Artistas falam do desafio de enfrentar o palco com a plateia vazia

O músico Telo Borges diz que 'silêncio estarrecedor' exige 'adaptação mental'. Carlos Nunes se sente inseguro sem risadas. Saulo Laranjeira muda o timing de piadas. Hugo Zschaber viveu experiência 'bizarra'

Estado de Minas 12/09/2020 04:00
Frederico Gandra*
Alexandre Castro/divulgação
Telo Borges se emocionou durante live ao imaginarque "havia 10 teatros me assistindo" (foto: Alexandre Castro/divulgação)

Com o cancelamento da agenda de shows, peças e espetáculos imposto pela pandemia, teatros de Belo Horizonte abriram os respectivos palcos para lives, eventos transmitidos pela internet. Inédita, a experiência representa um desafio e tanto para os artistas. Músicos, atores, bailarinos e humoristas devem emocionar o público, mesmo tendo à frente um mar de cadeiras vazias.

A banda mineira Lamparina e A Primavera experimentou essa sensação no sábado passado, em live realizada no Sesc Palladium para a 15ª Mostra de Cinema de Ouro Preto. O cantor Hugo Zschaber conta que foi a experiência “mais bizarra” de sua carreira.

CÂMERA 


“Não ter a troca com o público faz muita falta, deixa você até meio perdido. É difícil o cérebro entender que está tocando para uma câmera e aquilo é transmitido para qualquer lugar do mundo”, comenta o cantor, de 24 anos.

Foi a primeira vez que o grupo se apresentou no Sesc Palladium. Os músicos se dizem honrados com o fato de a banda, destaque da cena independente mineira, ter sido convidada para gravar naquele palco. Hugo espera voltar, desta vez na companhia dos fãs.

“A gente chega num teatro do tamanho do Sesc Palladium, histórico para a cidade, e, logo em nossa primeira apresentação, não encontra ninguém. Tomara que a banda volte em outro dia para ter a sensação de tocar para o teatro cheio”, comenta.

ADAPTAÇÃO 


Durante a pandemia, Telo Borges se apresentou ao lado do irmão, Lô Borges, em lives nos palcos do teatro do Minas Tênis Clube e do Sesc Palladium. Acostumado a grandes públicos, o cantor e compositor, de 62 anos, teve que se adaptar ao novo contexto.

“Acabar de tocar uma música famosa e ouvir aquele silêncio estarrecedor é um negócio esquisito. Mas a partir do momento em que você cria uma adaptação até mental, a experiência se torna tão grande quanto seria com o público”, garante Telo.

Driblar a ausência da plateia exige muita concentração e imaginação. “Por trás daquela solidão existe um carinho e uma atenção desse público, às vezes até maiores do que seria presencialmente”, acredita o cantor e compositor mineiro.

Em agosto, a live de Lô e Telo ao lado de Flávio e Cláudio Venturini, no Minas Tênis Clube, foi assistida por cerca de 10 mil pessoas no momento da transmissão. Hoje, o show ultrapassa 53 mil visualizações no YouTube.

“Fechava os olhos e me emocionava de saber que eram 10 teatros lotados me assistindo. Ficava imaginando as pessoas em casa, curtindo aquele momento. Me emocionei como se estivesse com o público na minha frente”, conta Telo.
Glaucia Rodrigues/divulgação
Carlos Nunes diz que é "angustiante" ficar sozinho no palco durante live (foto: Glaucia Rodrigues/divulgação)


 O humorista Carlos Nunes abriu e encerrou projeto on-line do Cine Theatro Brasil Vallourec, realizado entre abril e julho. As duas transmissões dele alcançaram 75 mil visualizações no YouTube. O artista, de 59 anos, conta que jamais imaginou a possibilidade de se apresentar em um teatro completamente vazio. Sentiu muita falta das risadas.

“Não é fácil. No meio do espetáculo, os dois cinegrafistas saíram e fiquei completamente sozinho. Na minha insegurança, pensava assim: pronto, não deu certo”, revela. De acordo com ele, a plateia vazia interfere no trabalho do humorista, que necessita da reposta do público para conduzir seu trabalho.

“Sem aplausos e risos, não existe aquele parâmetro sobre o que as pessoas querem mais. É muito complicado. Se isso for o 'novo normal', eu, sinceramente, acabei minha carreira agora”, afirma.
 
Apesar da audiência virtual, Carlos Nunes considera “angustiante” a solidão durante as lives. “Não é possível que você esteja angustiado e fazendo rir. A gente fica sozinho, imaginando as pessoas do outro lado, mas a energia do público não chega pra você e esse riso faz muita falta.”
Belle de Melo/divulgação
A banda mineira Lamparina e A Primavera, em sua estreia no Sesc Palladium, cantou para cadeiras vazias (foto: Belle de Melo/divulgação)


Em 1º de julho, o ator e humorista Saulo Laranjeira foi a atração on-line no Cine Theatro Brasil,  apresentando o espetáculo A arte do humor. A larga experiência na televisão – ele é um dos destaques do programa A praça é nossa, no SBT/Alterosa – foi proveitosa para o mineiro, de 67 anos, contornar a solidão.

“Minha emoção ficou muito presente pela prática de lidar com as câmeras. Trouxe até um nervosismo surpreendente, porque sabia que estava atingindo muita gente”, ressalta Saulo. Ele teve de adaptar o timing das piadas, fator primordial no humor. E seguiu à risca o roteiro, pois sem público é impossível improvisar.

“O timing deve ser muito seguro e dinâmico. É preciso trabalhar o espaço que seria do riso, aquele tempo que seria da manifestação do público, o que não existe ali. Cria-se outra dinâmica”, explica.
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Saulo Laranjeira conta que a experiência na TV o ajudou a encarar o palco vazio (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press %u2013 15/2/18)


Angústia 

Saulo Laranjeira revela que para driblar a ausência da plateia, apegou-se à ideia de levar alegria durante a pandemia, emocionando pessoas que lidam com a angústia provocada pelo isolamento social.

“A gente sente que o público está muito carente de arte. É muito emocionante prestar esse serviço, sabendo vai fazer tão bem, que as pessoas vão ficar aliviadas, vão se divertir”, comenta.

O humorista e ator diz que há dificuldades, mas também compensações para o artista. “Isso deu energia para me sentir inteiro”, revela. Ele gostou da experiência e planeja sua primeira live musical, pois também é cantor e compositor. A data não está definida e ela poderá ser realizada num teatro vazio. “É o que temos”, conclui  Saulo Laranjeira.
Mary Lane Vaz/divulgação
(foto: Mary Lane Vaz/divulgação)

Teatro Santo Agostinho aposta na diversificação

Depois da inédita temporada de gravações on-line realizada entre julho e agosto, o Teatro Santo Agostinho, em Belo Horizonte, voltará a receber artistas mineiros, disponibilizando gratuitamente estrutura de palco, sonorização, iluminação e acesso à internet para vídeos e lives. Dez datas, entre 19 de setembro e 15 de novembro, serão cedidas para profissionais da música e das artes cênicas.

Vinte e três projetos foram inscritos no programa. As lives selecionadas serão divulgadas neste sábado (12), nos espaços do Teatro Santo Agostinho no Facebook e no Instagram.

O teatro disponibilizará um técnico responsável pela iluminação, além de cenário fixo. Filmagem e veiculação de vídeos ficarão sob a responsabilidade dos artistas, que deverão cumprir todas as normas de segurança sanitária para impedir a disseminação do novo coronavírus.

AJUDA

Thelmo Lins, administrador do teatro, diz que o projeto é uma forma de auxiliar os artistas, que ficaram sem trabalho durante a pandemia, e fazer o espaço funcionar.

“O pessoal enfrentou muita dificuldade para se apresentar, alguns até fazendo lives em condições muito precárias. Por isso oferecemos a estrutura do teatro, que tem som, cenário e iluminação de qualidade”, comenta.

De acordo com ele, a seleção buscou contemplar várias linguagens. “As propostas da segunda etapa foram até melhores do que as da primeira. Quero tentar abrir mais, inclusive. Isso é legal, pois foge um pouquinho dos shows musicais que formam a maioria das lives”, comenta.

Thelmo Lins informa que o Teatro Santo Agostinho não terá retorno financeiro com o projeto ligado à pandemia.

 Segundo ele, o objetivo é divulgar a instituição e “provocar” outras casas culturais a fazer o mesmo. “Teatro parado até estraga. É como se fosse uma corrente do bem”, afirma ele, que também é ator e cantor.   

*Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria

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