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ÍCONE DO SAMBA

COVID: morre, no Rio de Janeiro, o cantor e compositor Nelson Sargento

O cantor e compositor carioca Nelson Sargento morreu nesta quinta-feira (27/5), aos 96 anos, no Rio de Janeiro, por complicações da COVID-19. Ele estava internado desde 20 de maio no Instituto Nacional do Câncer (Inca), onde tratava de um câncer na próstata desde 2005.


Chegou ao hospital com desidratação e anorexia. Em 26 de fevereiro, o sambista recebeu a segunda dose da vacina em casa. Usando a camisa do Vasco da Gama, cantou os versos de sua canção mais famosa: “Samba/ Agoniza mas não morre/ Alguém sempre te socorre/ Antes do suspiro derradeiro”.

Nelson deixa a mulher, Evonete Belizario Mattos, e nove filhos, sendo seis biológicos e três adotivos. Além de tirar a vida do sambista, a COVID-19 impôs duros sacrifícios financeiros a ele, impedido de fazer shows.

Em junho do ano passado, o músico anunciou a venda seus ternos verde e rosa (inclusive o que usou quando a Mangueira venceu o carnaval, em 2016) e a coleção de 150 vinis.


Sensibilizada, a crítica de arte Gloria Ferreira organizou leilão de arte virtual em benefício dele, com obras de Abraham Palatnik, Cildo Meireles, Laura Lima e Carlos Vergara, entre outros artistas.

BALUARTE


Chamar Nelson Sargento de último baluarte do samba é pouco. Afinal de contas, o carioca Nelson Mattos foi compositor, cantor, artista plástico, ator, pesquisador, frasista e escritor. É dele um verdadeiro hino da música brasileira: “Agoniza mas não morre”. Várias vezes, ao responder à pergunta de jornalistas sobre o Brasil, respondia com o título desta canção.


Modesto, Nelson minimizava o apelido “Filósofo do Samba” que lhe deram devido à sua inteligência e às belas letras que criou. “Não é filosofia, é só entender um pouco da vida na medida do possível, pois ninguém sabe de tudo.


Quem sabe tudo é Deus”, afirmou ele ao jornal “O Estado de S. Paulo”, em 2009.~

Deus pode saber de tudo, mas a escola de Nelson foi das melhores: a cultura popular. Ao jornalista Francisco Quinteiro Pires, revelou um desejo: virar cientista para achar, trancado no laboratório, “os vírus da vergonha e da sinceridade para inocular os homens tão entregues ao desamor.” Vacina preciosa a do poeta, sobretudo nestes tempos de pandemia, negacionismo e mediocridade.

O baluarte da Mangueira – era presidente de honra da verde-rosa – estreou na Azul e Branco, antiga escola de samba do Salgueiro, morro carioca onde morava.


A mãe, a empregada doméstica Rosa Maria, separou-se do pai dele, o cozinheiro José de Matos, e se mudou para a comunidade da Mangueira. Lá, o pintor de paredes português Alfredo Lourenço, ex-fadista em Lisboa, levava o menino para ensaios da escola.

“Meu primeiro contato com o samba foi aos 10 anos, no Salgueiro. Naquele tempo, nada era proibido para criança. E eu saí na escola Azul e Branco tocando tamborim”, contou. Mais tarde, já no território da verde-rosa, teve aulas de violão com Cartola, Nelson Cavaquinho e o mineiro Geraldo Pereira.



Nelson compôs melodias para os versos de Alfredo Português, o companheiro da mãe. Dele herdou a primeira profissão: pintor de paredes. O músico também trabalhou numa fábrica de vidros e foi sargento do Exército nos anos 1940, o que lhe rendeu o apelido.

“Quando saí do Exército, só sabia fazer duas coisas: cantar samba e pintar parede. Então, me entreguei de corpo e alma a isso”, contou. Gostava de dizer que seus mestres foram Alfredo Português, Cartola, Nelson Cavaquinho, Geraldo Pereira, Aluízio Dias e Carlos Cachaça.



Compositor respeitado, o padrasto introduziu o talentoso enteado no universo da batucada. “Comecei em 1948 com o meu primeiro samba-enredo, 'Vale São Francisco', parceria com Alfredo Português. A Mangueira foi campeã”, comentou Nelson, orgulhoso. Em 1955, a dupla e Jamelão lançaram um ícone da avenida, da verde-rosa e da música brasileira: “As quatro estações do ano”. O refrão arrepia até hoje (“Oh! primavera adorada/ Inspiradora de amores/ Oh! Primavera idolatrada/ Sublime estação das flores”). Mangueira ficou em segundo lugar, perdeu para a Império Serrano.

Na década de 1960, Nelson Sargento se tornou conhecido nacionalmente.


Participou de A Voz do Morro, conjunto de samba que valorizava composições autorais de seus integrantes, que passaram a gravá-las – o que não era comum na época. Estava ali um escrete de bambas: além dele, Paulinho da Viola (então um jovem promissor, filho de César Faria, do Época de Ouro), Zé Kéti, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, José da Cruz e Anescarzinho.


Em 1965, o musical “Rosa de ouro” fez história. Nelson estava lá, ao lado de Clementina de Jesus, Aracy Cortes d'A Voz do Morro. Hermínio Bello de Carvalho criou o espetáculo que exaltava a cultura popular, assim como o antológico “Opinião”.

De acordo com pesquisadores, Nelson deixou cerca de 400 composições.


Só em 1979, aos 55 anos, gravou o primeiro disco solo, “Sonho de sambista”, depois de Beth Carvalho estourar com a sua “Agoniza mas não morre”. Adorado pelos japoneses, lançou “Encanto da paisagem” (1986), álbum produzido por Katsonoro Tanaka, e fez shows em Tóquio. Em 1990, gravou “Nelson Sargento – Inéditas”.

Ele não era um homem só do samba: no álbum “Versátil” (2008), gravou bolero (“Bálsamo”), valsa (“Rosa Maria, flor mulher) e foxtrote (“Primeiro de abril”), além de marcha-rancho (“Amar sem ser amado”) e, claro, samba-enredo (“O século do samba”) e samba-de-terreiro (“Só eu sei”).

Também lançou os discos “Só Cartola” (1998), com Elton Medeiros e o grupo Galo Preto, e “Flores em vida” (2003). Em 2016, aos 92 anos, brindou o Brasil com o álbum com suas principais composições – “Agoniza mas não morre”, “Triângulo amoroso”, “Falso amor sincero”, “O destino não é restaurador”, “Ciúme doentio” – ao lado do grupo Galo Preto e do cantor Pedro Miranda.

Defensor da cultura popular, Nelson reivindicou a criação da disciplina samba na universidade para ensinar música brasileira às novas gerações. “Todo mundo inventa um sobrenome para o samba.


Samba pop, samba reggae, sambanejo. Tô aí para conservar o samba que vem da época de (19) 20. Esse, batizaram de samba de raiz. É o que ouso fazer. No meu samba, tem um pouco de Alfredo, de Carlos Cachaça, de Ismael, de Cartola, Noel”, avisou em entrevista a O Globo, há quatro anos.