O fenômeno começou a se difundir na China e não demorou a se espalhar pelo planeta, alcançando tanto celebridades quanto pessoas anônimas. Paralelamente à grave pandemia do novo coronavírus, que também se alastrou velozmente, a rede social Tik Tok é a grande tendência do momento na área de interação digital. Impulsionado inclusive pelo grande número de pessoas em regime de isolamento, o aplicativo bate recordes de downloads, projeta artistas para o estrelato e coleciona polêmicas por conta de práticas perigosas propagandeadas entre os usuários.
Embora ainda não tenha número absoluto de adeptos maior do que o do WhatsApp ou do Facebook, a escalada quantitativa do Tik Tok é notável. Em 2019, foi o segundo aplicativo mais baixado do mundo, com 738 milhões de downloads, segundo a consultoria especializada Sensor Tower. Apenas o WhatsApp o superou. Em 2020, enquanto a pandemia se espalha, a rede social dedicada a vídeos curtos alcançou a liderança do ranking. No Brasil, onde ainda não é tão popular quanto na China e nos Estados Unidos, já são mais de oito milhões de usuários.
O que torna o Tik Tok tão especial em meio ao vasto cardápio de redes sociais? Assim como no Twitter, Instagram e Facebook, qualquer pessoa pode se cadastrar gratuitamente, seguir, ser seguida, curtir e compartilhar conteúdos. A diferença é o foco: vídeos de menos de um minuto de duração. Ainda que outros aplicativos tenham função parecida, o Tik Tok permite efeitos como dublar uma canção de fundo, entre outros recursos de edição, tornando-o particularmente interessante para a produção de conteúdos ligados à música e à dança. Aliás, chamava-se Musical.ly antes de ser comprado pela empresa ByteDance, sediada na China, em 2017.
A interação entre usuários é impulsionada por “desafios” criados e compartilhados por eles. Isso inclui executar determinada coreografia para músicas famosas, criar videoclipes ou até inventar uma canção. No intuito de realizar tudo isso da maneira mais criativa possível, conteúdos viram correntes e viralizam mundialmente, inclusive entre famosos, além de promover anônimos ao estrelato.
A indústria fonográfica já colheu frutos preciosos do fenômeno. Dono de um dos principais hits de 2019, Lil Nas X foi projetado ao sucesso graças ao Tik Tok. Foi lá que surgiu a música Old town road, que, em 2019, bateu recorde de permanência na primeira posição da parada de sucessos Billboard Hot 100, a mais importante dos EUA. Até então, Lil era apenas mais um jovem de 19 anos entusiasta das possibilidades oferecidas pela plataforma.
ELETRÔNICA
Em 2018, ele criou Old town road a partir de uma base eletrônica comprada na internet, que juntou à sua letra e ao clipe produzido com imagens do game de faroeste Red Dead Redemption II, divulgando a novidade em sua conta no Tik Tok.
Graças a um desafio de coreografias de música country, a canção, que mistura esse ritmo com rap, caiu nas graças dos internautas e se espalhou. Logo chamou a atenção da Columbia Records, que lançou a versão mais conhecida, gravada por Lil em parceria com o astro country Billy Ray Cyrus.
A rede social criou outras celebridades especializadas nesse nicho. As norte-americanas Loren Gray, de 17, e Charli D'Amelio, de 15, são donas dos perfis mais seguidos, batendo 30 milhões de fãs cada, além de contratos publicitários poderosos firmados recentemente. A “carreira” das duas passa pela criação de desafios, coreografias e trechos de canções capazes de arrebatar a atenção da audiência, majoritariamente jovem como elas.
Estima-se que 41% dos usuários do app têm menos de 24 anos. Ainda assim, a crescente repercussão do que é produzido ali vem atraindo gente com trajetória consagrada em outros ambientes da cultura pop. Billie Eilish, Camila Cabello e Jonas Brothers são alguns exemplos de ídolos do pop adolescente que usam o aplicativo para interagir, na “linguagem Tik Tok”, com os fãs. Os brasileiros Anitta, Whindersson Nunes e Maísa também estão por lá, publicando vídeos curtos. Até Renato Aragão, que foge à faixa etária do aplicativo, aderiu.
‘Desafio’ mata e contamina
Como ocorre nas outras redes sociais, o Tik Tok tem o seu lado perigoso. Ao longo de anos de expansão, episódios problemáticos ligados ao aplicativo foram registrados. Alguns, devido à falta de controle sobre o conteúdo viral. Um exemplo é o “desafio da rasteira”, febre em 2019 e 2020. Dois participantes derrubavam um terceiro, enquanto este saltava. No Rio Grande do Norte, uma estudante de 16 anos morreu depois de bater a cabeça no chão.
Nos últimos dias, em meio ao alerta global causado pela COVID-19, outro caso causou indignação. Um jovem norte-americano de 21 anos, popularmente conhecido na rede como Larz, anunciou, via Twitter, que testou positivo para a doença depois de participar do “desafio do coronavírus”, que propõe aos envolvidos lamber vasos sanitários em lugares públicos, como foi o caso dele.
O governo dos Estados Unidos acusa o aplicativo chinês de vazar dados dos usuários e até de espionagem. A polêmica motivou audiências no Senado, além da solicitação da proibição da sua instalação em equipamentos ligados ao poder dos EUA.
Se falta controle sobre publicações perigosas para jovens usuários, há também o caso da afegã Feroza Aziz, de 17 anos, que teria sido excluída do Tik Tok, em 2019, por dizer em um vídeo que o governo chinês mantém muçulmanos presos em campos de concentração, além de convidar espectadores a pesquisar o assunto.
O caso teve repercussão global. Um representante da empresa disse ao The New York Times que Feroza, residente nos Estados Unidos, foi excluída devido a uma postagem que trazia a imagem de Osama Bin Laden, o que viola a política do Tik Tok relativa ao terrorismo.
PANDEMIA
Entre a popularidade e a desconfiança, a empresa tenta parecer atraente e responsável diante do avanço do coronavírus. A quarentena tem ampliado o número de pessoas conectadas e ativas na rede social. Além de doar US$ 10 milhões para financiar tratamentos e pesquisas contra a doença, o aplicativo promove, em sua página inicial, conteúdos da Organização Mundial de Saúde (OMS) com mensagens direcionadas especialmente ao público jovem.
O desafio “safehands” (mãos seguras) foi lançado, convidando artistas e usuários a compartilhar vídeos com dicas, como lavar as mãos, para evitar o contágio.