Na última segunda-feira (2), o cantor e compositor mineiro Gustavo Amaral, o Gustavito, de 32 anos, colocou o ponto final no capítulo de uma história que chacoalhou sua vida e mudou o curso de sua carreira. Nesse dia, foi encerrada a disputa judicial que o músico iniciou com a mulher que o acusou, em 2017, de má conduta sexual, o que ele nega. O artista buscou uma retratação judicial, obtida nesta segunda, em audiência realizada na 5ª Vara criminal, no Fórum de Belo Horizonte.
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“Finalmente se fez justiça e me sinto em paz. Essa questão estava em suspenso, por conta da questão judicial. E como estava em segredo de Justiça, eu não podia me manifestar. Estou satisfeito e feliz por provar minha inocência. A partir de agora, quero seguir com meu trabalho e continuar divulgando meu disco (Universo reflexo, lançado no começo deste ano)”, disse Gustavito ao Estado de Minas.
A acusação de má conduta sexual feita a Gustavito ganhou repercussão em 2017, no Dia da Mulher (8 de março). Com uma conta em rede social em que se identificava como Lírio, a acusadora relatou um encontro íntimo que teve com o músico, no ano de 2015, afirmando que ele a teria dopado com um óleo de massagem e lhe transmitido intencionalmente uma Doença Sexualmente Transmissível (DST).
Com grande repercussão, a acusação teve impacto negativo na carreira de Gustavito, incluindo seu afastamento do bloco carnavalesco Então Brilha!. Segundo Gustavito, nesse episódio, o mais difícil para ele foi lidar com as reações públicas à acusação, já que muita gente o considerou culpado sem sequer tentar ouvir sua versão da história. “A acusação era absurda. Passaram a me atacar inescrupulosamente, sem saber e querer debater os fatos. A gente percebe que muita gente está mais interessada em manifestar o ódio do que em saber a verdade”, diz.
Ele conta que conhecia Marlla superficialmente e que tiveram apenas um encontro, que resultou no imbróglio. A partir daí, ele e ela só mantiveram contato via Justiça, segundo diz. Profissionalmente, Gustavito se reinventou. “Tive que buscar outros espaços. Tenho feito um trabalho de medicação musical dos chacras que está me dando oportunidade de circular por muitos lugares. Estou muito feliz neste momento e quero seguir em paz.”
Ao lado da retratação, Gustavito publicou em seu Facebook um desabafo."Com tantos crimes praticados contra mulheres e tanta luta a ser feita, fui vítima de uma mentira lançada contra mim por uma mulher, algo que prejudica a causa feminista. Acredito que a luta por respeito e igualdade das mulheres deva ser apoiada por todos. (...)
A verdade apareceu. Espero que muita gente possa aprender e refletir e que não se repitam mais episódios como esses”, escreveu.
LIVRO
O caso Gustavito foi analisado em um capítulo do livro A vítima tem sempre razão? – Lutas identitárias e o novo espaço público brasileiro (Editora Todavia, 206 páginas), publicado no fim de 2017 pelo filósofo e ensaísta Francisco Bosco, que conversou com a reportagem do Estado de Minas sobre o desfecho judicial.
Bosco afirma que sempre lhe pareceu evidente que a acusação era muito inconsistente. “Só ganhou corpo devido à irresponsabilidade dos que se entregaram desabridamente seja a uma lógica de grupo (apoiar de forma incondicional o discurso que unifica o grupo), seja a um utilitarismo (é legítimo sacrificar indivíduos em prol de uma causa justa). Então o desfecho não me surpreende”, disse.
Para o filósofo, um pedido de desculpas e o reconhecimento do erro não são proporcionais ao dano causado à imagem do artista. “Há uma enorme desproporção entre esse pedido de desculpas e o dano feito à pessoa injustamente acusada. Note-se, de passagem, que até nas desculpas há uma espécie de omissão de responsabilidade: a declaração culpa terceiros pelas acusações e se exime de qualquer intenção de causar danos ao acusado. Acredite quem quiser”, afirma.
O autor de A vítima tem sempre razão? avalia que esse episódio é mais um convite à ponderação num debate atual e indispensável. “Um caso como esse, apesar de não ser isolado (a lógica de grupo e o utilitarismo produziram diversos casos semelhantes), não deve ser tomado como uma arma contra a agenda feminista fundamentalmente justa do combate ao assédio e a todo tipo de violência contra a mulher”, diz.
O episódio serve, no entanto, na opinião do filósofo para comprovar que máximas como a de que "a vítima tem sempre razão" são potencialmente injustas e devem ser abandonadas. “Nenhum grupo social tem sempre razão. É preciso afirmar sempre a cautela, o direito ao contraditório, o devido processo legal, em suma, os mecanismos que foram desenvolvidos na tentativa de garantir que a justiça ocorra”.
Até a conclusão deste texto, o Estado de Minas ainda não havia conseguido fazer contato com a acusadora de Gustavito.