Único mineiro no elenco fixo do Cirque du Soleil, Gabriel Christo, de 32 anos, por enquanto não pretende voltar ao Brasil. Com a empresa canadense à beira da falência, o atleta deve permanecer, sem tempo determinado, em Hamburgo, na Alemanha.
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Gabriel e outros três brasileiros (dois do Rio Grande do Sul e um de São Paulo) integravam uma equipe majoritariamente europeia de 45 artistas e 100 técnicos.
Por telefone, ele conversou com o Estado de Minas e lamentou não fazer mais parte do circo em que trabalhou por 12 anos, tendo atuado em oito espetáculos apresentados em 15 países.
FAMÍLIA
“Era um lugar maravilhoso para trabalhar. O circo é a nossa segunda família”, diz. Os primeiros sinais de que a pandemia poderia representar uma ameaça existencial para o Cirque du Soleil surgiram com a paralisação de todos os espetáculos ao redor do mundo. Com o prolongamento da crise de saúde, vieram os rumores de que a empresa decretaria falência.“Todos sabíamos que era uma possibilidade muito grande. Ninguém quer ver o circo morrer, mas seria impossível realizar turnês com a evolução da pandemia e a situação dos Estados Unidos e do mundo piorando. As pessoas que tinham esperança em voltar ao show, em algum momento deste ano, sabem que isso não vai acontecer. O circo não tem mais obrigação com elas”, afirma.
O sentimento de tristeza do artista aumenta com a situação enfrentada por seus colegas em várias partes do mundo. “O encerramento das atividades foi feito de forma brusca. Chamaram os artistas e disseram que a partir daquele dia não haveria mais show. Não se despediram, não sabiam que o show do dia anterior foi o último da turnê. São amigos de muitos anos separados sem saber se voltarão a atuar juntos novamente.”
Na semana passada, o Cirque du Soleil entrou com pedido de proteção contra a falência na Justiça canadense. A companhia anunciou que demitiria aproximadamente 3.500 profissionais que estavam inativos desde março devido à paralisação dos espetáculos, mantendo uma equipe de apenas 213 pessoas. O pedido de resgate prevê o aporte de um valor correspondente a R$ 1,6 bilhão, sendo a maior parte na forma de um empréstimo pela província de Quebec. O circo acena com recontratação “de uma substancial maioria” dos artistas, caso consiga se reestruturar.
Gabriel Christo nasceu em Belo Horizonte. Quando criança, começou a fazer ginástica na Associação Cristã de Moços (ACM) e passou pelo Minas Tênis Clube antes de integrar a Seleção Brasileira de Trampolim.
Aos 19 anos, durante um torneio no Canadá, foi convidado a fazer parte do Cirque du Soleil. No ano seguinte, estreava no espetáculo Zaia. De lá pra cá, rodou o mundo. Mas veio apenas uma vez a Belo Horizonte com o elenco do circo, em 2013, na temporada de Corteo.
Gabriel mantém contato frequente com a família. No ano passado, aproveitando compromisso entre São Paulo e os Estados Unidos, passou três dias em Belo Horizonte. O próximo encontro com a mãe, Laís Christo Aleixo, estava marcado para fevereiro passado. A passagem já estava emitida, quando decidiram suspender os planos.
“Convenci minha mãe a não vir pelo risco de ela não conseguir retornar ao Brasil tão cedo. Não conseguimos reembolso ou cancelamento da passagem. A demanda era tão alta que foi impossível falar na companhia aérea”, conta.
TRANSIÇÃO
Gabriel sente pesar pela situação do Cirque du Soleil, mas, no final da temporada de Amaluna (2018) ele havia decidido seguir outro caminho. Estava pensando na transição quando veio o convite para Paramour, espetáculo em que havia atuado cinco anos antes, na Broadway, em Nova York.“Por estar com saudades e ainda sem saber exatamente o que fazer, aceitei a proposta.” Artista disciplinado, em pouco tempo de volta aos palcos se destacou na performance na Alemanha e logo assumiu o posto de capitão dos acrobatas. Tudo estava indo muito bem, até um acidente tirar Gabriel de cena.
Com diagnóstico de concussão, ele foi afastado duas semanas antes do início do isolamento. Ainda enfrentou uma meningite que, segundo os médicos, foi consequência da concussão. Àquela altura do campeonato, a Alemanha estava em quarentena e Gabriel ficou sem ninguém por perto no período de recuperação da doença.
“Foi uma fase muito difícil para mim. Todo mundo nas próprias casas, sem ninguém para me ajudar. No hospital, as enfermeiras não falavam inglês, mas a família sempre ligava. Os amigos brasileiros que tenho aqui foram incríveis. Devo muito a eles. Assim foi o início da minha pandemia. Foi uma fase muito difícil para mim, mas consegui vencer. Já estou 100%.”
Até setembro, ele recebe da empresa o salário com redução de 40%. “O salário diminuiu, mas temos dinheiro para pagar o aluguel, a comida. Não falta absolutamente nada.” Nos próximos meses, ele terá direito ao mesmo valor como seguro-desemprego pago pelo governo alemão. Descobriu que também tem direito a uma bolsa de estudo para fazer o curso de programação de computador.
Na situação do mundo atualmente, ele acredita estar no melhor lugar do planeta. “Para mim, não vale a pena sair daqui agora. Ainda mais com a situação nos Estados Unidos, para onde pretendia voltar, e no Brasil. Do jeito que estão, prefiro ficar aqui, onde vemos tudo funcionar, o povo respeitar as questões de combate ao coronavírus e o dinheiro que pagamos de imposto volta para a gente. No caso do seguro-desemprego, tenho direito por ter pago taxas altíssimas durante um ano e meio.”
ROTINA
Enquanto não começa o curso, Gabriel tem uma rotina flexível. Geralmente pela manhã faz exercícios físicos na estrutura montada para os atletas no teatro onde Paramour estava em cartaz. São permitidas duas duplas por vez.À tarde, o foco fica para as questões burocráticas para permanecer na Alemanha. “Eles são muito meticulosos com a documentação, que é toda em alemão. Demoramos três vezes mais do que se fossem documentos em inglês. É um processo difícil, mas estou me dedicando a isso, pois vale a pena.”
Segundo o acrobata, a vida segue normal na Alemanha, com a população seguindo as recomendações do uso de máscara em locais públicos e observância do distanciamento social de um metro e meio, no mínimo, mesmo em restaurantes.
Sobre o futuro do circo, ele avalia que “será a vez de oportunidades para companhias menores e novos artistas. Quando o circo voltar, haverá muitas coisas diferentes para serem exploradas”.
Ele supõe que a sobrevivência da arte circense se dará com “formatos menores, em menor escala, ao ar livre, com poucas pessoas em cena, sem um monte de equipamento e técnicos”.
LALIBERTÉ
Quanto ao Cirque du Soleil, ele afirma que, “mesmo em Las Vegas, onde o circo tem grande influência e espaços fixos, é difícil imaginar quando os shows vão recomeçar”. Gabriel avalia que a recuperação seria mais fácil caso o fundador da companhia, o canadense Guy Laliberté, retomasse as rédeas, com seu senso artístico impressionante e sua capacidade de saber o que é bom”.Há cinco anos, Laliberté vendeu a empresa que fundou em 1984. O controle passou a ser dividido entre um fundo privado norte-americano, TPG Capital, o fundo chinês Fosun e a público-privada Caixa de Seguros e Pensões de Quebec.
“Entrei no Cirque em sua época de ouro sob a direção de Guy, que tinha uma preocupação com a qualidade dos shows, a saúde dos artistas e os benefícios a que nós tínhamos direito”, afirma Gabriel.
“Com a venda da companhia para grupos chinês e americano, o Cirque virou business. Houve corte de orçamento, passou-se a economizar muito em viagens, figurinos, em tudo que deixava os artistas felizes. Seria uma bênção o Guy voltar.”
Gabriel acompanha a situação dos circos no Brasil e vê como muito importante o projeto Ajude um Circo Local, coordenado por sua amiga Romina Aurich. A ideia é simples. Basta doar alimentos e produtos de higiene pessoal a circos citados no site www.ajudeumcircolocal.com. De Minas Gerais, participam o Paris Circus, em Arame, distrito de Lagoa Dourada, e o Circo DNunes, em Caratinga. “Esses artistas não têm absolutamente nada.”