Desta vez, a transformação não parte da plataforma e sim, de uma exigência do público. Vidas perfeitas regadas à viagens, luxo, tutoriais de maquiagens, shows de humor e assistência em games já não são suficientes para satisfazer os consumidores. Crescentemente, a audiência aposta em acompanhar perfis mais reais, que causam identificação com o espectador, “ativistas digitais” e pessoas que se posicionam diante a determinadas situações.
“É muito cedo ainda para dizer que a gente está vivendo ou vai viver uma nova era da influência. O que a gente está vendo é que, agora, existe um olhar mais crítico das pessoas sobre os influenciadores e sobre marcas. As pessoas estão muito atentas a quem são os influenciadores que têm conteúdos úteis, verdadeiros e que trazem empatia e autenticidade”, conta Sabina Deweik, especialista em
tendências e consumo.
Junto ao olhar crítico chegam as demandas. “A cobrança por posicionamento vinha acontecendo, isso está muito ligado à geração Z, que é mais crítica, da verdade, da ética, do consumo consciente... Tem uma tendência que é o som aumentado, o ultra sound. Isso significa que, neste momento de pandemia, o tom de voz das pessoas, das marcas e dos líderes é muito importante e precisa ser mais empático. Então, quem não tem muito o que dizer ou quem estava pautado em um estilo de vida aspiracional, tende a decair”, completa Sabina.
Cancelamento
Um exemplo das cobranças: em abril, a musa fitness Gabriela Pugliesi fez uma festa em casa com amigos. Pelo Instagram, ela publicou várias fotos e vídeos em que aparecia visivelmente alterada. Horas depois, ela apagou as imagens. Após repercussão negativa na internet, a influenciadora pediu desculpas: “Estou extremamente arrependida. Sei que tem pessoas passando dificuldade (sic)”, postou. No entanto, o dano estava feito e Pugliesi foi “cancelada” pelos seguidores e pelas marcas parceiras. Além de perder milhares de seguidores, ela perdeu também mais de 10 contratos.
Essa política de cancelamento busca expor, julgar, punir pessoas públicas ou marcas que tiveram alguma atitude criminosa ou que fuja de um ideal politicamente correto. Na prática, isso resulta na perda de contratos e de seguidores. “Os efeitos são os mesmos de uma prática de humilhação pública que torna aquela pessoa o centro e alvo de um grupo enorme de pessoas, geralmente iradas e que pretendem cancelá-lo, rabiscá-lo da coisa pública. Podemos pensar no cancelamento como colocar uma cerca no entorno de alguém e excluí-lo do cotidiano”, pontua Leonardo Goldberg, psicólogo e doutor em psicologia, especializado em subjetividades no campo digital e as implicações para a clínica psicanalítica.
“No caso de pessoas que têm algum grau de flexibilidade para se reposicionar publicamente é sempre possível capitalizar em cima de algum cancelamento. O crivo do espetáculo digital é quantitativo, não qualitativo: é possível aproveitar quando uma enxurrada de gente odeia alguém. As páginas ganham mais interações e comentários, e isso, de acordo com o nicho da pessoa, pode contar muito mais do que o conteúdo de tais comentários”, acrescenta o psicólogo.
Ao que tudo indica, a política do cancelamento deve passar por mudanças. “Tenho a impressão de que já existe uma tendência geral dos usuários da internet de entender a ineficiência dos ataques massivos que caracterizam o cancelamento. Creio que o “cancelamento” se orientará para a eliminação das diferenças em bolhas muito homogêneas, o que, em longo prazo, acaba sendo muito nocivo para tais grupos”, diz Goldberg.
Pesquisa
A YOUPIX, consultoria de influência, e Box1824, empresa que estuda tendências de mercado, realizaram um levantamento chamado O Futuro da Influência. A pesquisa visa compreender a lógica contemporânea de influência e desenhar possíveis cenários para o mercado. O estudo apontou algumas tendências no mercado do marketing de influência, como por exemplo, a cobrança dos consumidores por mais coerência da marcas e dos influenciadores buscando conexões verdadeiras.
Os nanoinfluencers (entre mil e 10 mil seguidores) e microinfluencers (entre 10 mil e 100 mil seguidores) também são uma tendência para o mercado futuro. Eles sintetizam tudo que o consumidor gosta: transparência e do engajamento real. “Nesse momento a gente tem visto vários microinfluenciadores que hoje estão ganhando uma série de seguidores por conta desse conteúdo relevante. Que estão trazendo uma audiência porque o público está se identificando com esse conteúdo mais relevante”, afirma Sabina Deweik.
Cada vez mais, comunicadores digitais usam a internet para levantar discussões e bandeiras, que nem sempre estiveram em voga. Transformando causas em conteúdo, alguns digitais influencers se destacam, e além de discussões trazem a vivência e histórias de vida. É o caso de Tássio Reis (Herdeira da Beleza), Gabriela Prioli, Nathaly Dias (Blogueira de Baixa Renda), Nathália Rodrigues (Nath Finanças) e Maria Bopp (Blogueirinha de Fim do Mundo).
» Influencers da hora
Blogueira de Baixa Renda (blogueiradebaixarenda)
Com 138 mil seguidores no Instagram e 166 mil inscritos no canal do YouTube, Nathaly Dias se destaca no cenário com o Blogueira de Baixa Renda. A formanda em administração ficava inconformada com os feeds perfeitos que acompanhava nas redes sociais. “Eu pensava: ‘não é possível que essas pessoas não lavem louça ou não peguem ônibus para trabalhar’. Essa não é a realidade da população brasileira, então, por que a gente está mostrando esse recorte?”, indaga. Nathaly apostou em mostrar o dia a dia dela como moradora do Morro do Banco, no Rio de Janeiro, e como uma pessoa de baixa renda. “Meu trabalho na internet é ressignificar a influência. Tudo bem que a minha realidade vem se transformando por causa da internet. Mas meu conteúdo será sempre voltado para as pessoas baixa renda, pois esse é meu público”, assegura Nathaly.
Herdeira da Beleza (@herdeiradabeleza)
O jornalista e maquiador profissional Tássio Santos é responsável pela marca Herdeira da Beleza. Com 161 mil seguidores no Instagram e 414 mil inscritos no canal do YouTube, o Herdeira da Beleza foi além dos tutoriais de maquiagem e aborda temas como o racismo e a indústria cosmética. Tássio criou o quadro #OTomMaisEscuro, em que ele e uma modelo negra retinta testam o tom mais escuro das bases e dos corretivos, a fim de saber se o mercado está valorizando e produzindo maquiagens para consumidores negros.
Gabriela Prioli (@gabrielaprioli)
A apresentadora, advogada criminalista e mestre em direito penal Gabriela Prioli é nova na era dos influenciadores. No entanto, ela reúne mais de 1 milhão de seguidores no Instagram e 435 mil inscritos no YouTube. A influencer produz conteúdos sobre direito e política. “Faz parte do papel de todo cidadão se posicionar diante de assuntos relevantes, mas, nem sempre, nos sentimos confortáveis para opinar de forma veemente e pública sobre tudo. Temas complexos demandam reflexão. Muitas vezes, se posicionar sem estudar o assunto pode ser pior do que não falar nada”, pontua. Por trabalhar com temáticas que envolvem direito e política, Prioli busca tornar esses assuntos mais acessíveis para chegar a um número maior de pessoas e difundir a ideia de que não saber não é vergonha. “Há muito mais coisas no mundo sobre as quais eu não sei nada do que coisas sobre as quais eu sei. Perguntar é a chance de aprender. Política e direito são assuntos sobre os quais poucas pessoas têm domínio amplo e, no entanto, nos comportamos como se fossem obviedades. Não são. Agir ignorando essa realidade significa seguir excluindo do debate político parcela muito grande da população. Isso não é bom e nem está certo”, declara a advogada.
Nath Finanças (@nathfinanças)
A administradora Nathália Rodrigues atua nas redes sociais como Nath Finanças. Com 162 mil seguidores no Instagram, 344 mil seguidores no Twitter e 132 mil inscritos no canal do YouTube, ela reúne dicas e orientações de educação financeira para pessoas de baixa renda. As dificuldades financeiras enfrentadas pelo pai de Nath chamavam a atenção dela, que cursou administração. Hoje em dia, a youtuber leva todo o conteúdo que aprendeu para as redes sociais, a fim de incentivar os seguidores a se organizarem em relação ao dinheiro e às finanças.
Blogueirinha do Fim do Mundo (@mariabopp)
A atriz e cineasta Maria Bopp, nos últimos meses, criou uma personagem que ganhou notoriedade nas redes sociais. Com 334 mil seguidores, Maria dá voz à debochada Blogueirinha do Fim do Mundo. Com humor e uma língua afiada, a personagem faz críticas políticas por meio de tutoriais de maquiagens e dicas de moda. A provocação também é uma oposição aos digitais influencers convencionais. “A Blogueirinha do Fim do Mundo é uma provocação minha à muitas celebridades e blogueiros, homens e mulheres, que, diante de muitos absurdos que acontecem no país, não se posicionam. E, de fato, essa demanda por posicionamento está cada vez mais forte”, declara. “Eu acho esquisito isso (ser influenciadora), não foi a intenção da Blogueirinha do Fim do mundo, mas, se carrega uma responsabilidade, tenho que estar à altura disso”, completa.
*Estagiária sob supervisão de Igor Silveira