Brasil perde o talento do mineiro Nirlando Beirão

Jornalista e escritor, de 71 anos, lutava desde 2016 contra a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Ano passado, ele lançou o livro de memórias 'Meus começos e meu fim'

Humberto Martins 02/05/2020 06:00
Marcos Vilas Boas/Divulgação
No livro Meus começos e meu fim, lançado em 2019, Nirlando Beirão falou de sua relação com a ELA (foto: Marcos Vilas Boas/Divulgação)


Na quinta-feira (30), o Brasil perdeu um de seus jornalistas mais talentosos: o belo-horizontino Nirlando Beirão, de 71 anos, que lutava contra a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) desde 2016. Casado com a dramaturga Marta Góes, ele deixa a filha, Júlia Beirão, e os enteados Antônio Prata e Maria Prata.
 
“As palavras foram me sumindo da fala. Ironia para quem vive delas há mais de cinco décadas. Ainda me comunico por escrito, menos mal”, contou o jornalista e escritor ao Estado de Minas, em maio do ano passado, referindo-se à doença. Ele estava lançando Meus começos e meu fim (Companhia das Letras), livro em que fala da doença, de sua própria vida e das origens mineiras.
 
De acordo com Nirlando, a ELA lhe ensinou a perder o medo. “Pode parecer arrogante, mas é isso mesmo. Mais importante ainda: estou aprendendo a receber o carinho que nem sei se mereço. O que mais desejo atualmente é aproveitar o dia a dia da melhor forma possível. Passou, espero, aquela fase punitiva do ‘o que eu devia ter feito e não fiz’”, afirmou Nirlando à repórter Ana Clara Brant.
 
Formado em ciências sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Nirlando iniciou a carreira jornalística em 1967, aos 19 anos, no jornal carioca Última Hora. Repórter, redator, correspondente e colunista, trabalhou em vários veículos – entre eles, O Estado de São Paulo, Veja, IstoÉ, Carta Capital, O Tempo, Playboy, Record News, Jornal da Tarde, Forbes Brasil e Caras.

"Degenerativa é uma palavra que tira você para dançar - uma dança do medo. Essa palavra me pinçou a alma quando o médico a pronunciou. Me tirou o chão"

Nirlando Beirão, jornalista



Futebol


Torcedor do Atlético durante a infância, Nirlando se tornou corintiano. Em parceria com o publicitário Washington Olivetto, escreveu o livro Corinthians: É preto no branco (Ediouro, 2005). Ghost writer, ajudou a modelo e apresentadora Adriane Galisteu a lançar Caminho das borboletas: Meus 405 dias ao lado de Ayrton Sena (Caras, 1994).
 
Nirlando escreveu também a biografia do arquiteto carioca Claudio Bernardes e Original: A história de um bar, livro sobre redutos da boemia paulistana.
 
O jornalista era filho do empresário mineiro Nirlando Beirão e de Leda Lacerda Beirão. Tinha cinco irmãos – entre eles, a também jornalista Nereide e Paulo Sérgio, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

"As palavras foram me sumindo da fala. Ironia para quem vive delas há mais de cinco décadas. Ainda me comunico por escrito, menos mal"

Nirlando Beirão, jornalista


 

Delicadeza


Amigos lamentaram a morte de Nirlando, ressaltando o seu talento. “Gostaria de escrever que alguém como ele não tem fim, mas a tristeza, ao perdê-lo, aos 71 anos, impede. E sou capaz de ouvi-lo dizer com delicadeza: ‘Pare por aqui, está ficando piegas’. Uma desgraça...”, despediu-se o jornalista Juca Kfoury em seu blog. “Pense em alguém bonito, charmoso, de texto magistral, encantador. Pensou? Pois então você pensou em Nirlando Beirão”, afirmou Juca.
Diretor de redação da TV Bandeirantes, Fernando Mitre ressaltou o “texto excepcional, o profissional completo, referência para os colegas”. Colunista de O Globo, Joaquim Ferreira dos Santos afirmou: “Nirlando Beirão escrevia o fino do fino.”
 
O produtor cultural Afonso Borges, que comanda o projeto literário Sempre um Papo, destacou: “Este mineiro de Belo Horizonte, da melhor cepa do jornalismo, era o que a gente podia chamar de guru”.

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