Com falso caviar a base de sementes de quiabo, um ceviche de verduras ou a baunilha de uma orquídea selvagem que cresce na Amazônia, a alta gastronomia brasileira se redescobre e reinventa disposta a mostrar ao mundo toda a sua riqueza.
"O Brasil tem uma despensa gigantesca, que não é só do Brasil, mas de toda a América Latina, e as possibilidades que nos oferece são infinitas", explicou à AFP Alexa Atala, proprietário do restaurante D.O.M, em São Paulo, designado o quarto melhor do mundo pela influente revista Restaurant.
País convidado este ano do Madrid Fusión, um dos maiores encontros que todo mês de janeiro reúne grandes chefs dos quatro cantos do planeta, o Brasil tem muito o que mostrar ao mundo, mas também a si mesmo, disse Atala. "Temos muitas coisas que nem sequer conhecemos", admitiu, enquanto extrai o coração esponjoso de um coco com uma grande faca.
"É um ingrediente muito simples e ao mesmo tempo incomparável porque tem um sabor e uma textura muito especiais", explicou, enquanto se preparava para cozinhá-lo com rabanetes picantes, sal de algas e o óleo de uma baunilha muito especial.
Esta baunilha é extraída de uma orquídea que só cresce no centro do Brasil e é muito difícil de encontrar. Como outros ingredientes, ele a descobriu graças a um trabalho com antropólogos para aprender com os nativos a alimentação anterior à colonização portuguesa.
O jovem Felipe Rameh aprendeu com Atala, com quem trabalhou durante três anos, mas agora, no restaurante Trindade, de Belo Horizonte, defende uma cozinha mais rústica, menos sofisticada. "Nossa cozinha está aberta a novidades, mas respeitando a tradição, sem perder a essência, nem as raízes", explicou.
Sua paixão é reinventar pratos tradicionais, como o frango com quiabo, uma verdura que viajou da África para o Brasil com os primeiros escravos. Hidratada com caldo, sua semente se transforma em um falso caviar de sabor adstringente, que explode na boca. "É um efeito muito divertido", disse, orgulhoso da criação.
Seu sócio, Frederico Trindade, formado no D.O.M. e com o chef francês Claude Troisgros no Rio de Janeiro, também aposta em pratos autorais, mas sempre com elementos regionais.
Por isso cria os próprios porcos, de uma raça local, o "catitu", cuja carne defuma quase que instantaneamente - "dez segundos, nada mais", contou - com madeira de tonka antes de prepará-la com palmitos amargos e molho de doce de leite.
"A cozinha brasileira é muito criativa, mas ainda estamos nos primórdios, no embrião, resta muito trabalho a fazer", afirmou Trindade.
Outro jovem defensor de produtos locais, Pablo Oazen, do restaurante Assunta, de Juiz de Fora (Minas Gerais), trabalha há dois anos em "resgatar verduras que caíram em desuso", como a Maria-Gondó e a bertalha.
Buscando ir além da tradicional "verdura assustada" - ou seja, cozida rapidamente em fogo alto -, experimenta com técnicas modernas como a liquefação, embora também goste de prepará-las simplesmente cruas como um ceviche.
"Há tantos produtos novos por descobrir na América Latina que a vida de um cozinheiro não é suficiente", afirmou Atala. "Isso quer dizer que temos que ser muitos", emendou, satisfeito com a diversidade apresentada por seu país no Madrid Fusión.
"O Brasil passa por um momento muito importante, econômica e culturalmente, e isto se reflete no auge da nossa gastronomia", disse Oazen. Mas sua cozinha ainda é pouco conhecida, por isso "temos que sair e mostrar nosso trabalho", concluiu Trindade.
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