Novo secretário de Cultura de Minas fala sobre planos anticrise

Leônidas de Oliveira foi nomeado nesta quarta (13) para o cargo e diz que situação dos trabalhadores da cultura sem sustento, como os artistas de circo, tem lhe tirado o sono

Gustavo Werneck 14/05/2020 07:37
Jair Amaral/EM/D.A.Press
Leônidas de Oliveira em registro de 2016, quando comandava a Fundação Municipal de Cultura, que diz ter sido sua mais recompensadora experiência profissional até hoje (foto: Jair Amaral/EM/D.A.Press)

“A arte, assim como a medicina, salva. Salva a alma e, neste momento, precisamos todos dessa salvação.” Esse é o pensamento do novo secretário de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais, o mineiro de São Gotardo (Região do Alto Paranaíba) Leônidas de Oliveira. Nomeado oficialmente pelo governador Romeu Zema na quarta-feira (13), o arquiteto, urbanista e historiador vai cuidar do patrimônio, das artes e de projetos para alavancar o turismo nas regiões corroídas economicamente pela pandemia do novo coronavírus.

Para o novo titular da pasta, o maior desafio é chegar ao interior. “Somos um estado imenso e que ressente historicamente da fraca ação da Secretaria de Cultura no interior, sobretudo na questão dos incentivos. Vamos descentralizar recursos e ações. Sabemos todos que é preciso e assim faremos.”

Adiantando que o governo lançará em breve “uma grande rede de solidariedade e de políticas para o setor”, já que muitos artistas de circo, por exemplo, estão vivendo em situação precária, Leônidas acredita ser essencial buscar a sustentabilidade econômica das instituições que são pilares da cultura mineira. “Isso no sentido de sairmos da esfera estadual e buscar recursos complementares no governo.”

Na entrevista a seguir, o secretário fala sobre seus projetos, a necessidade de parcerias e comenta a recente entrevista da secretária Especial de Cultura, Regina Duarte.


O senhor trabalhou na Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, como presidente da Fundação Municipal de Cultura e da Belotur, e está vindo do governo federal, em cargos de direção na Funarte e na Embratur. Considera o novo posto, na gestão estadual, um desafio ou uma oportunidade para fazer o que precisa ser feito?
Os trabalhos anteriores foram um aprendizado imenso. Na Fundação Municipal de Cultura tive, até hoje, minha maior alegria de realização enquanto profissional da cultura. Junto com seu corpo técnico, com os conselhos, coletivos e a iniciativa privada de Belo Horizonte, tivemos bons e gratificantes resultados em políticas públicas. Embratur e Funarte me mostraram um mundo novo da gestão pública no âmbito federal. Conheci funcionários comprometidos e isso me fez entender ainda mais a importância do corpo técnico efetivo de uma instituição. É nossa segurança. Foi um aprendizado intenso da máquina da cultura em nível federal, extremamente diferente das minhas experiências anteriores. Uma escola complexa, dura às vezes, mas que me trouxe uma bagagem essencial para meu aperfeiçoamento profissional. Aprendi muito.

De que forma o senhor pretende conciliar cultura e turismo no momento em que as cidades mineiras amargam um prejuízo enorme com a falta de visitantes, devido à pandemia do novo coronavírus, e o setor cultural sofre com o permanente problema da falta de recursos?
É um acerto cultura e turismo juntos, sobretudo no que se refere à economia. São inúmeras conjunções, mas a maior delas reside no fato de que 70% do turismo mineiro é cultural, incluindo aí a gastronomia e os patrimônios históricos e ambiental. Então, juntar as duas potências num projeto de imagem de Minas para Minas, de Minas para o Brasil e o mundo é meta a ser cumprida. No entanto, chegamos hoje a um momento crítico para a duas áreas, quem sabe o maior dos últimos 100 anos. Isso desencadeou um processo danoso em que falta o básico para muitos de nossos guias turísticos, artistas, cultura popular, circo, profissionais da “graxa”, ou seja, aqueles que montam palcos e fazem a coisa girar, do músico do bar, dos casamentos, do artista de rua e até mesmo para grandes nomes da nossa arte, que, impossibilitados de trabalhar, não têm condições de se manter.

Para a cultura, mais que a falta de incentivos, falta estruturação da sustentabilidade econômica do setor e faltam solidariedade e amor aos nossos artistas de uma parte da nossa sociedade, pois soma-se a isso a campanha massiva de discriminação do artista, dos fazedores de cultura nos últimos anos. Isso me deixa profundamente preocupado e é algo que precisamos reverter, pois arte, assim como a medicina, salva. Salva a alma e, neste momento, precisamos todos dessa salvação para elevarmos nosso pensamento. Só um dado real do que digo: em Minas, temos hoje 65 circos com dezenas de famílias que não possuem nada além de seu fazer artístico e sua tenda. Muitos não possuem sequer documentos. Nesse caso, a situação é de fome, e faltam recursos para pagar água e luz. Isso tem nos tirado o sono. Precisamos agir e essa está sendo nossa primeira grande missão na secretaria. Estamos criando uma grande rede de solidariedade e de políticas para o setor. Tudo isso num projeto que o governo lançará em breve.

Sob o guarda-chuva da Secretaria de Cultura e Turismo estão muitas instituições importantes, como o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), a Fundação Clóvis Salgado, a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, a Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop), teatros, museus, etc. De que forma pretende garantir essa máquina cultural em funcionamento e com produção de qualidade?
O primeiro a ser feito é buscar a sustentabilidade econômica dessas instituições, que são pilares da cultura mineira. Isso no sentido de sairmos da esfera estadual e buscar recursos complementares no governo federal, sobretudo aproveitando o oportuno momento de termos um ministro mineiro, Marcelo Álvaro Antônio, sempre sensível e acessível. É preciso buscar parceiros privados. É preciso analisar a renda que cada instituição gera, é preciso usar o experiente e idealista funcionalismo público da cultura e seus equipamentos para centrar esforços na criatividade, na solidariedade e no governo, agir de forma transversal, compreendendo a cultura como indutor da economia criativa e sua representação no PIB do estado.

E, claro, o turismo cultural promovendo esse sistema num grande projeto de pertencimento à nossa terra, de amor à nossa cultura. Minas tem todos os ingredientes para ser o estado em que o turismo cultural, do carnaval ao nosso insuperável patrimônio histórico, passando pelas nossas águas e gastronomia, seja exemplo da união dessas duas indústrias complementares – a cultura e o turismo. Está tudo aí, o que temos que fazer agora é planejar com nossos conselhos, coletivos, fóruns, depois abrir nossos lugares com segurança para o turista e promover as duas áreas. Tudo passa e vamos sair melhores e mais fortes após a pandemia. Tenho profunda confiança nisso.

Como a secretaria pretende dar continuidade aos programas de fomento e incentivo à cultura (Lei Estadual de Cultura, Fundo Estadual de Cultura, prêmios, editais, etc.) em meio à grave crise financeira que vivemos?
O governo de Minas compreende a cultura como potência sensorial e econômica. Esse é o tom da conversa leve, equilibrada e sensata que estamos tendo. Nada me anima mais que isso neste novo momento pessoal. O governo já descontingenciou o Fundo Estadual de Cultura, nosso adjunto Bernardo (Bernardo Silviano Brandão) é uma máquina de articulação e estamos todos trabalhando em mutirão para lançar em breve o edital emergencial. Estou com ele em mãos, no entanto, Bernardo e eu solicitamos uma simplificação ao máximo, para dar amplo acesso, sobretudo a quem precisa. Todos concordamos nisso.

A Funarte faz isso de forma magistral, como sabemos, portanto é um bom exemplo a seguir. A secretaria não só pretende dar continuidade aos programas e projetos existentes, em especial os pactuados com o governo, como soterrar a iluminação pública das cidades históricas. É preciso aperfeiçoar mais a participação da sociedade nas discussões e as parcerias público-privadas. No entanto, é preciso formar os agentes culturais para a autossustentabilidade, sobretudo os consolidados e que possuem mercado no campo da arte. É preciso chegar ao interior, eis nosso maior desafio. Somos um estado imenso e que ressente historicamente da fraca ação da Secretaria de Cultura no interior, sobretudo na questão dos incentivos. Vamos descentralizar recursos e ações. Sabemos todos que é preciso, e assim faremos.

O senhor fala muito na importância das paisagens culturais de Minas. O que isso significa na prática e qual a melhor forma de valorizá-las?
Nosso imaginário cultural ou ideia coletiva de pertencimento à nossa terra em grande parte reside na memória. E essa memória ou entendimento de mineiridade está intimamente relacionada com a paisagem cultural, que, por sua vez, é um conjunto de sensações. É a amplidão do cerrado e sua mesa farta e nosso sotaque tropeiro... São as montanhas e serras do Sul, com suas águas e luz sublimes... É sua gastronomia assombrosamente refinada... É o Vale do Jequitinhonha e sua enlouquecedora arte que nos toca as fibras do coração... É o Barroco das cidades históricas... É rio, é mar, é bar, é fogão a lenha... É imensidão de paz... É Pampulha patrimônio paisagem cultural da humanidade.

Minas são muitas, como diz Guimarães Rosa, mas precisamos extrair sínteses para promover o estado como destino turístico, e nisso nossa paisagem cultural tem papel fundante. Se nos perguntarmos por que vir a Minas, certamente um dos aspectos citados aflora na mente e se torna objeto de desejo. Só vendemos no turismo o desejo de conhecer, e Minas é desejável, pois tem o que ninguém no país tem. Reside aqui cerca de 60% do patrimônio cultural do Brasil. Minas é histórica, sim. Nossas cidades históricas possuem valores incalculáveis na história da humanidade, sim. A inovação é instrumento, e não fim em si mesma. No entanto, no conceito de paisagem cultural cabem todos. Todos estamos inseridos nessa paisagem que chamamos de Minas Gerais.

Minas tem um dos patrimônios culturais (igrejas, capelas, mosteiros, etc.) mais ricos do Brasil, e muitos monumentos estão degradados. O senhor já teria um plano, juntamente com o Iepha, para recuperar esses bens?
Além de termos aqui o maior conjunto barroco das Américas, nossas cidades possuem uma formação muito peculiar, a igreja e o adro como elementos fundantes da nossa história urbana. Portanto, a importância do nosso patrimônio histórico vai além. Ela é parte essencial da nossa compreensão de quem somos, de onde viemos. É preciso fincar pé no futuro, sabemos, mas nossa história é e deve ser preservada. Temos vários planos, mas quero destacar dois: o cuidado com a parte elétrica desses bens – e o Iepha já vem trabalhando nisso –, e o soterramento da fiação que interfere na visibilidade dos bens. São projetos que devemos estender.

Por outro lado, é preciso unir o patrimônio imaterial de forma dinâmica com a economia da cultura e do turismo. Isso significa promover o patrimônio para atrair turistas e fortalecer a cadeia produtiva do queijo, do café, da cachaça, do pão de queijo, dos doces, ou seja, da manufatura, e potencializar a venda no estado e para fora, fortalecendo a cadeia e gerando emprego e renda. Iepha, Empresa Mineira de Comunicação, cadeia da produção da gastronomia precisam andar juntos. Vamos investir nisso, bem como vamos assiduamente buscar recursos e parcerias para continuar cuidando da nossa arquitetura histórica, repito, singular, tanto é que somos o estado com maior número de bens reconhecidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como patrimônios mundiais.

Nos seus encontros, na semana passada, com o governador Romeu Zema e o vice-governador Paulo Brant, que é um homem muito ligado à cultura, o senhor apresentou, de imediato, projetos que já podem deslanchar?
Paulo Brant é um homem singular. A cultura mineira deve muito a ele e à sua família. É sempre uma delícia discutir cultura e turismo com ele. Apresentei em linhas gerais a ele e ao governador Romeu Zema a ideia da proposta, em especial a transversalidade das cadeias produtivas da cultura com a economia criativa e o turismo, que alinhava tudo para o crescimento econômico do estado. O governador Romeu Zema está muito preocupado com a cultura e o turismo. Ele me disse, de forma clara e objetiva, que entende os dois setores como os mais afetados pela crise da COVID-19. Deu ideias interessantes para o marketing turístico, que já começamos a operar. Interessante a conversa com os dois. São profissionais complementares e a equipe de governo é ótima. Vejo uma equipe coesa, disposta e pé no chão. É tudo de que Minas precisa neste momento. Isso me tranquiliza e aumenta minha responsabilidade.

O senhor viu a recente entrevista da secretária nacional de Cultura, Regina Duarte? Acha que as declarações sinalizam um retrocesso na cultura?
Ainda não entendi bem essa conturbada entrevista no contexto de tudo o que vivemos e é preciso ser feito pela cultura hoje no país. Quero e proponho isso para os meus pares – falar em gestão de resultados e deixar de lado as ideologias. Um pacto pela ação e não pela falação, como diz nosso governador Romeu Zema. E arte é também técnica. Cuidar da cultura é restaurar nosso patrimônio. Cultura é criatividade em sua essência, tão fundamental para a economia brasileira neste momento.

Cultura é formação, então precisamos cuidar da Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop) e do Centro de Formação Artística e Tecnológica (Cefart) da Fundação Clóvis Salgado. Na verdade – e isso me tranquiliza – a cultura é tão forte e profunda que vive com ou sem o estado, porém, é função do governo criar condições, junto à sociedade, de termos um ambiente livre, renovado, onde reine a cultura da paz e, com ela, o pleno desenvolvimento da pessoa humana em todas as suas dimensões sensoriais. E, claro, gerem bem- estar social, como produção de emprego e renda. Então, vamos juntos por uma cultura da paz, que ganhamos todos, seremos mais felizes e precisamos!

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