fechar negócios”, adianta o gerente administrativo da cachaça Pendão, José Albuquerque.
Um dos empecilhos encontrados pelos produtores de cachaça artesanal de alambique para ampliar a exportação é que os gringos conhecem a cachaça por ser a matéria-prima da caipirinha. Assim, ao adquirir o produto, acabam por preferir as marcas industrializadas.
Um mito diz que o drinque precisa ser feito com pinga branca, o que, segundo especialistas, é uma bobagem. Inclusive, se o drink for elaborado com uma bebida de qualidade os efeitos da ressaca são bem menores. Isso pode ser explicado pelo processo de fabricação: a fração inicial e final do processo de destilação (chamadas de cabeça e cauda) são descartadas, permanecendo somente o coração, onde não estão presentes alcoóis superiores, éteres e aldeídos, responsáveis pelos efeitos no dia seguinte.
Escalação para ganhar mercado
No rumo da profissionalização, produtores mineiros de cachaça artesanal aproveitam a realização da Copa’2014 para expandir os negócios e combater a concorrência dos informais. Detalhes que vão desde a solução de problemas logísticos até de marketing e ambientais estão entre os desafios do mercado. Com isso, a tendência é de que se acentuem as diferenças entre os alambiques formais e os informais, criando duas categorias bem distintas.
Tanto é que o Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac) deu início à campanha Cachaça Legal como forma de incentivar os associados a adquirir produtos feitos de acordo com as boas práticas, além de registrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Visando a profissionalização, o recém-empossado diretor-presidente da Associação Mineira dos Produtores de Cachaça de Qualidade (Ampaq), Trajano Raul Ladeira de Lima, elencou duas palavras-chaves para o seu mandato de três anos à frente dos produtores: eficiência e eficácia.
Responsável pela cachaça Lukana, produzida em Santo Antônio do Leite, distrito de Ouro Preto, Trajano afirma que esteve com o Governador de Minas para apresentar uma pauta com quatro pleitos que podem colaborar para o sucesso da empreitada.
A lista de pedidos inclui a criação do Instituto de Pesquisas da Cachaça Artesanal de Alambique; a elaboração de um novo diagnóstico da cadeia produtiva (quantos são e quais são os produtores formais e informais); o retorno da cachaça ao Sistema Simples de tributação, do qual foi excluída em 2002; e, por último, a criação do Fundo Estadual da Cachaça, com repasse de 1% de todo o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para financiamento de projetos do setor.
“A Copa do Mundo é um facilitador.
Precisamos ter um trabalho de marketing eficiente”, afirma o presidente da Ampaq, que diz ter se encontrado com representantes de empresas da China e do Canadá para firmar parceria para envio de produtos de associados para os dois países.
Exemplo de profissionalismo, os quatro jovens amigos criadores da cachaça João Andante não se atêm somente à bebida. Eles têm um plano de negócios que inclui a confecção de camisas e acessórios relacionados à marca da cachaça e já pensam inclusive na expansão da linha de produtos. “Temos produtores com quase 100 anos de mercado e deficiência de logística”, analisa Gabriel Lana, que garante ter conseguido romper essa barreira em Minas e tem como próximo passo a expansão dos negócios para o restante do Sudeste.