Está prevista para esta semana a nomeação de Leônidas Oliveira como novo secretário de Cultura e Turismo de Minas Gerais. A pasta estava sem titular desde a exoneração, a pedido, de Marcelo Matte, ocorrida em março passado, no início do período de isolamento social.
Quando do anúncio do novo nome para a pasta, no fim da semana passada, o governo do estado afirmou que a conversa entre Oliveira (que já presidiu a Fundação Municipal de Cultura), o governador Romeu Zema (Novo) e seu vice, Paulo Brant, foi em torno de “medidas imediatas e possíveis” em favor de artistas e profissionais do setor que estejam em dificuldades, em decorrência da pandemia do novo coronavírus.
A reportagem do Estado de Minas ouviu profissionais de diferentes áreas da cultura para tentar responder à seguinte pergunta: 'em um estado com graves dificuldades financeiras, inclusive para pagar o funcionalismo, o que o poder público pode fazer em favor da cultura e do turismo?'.
Produtor cultural e fundador da Cria Cultura, com eventos principalmente na área da música, Maurílio “Kuru” Lima acredita que o primeiro entendimento que tem que haver é que “financiar cultura e turismo é investimento, não gasto”, ainda mais porque o setor é um dos que mais empregam no estado.
“Em segundo lugar, tem que haver um estabelecimento de diálogo para que as ações sejam tomadas em conjunto com representantes do setor”, afirma. Kuru Lima diz que a área da cultura está “completamente desprotegida” neste período.
“Poderemos perder de 30% a 40% dos bares e restaurantes, metade das produtoras. O que é que traz mais prejuízo? É investir no setor por uma visão política ou é deixá-lo se esfacelar, que é o que já está acontecendo?” Para ele, boas medidas emergenciais neste sentido seriam condições de financiamento e crédito subsidiados.
Respondendo pela pasta até que Leônidas Oliveira seja nomeado e empossado, o secretário-adjunto Bernardo Silviano Brandão conseguiu, em seus últimos momentos à frente da Secult, uma boa notícia.
VERBA LIBERADA
Os R$ 11 milhões destinados ao Fundo Estadual de Cultura que haviam sido contingenciados pelo governo estadual no plano para reduzir gastos durante a pandemia de coronavírus foram descontingenciados. Ou seja: voltaram para a Cultura.
Dois meses após iniciado o período de isolamento social, a Secult ainda não apresentou nenhum edital para fomentar o setor. Agora, com a verba liberada, um edital está pronto para ser lançado, segundo sua assessoria. Mas virá com bastante atraso.
Fundadora da Rubim, que realiza o projeto Teatro em Movimento, entre outras iniciativas na área de artes cênicas, Tatyana Rubim comenta que os editais têm que ter a amplitude que o universo da cultura demanda. “O setor abrange tanto o artista independente, o regional, aqueles que trabalham em restaurante, como também o pequeno e o médio empresário.”
Na opinião de Tatyana, nem o governo federal nem o estadual atentaram para o fato de que o setor tem empresários. E que, se as empresas não receberem algum tipo de injeção, “irão acabar, provocando mais desemprego”.
Na avaliação dela, não há, no meio governamental, seja nos âmbitos da federação ou do estado, “uma percepção clara de que uma das formas de se tentar recuperar a economia é através dos setores criativos”.
Tatyana chama de “pensamento arcaico” aquele que não considera o setor criativo “como um forte segmento de recuperação econômica”. Ela alerta que “não se pode demorar com isso, o timing está bem atrasado. Não houve, até agora, um posicionamento claro do governo dentro do contexto da pandemia”.
O mercado de produção cultural foi o primeiro a fechar as portas diante da pandemia e será o último a reabri-las, argumentam os profissionais do setor, para ressaltar a gravidade da situação.
Para o diretor teatral Pedro Paulo Cava, também proprietário do Teatro da Cidade, é urgente que os mecanismo fiscais sejam revistos, principalmente a Lei Estadual de Incentivo à Cultura. “Quem entrar no cargo não vai poder fazer nada. Zema é totalmente despreparado culturalmente, não entende de arte, então não fará nada pelos artistas. Nesse ponto, tenho mais confiança no vice, o Paulo Brant.”
URGENTE
Diretor-presidente do Instituto Inhotim, Antônio Grassi demanda uma “reação urgente e consistente” para a área. “Em âmbito estadual, uma boa iniciativa seria estender o prazo de realização de projetos incentivados via Lei Estadual de Incentivo (via ICMS), para que as instituições que dependem dessas verbas possam se adequar”, diz ele, citando que o setor cultural no país responde por 4% e o turístico 8,1% do Produto Interno Bruto (PIB) – os setores, segundo o IBGE, empregam 5 milhões e 6,6 milhões de pessoas, respectivamente.
“Um bom começo seria seguir a linha que países europeus adotaram, como ajuda financeira a instituições independentes e artistas freelancers, pequenas empresas, linhas de financiamento e subsídio à indústria cinematográfica. E também auxílio e subvenção a equipamentos culturais que representam uma grande força motriz em seu ecossistema local, como é o caso do próprio Inhotim, que representa em nível local e estadual um montante representativo no giro da economia”, diz Grassi.
Ex-secretário de Estado de Cultura (nos governos Itamar Franco e Fernando Pimentel), Angelo Oswaldo comenta que a queda de arrecadação e o endividamento do estado foram uma constante durante o seu último mandato (2015 a 2018).
“A Cultura sempre lutou por recursos e houve dificuldades. No entanto, sempre houve uma articulação de um programa baseado na resistência e no avanço. Conseguimos deixar um legado, que não foi levado adiante. Caíram num ‘muro das lamentações’ e houve um retrocesso. É importante que possa haver uma retomada, tem que haver uma grande articulação.”
Para Daniel Queiroz, da Embaúba Filmes, distribuidora especializada no cinema brasileiro, a hora é de o governo tratar a cultura “como uma área essencial, como a saúde e a educação.”
A revisão dos meios de incentivos fiscais é premente, na opinião dele. “Tem que haver um incentivo maior para o Fundo Estadual de Cultura. Sempre fui um defensor dele e dos editais, mais do que do mecanismo de renúncia fiscal (a Lei de Incentivo à Cultura), já que a maior parte dos recursos sempre vai para ela.”
Um dos fundadores da Família de Rua, coletivo voltado para projetos de cultura urbana, entre eles o tradicional Duelo de MCs, Pedro Valentim afirma que o cenário está muito nebuloso. “Está muito difícil entender o novo cenário, tanto que acho que a produção cultural provavelmente será a última área a ser retomada.”
Diante disso, ele diz, é indispensável priorizar a cultura “em uma administração para a qual sabemos que cultura não é prioridade”.
“Temos que pensar no que vai ser possível fazer neste momento. Há uma série de projetos aprovados na Lei Estadual que estão tentando ser repensados para o universo on-line. Mas isso não é possível para todo mundo. É um desafio para que as pessoas não morram de fome, já que não poderemos ir para a rua.”
Fundadora do grupo de dança Primeiro Ato, a coreógrafa Suely Machado acredita que o poder público tem que fazer uma consulta ao meio artístico para que as demandas sejam ouvidas. “Vivemos em um setor que nunca é priorizado e sempre conseguimos encontrar alternativas de sobrevivência.”
Para Suely, a cultura como um todo, mas a dança sobretudo, tem que estar na “linha de frente”. “Dança é trabalho corporal, em que você cuida da mente e do corpo.” Na linha da ação, Suely acredita que este é um bom momento para que o estado vá atrás da iniciativa privada “para tentar encontrar uma alternativa que possa beneficiar todos.”