“Só gritar isso não adianta nada na prática. O que a gente tem que fazer, principalmente, é ir atrás de quem a gente sabe que, num momento de complicação, e a gente sabe por quê, pelas coisas que acontecem no nosso país, tomou essa decisão conscientemente. Essa decisão errada, pelo menos na nossa visão. O que a gente faz para mudar isso? Vamos pensar nisso. É mil vezes mais importante do que gritar essa parada, certo? Porque ele já está lá, tá ligado? ”.
Foi com esse discurso que o Djonga, conhecido pela objetividade nas críticas e na tradução de suas ideias em rimas do rap, reagiu aos xingamentos desferidos ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) pelo público de seu show no Festival Sarará, na Esplanada do Mineirão, no último sábado (31).
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Desde a campanha eleitoral de 2018, shows e outros espetáculos culturais têm sido palco para manifestações condizentes com a polarização do cenário político. Contudo, artistas e público nem sempre estão no mesmo tom, ainda que compartilhem o mesmo campo ideológico.
A combatividade de Djonga está patente em letras como “Falo o que tem que ser dito, pronto para morrer de pé” ou “Na hora do julgamento, Deus é preto e brasileiro e, para salvar o país, Cristo é um ex-militar, que acha que mulher reunida é puteiro”.
O rapper tampouco economiza no uso dos palavrões ou adere ao comedimento, como comprova seu mais conhecido refrão – “Fogo nos racistas!”. Porém, quando o numeroso público do Festival Sarará (que colocou 35 mil ingressos à venda) entoou “Ei, Bolsonaro, vai tomar no …”, o cantor belo-horizontino questionou a eficácia desse gesto. “O que deve ser feito é evitar que essa reeleição aconteça”, afirmou, durante um discurso que durou mais de um minuto. No final, Djonga foi muito aplaudido.
Convidado do rapper mineiro para uma participação especial no show de sábado, Mano Brown, o maior nome do rap brasileiro, adotou uma postura parecida alguns dias antes, em um show dos Racionais MCs em Curitiba (em 17 de agosto). O “grito de guerra” do público era o mesmo, e o vocalista dos Racionais confrontou os que assim se manifestavam.
“Ninguém aqui votou no cara?”, perguntou, dando uma risada debochada. “Então sou obrigado a acreditar no Ultraman, no Pato Donald, no Mickey. Vamos ser transparentes, todo mundo erra, parceiro. Todo mundo é enganado. Todo mundo tomou golpe. Tomou golpe, assume e já era. Tomou golpe da mídia? Acreditou no que não era verdade? Tomar golpe não é crime nem pecado. É só assumir. Agora vai xingar? Ninguém votou no cara? Tá bom. Em que cidade nós estamos? Então tá bom”. Aplaudido por muitos, seguiu o show. “Vou parar de falar, se não vira stand-up”, disse.
Na Virada Cultural de Belo Horizonte, em julho passado, o cantor Marcelo Veronez foi outro a interpelar a plateia, que repetia o mesmo coro contra Jair Bolsonaro. “Gente, vou dar um depoimento pessoal: não mandem aquele ser com nome indizível ‘tomar no…’. ‘Tomar no…’ é tão gostoso quando é com carinho. E, sem carinho, nem aquele ser horrível merece”, disse, sendo muito aplaudido em seguida.
Para Veronez, que divide sua carreira entre a música e o teatro, “o público é vivo e não há uma parede entre ele e o palco” e “por isso, o mais interessante é ouvir e iniciar uma conversa”. Porém, ele destaca a urgência de uma reflexão maior sobre as manifestações.
“Nesse tipo de xingamento coletivo, as pessoas, pela sua grande insatisfação, entram na onda e não pensam no que está sendo dito. Apenas expressam sua insatisfação, o que é maravilhoso, legítimo e muito importante. Mas, ao mesmo tempo, penso que isso está um pouco empobrecido. Esses termos eram usados contra a Dilma. E era muito grave, me lembro daqueles adesivos do tanque de gasolina, que eram de uma violência absurda", diz.
"Então, ao mesmo tempo em que é grotesco, não contribui para que outras pessoas que estão ali possam entender as razões daquela insatisfação. Digo que o atual presidente é, no mínimo, desonesto nas suas ideias e posicionamentos desrespeitosos frente ao povo brasileiro. Então, não gostaria que esse desrespeito fosse uma via de mão dupla. Um xingamento homofóbico não contribui em nada, porque é agir da mesma forma que aquele que você confronta”, argumenta Veronez.
Veronez se diz mais preocupado “na forma como a comunicação é feita com quem votou em Bolsonaro”. “Tenho mais interesse em saber como conversar com quem o elegeu, democraticamente. É o povo que está na rua todos os dias. Ele, não. Ele está longe e vai cumprir seu governo."
"Se mudarmos o foco da pessoa física para o que ela representa, teremos uma relação muito melhor e um diálogo que pode ser desenvolvido. Estamos em 2019, existem outras formas de interação e comunicação. As pessoas são uma no trato real e outra no virtual, tudo isso precisa ser considerado. Não podemos ter as mesmas estratégias de 20 anos atrás”, afirma. Por outro lado, ele faz questão de esclarecer: “Entendo quando as pessoas externam suas revoltas de forma mais direta e simples. Jamais tentarei censurá-las, apenas proponho a reflexão”.
No fim de semana passado, o humorista mineiro Gustavo Mendes, mais conhecido por sua paródia da ex-presidente Dilma Rousseff, teve o show Di uma vez por todas, interrompido por vaias e xingamentos, em Teófilo Otoni, depois que seu personagem fez críticas a Bolsonaro.
Uma discussão entre o comediante e alguns integrantes da plateia começou e só terminou com a retirada de alguns deles por seguranças, a pedido de Mendes. “Devolvo o dinheiro, mas quero vocês fora, tchau”, disse ele, do palco.
No dia seguinte, domingo (1º), Gustavo Mendes usou suas redes sociais para comentar o episódio, num vídeo gravado. “Parte da plateia, insatisfeita com as piadas que fiz sobre Bolsonaro, se sentiu no direito de falar o que eu posso ou não posso falar nos meus shows e isso nunca vai acontecer, porque o nome disso é censura e não vou aceitar esse tipo de intimidação, principalmente vindo de pessoas que se articularam para isso”, declarou.
Segundo ele, “o problema dessas pessoas não eram as piadas políticas. Eu sou Gustavo Mendes, minha carreira sempre foi de assumir posições com força e transparência, mesmo sabendo que isso incomodava muita gente. Humor é sempre oposição".
O humorista seguiu dizendo: "Esse é o papel do artista, principalmente do comediante: incomodar os poderosos. Onde estavam essas pessoas quando eu debochava da Dilma e do Temer? Amo meu público, mesmo quem votou no Bolsonaro, mas não vou me calar diante do que está acontecendo no Brasil”.
No mesmo vídeo, Mendes lembrou que Roger Waters e Caetano Veloso também foram vaiados no palco por razões parecidas e Miriam Leitão, impedida de participar de uma feira literária em Santa Catarina, onde divulgaria um lançamento.
No entendimento de Mendes, esses episódios são uma evidência de “nova onda de intimidação à liberdade de expressão no país”, da qual ele se sente uma das vítimas.