A poeta mineira Maria Lúcia Alvim morreu, aos 88 anos, na tarde desta quarta-feira (3/2), em Juiz de Fora, por complicações da COVID-19. Ela estava internada desde o dia 18 no hospital Albert Sabin, na cidade mineira. A morte foi confirmada por sua cuidadora, Luciana de Oliveira Dias, que há dois anos a acompanhava em uma residência para idosos.
Nascida em Araxá, Maria Lúcia viveu principalmente entre o Rio de Janeiro e a fazenda da família na Zona da Mata mineira. Desde 2011 residia em Juiz de Fora.
Irmã dos também poetas Maria Ângela Alvim e Chico Alvim, ela estreou em 1959 com o livro XX Sonetos, pelo qual recebeu o prêmio da Gazeta de Notícias, um dos principais da época.
Maria Lúcia publicou ainda os livros Coração incólume (1968), Pose (1968), Romanceiro de Dona Beja (1979) e A rosa malvada (1980). Lançou ainda Vivenda (1989), que reúne 30 anos de sua produção poética. A partir da decada de 1980, porém, a autora parou de publicar inéditos.
O hiato durou até o ano passado, quando sua obra foi redescoberta pelos poetas Guilherme Gontijo Flores e Ricardo Domeneck, que convenceram a autora a lançar um livro que permanecia guardado desde 1982.
Intitulado Batendo pasto, a obra deveria ser publicada somente após a morte de sua autora. ''Fiquei muito perplexa quando me descobriram, com a aparição do Ricardo. As pessoas achavam que eu já estava morta'', afirmou ela, em entrevista ao Estado de Minas.
Nos últimos anos, ela só saia de casa para ir ao médio ou, muito eventualmente, ao cabeleireiro. Aceitou ir ao Rio, a convite do poeta brasiliense radicado em Curitiba Guilherme Gontijo Flores, para um evento em sua homenagem, em março de 2020.
No evento, que contou com leituras de poema, havia amigos de Maria Lúcia, entre eles Paulo Henriques Britto, que contou a Domeneck da existência do manuscrito inédito.
''Conheci Maria Lúcia numa leitura de poemas dos anos 1980, quando isso virou moda nos restaurantes do Rio. Ficamos amigos. Depois, quando ela já estava morando em Minas, veio ao Rio e me disse que tinha um livro prontinho, me pedindo para escrever a apresentação. Veio com a história de que queria que fosse publicado logo que morresse. E ainda queria que os originais ficassem comigo. Eu disse que ficaria com a cópia, a duras penas a convenci a tirar o xerox'', contou Britto, também em entrevista ao Estado de Minas.
O livro, conforme o pedido da autora, permaneceu na gaveta de Britto, até ele contar a história a Domeneck. A edição, lançada pela editora belo-horizontina Relicário, está tal e qual Maria Lúcia a concebeu (só foram feitas atualizações ortográficas), inclusive com o texto de Britto, que também assina a orelha.
''Diz-se no interior do país, quando morre alguém que fez tanto, teve uma longa vida, que a pessoa 'cumpriu sua missão'. Faz parte do nosso vocabulário do consolo para o inconsolável, como o 'Não morreu, descansou', ou o eufemismo bebedourense, onde não se diz que alguém morreu, mas que 'desceu a rua Campos Salles', ao final da qual está o cemitério da cidade. Mas Maria Lúcia Alvim não merecia morrer dessa forma, lutando por oxigênio, brigando para respirar, isolada, sozinha. Maldito vírus, maldito governo incompetente'', escreveu Ricardo Domeneck, nas redes sociais.
Na mesma publicação, ele reproduziu um dos poemas que compõem Batendo pasto, intitulado Aquele que um dia fará o meu caixão. Confira abaixo:
AQUELE QUE UM DIA FARÁ O MEU CAIXÃO
Maria Lúcia Alvim
Aquele que um dia fará o meu caixão
de antemão tem as medidas:
menina-carapina
surrupiando
Viu crescer, prometer, viu sazonar.
Quando o roxo dos ipês configurou-se
no horizonte
aquele que fará o meu caixão
numa cestinha depôs amor
e morte
Lasca por lasca
fava por fava
fui pedindo, fui rasgando, fui doando
lóbulo mindinho
esses rajados de pele, esses crestados
o estalido da cabiúna
O galo alvorescente
dourou