Pesquisa mostra que ouvir música foi a principal atividade da pandemia

Assistir a filmes e séries vem em seguida no levantamento, que aponta papel da atividade na melhoria do relacionamento familiar e desgaste do formato de lives

Pedro Galvão 21/10/2020 04:00
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(foto: Divulgação)

As lives musicais fizeram sucesso durante uma parte da pandemia e arrebataram audiências de milhões de pessoas quando artistas famosos aderiram ao formato das transmissões ao vivo. No entanto, não foram o principal item do consumo cultural digital da população brasileira durante o período do isolamento social imposto pela chegada da epidemia do novo coronavírus ao país. 

Segundo pesquisa realizada pelo Itaú Cultural e o instituto Datafolha, 84% dos entrevistados revelaram que ouvir música na rede foi a principal atividade no período de suspensão dos eventos presenciais, enquanto 73% declaram assistir a filmes e séries. Shows, englobando os ao vivo e os gravados, apareceram em terceiro lugar, com 60% das respostas. 

O levantamento ouviu, por telefone, 1.521 indivíduos, de 16 a 65 anos, de todas as classes sociais, em todas as regiões do país, entre 5 e 14 de setembro passado. Na pergunta estimulada sobre que atividades culturais foram realizadas virtualmente, em casa, a leitura de livros digitais ainda foi mencionada por 38%, mesmo índice dos que mencionaram cursos livres como atividade realizada no período. 

Jogos eletrônicos foram apontados por 34%, seguidos por webinars (32%), atividades infantis (28%), podcasts (26%), espetáculos de teatro (21%) e visitas a museus e exposições (17%), sendo que 5% não responderam.

Embora as lives, mesmo com o apelo que chegaram a ter, sobretudo nas apresentações dos grandes artistas sertanejos, não tenham liderado, Paulo Alves, gerente de pesquisa de mercado do Datafolha, destaca que o número é bem significativo dentro da amostragem. 

REVERBERAÇÃO 

Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, ressalta ainda  “uma correlação entre aquilo que as pessoas consomem presencialmente e o quanto isso reverbera no mundo da internet”. Ele lembra que os dados são próximos de amostragens sobre as atividades preferidas do público fora da pandemia
Festival É Tudo Verdade/Divulgação
Cena de Desperado, documentário sobre o cineasta alemão Wim Wenders exibido on-line no encerramento do festival É Tudo Verdade, para público de mil pessoas (foto: Festival É Tudo Verdade/Divulgação)

“Interessante é que, quando vamos para o consumo presencial, o item mais citado é o cinema. Natural, a meu ver, que esse hábito do consumo presencial reverbere para o consumo na internet naquele eixo maior”, afirma Saron, que destaca também "a importância da atividade presencial para alavancar a on-line, mas a força da on-line para alavancar a presencial no futuro”, já que os novos resultados também mostram que o consumo digital “pode ter aguçado e motivado essa possibilidade de volta com maior interesse por parte de quem não acessou atividade cultural nos últimos 12 meses”, segundo ele.

Contudo, em relação à intenção de manter o consumo de cada atividade em formato virtual após o fim da pandemia, os shows são o segmento que apresenta maior queda, de sete pontos percentuais

Em relação a filmes e séries, por exemplo, a diferença foi de quatro pontos, lembrando que muitos títulos desse segmento só podem ser assistidos em casa, por não serem lançados no cinema, como é o caso das atrações originais da Netflix. 

A necessidade de equipamentos e conexão de qualidade para acessar atividades culturais digitais também escancara os abismos socioeconômicos do Brasil, mas está claro também que a difusão pela internet pode democratizar a cultura no país. 

“O que observamos foi que, ainda que o gap (de consumo entre as classes) não tenha sido apagado,  de alguma forma entendemos que houve, pela própria opinião das pessoas, uma democratização. Foi possível para pessoas das classes C e D ter acesso a atividades culturais a que elas não tinham antes e talvez isso tenha aberto os olhos para essas possibilidade de acesso”, comenta Paulo Alves, sobre o fato de 67% dos entrevistados concordarem que houve democratização do consumo cultural durante a pandemia para a população de baixa renda.

Além disso, 56% declararam ter crescido seu interesse no consumo de atividades culturais, sendo que o índice de interessados em continuar a consumir cultura no pós-pandemia praticamente é equivalente entre as classes.

SOLIDÃO 

Em linhas gerais, o trabalho mostrou que 71% da população brasileira acessou a internet todos os dias na pandemia, enquanto 7% não têm acesso à rede mundial de computadores. Outro dado interessante é que 90% acessam a internet pelo telefone e apenas 10% por computador. “Isso denota também essa necessidade de o país encarar um problema estrutural que não é só acessar a internet, mas o acesso à banda larga, para que o desejo de continuar fazendo essas atividades, que está evidente, possa ser acolhido”, observa Saron.

Além dos números e indicativos relacionados ao consumo da cultura no país, as estatísticas revelam também a importância do setor cultural para a saúde mental da população, sobretudo nesse momento tão delicado. Para 58% dos en- trevistados, o consumo de programação cultural na web melhorou o relacionamento com as outras pessoas da casa, sendo que para 54% ajudou a diminuir a sensação de solidão.

“O triste maior legado da pandemia no campo da saúde são as doenças de ordem mental. Com essas poucas perguntas, fica evidenciado o quanto a arte e a cultura devem cumprir um papel de acolhimento, de fazer pessoas se encontrarem com a  arte e, a partir disso, se conectarem consigo mesmas e reconhecer seu entorno, sua família. Ficamos muito satisfeitos sobre como a arte melhora essas relações neste momento tão crítico”, afirma Eduardo Saron. 

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