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Atrizes trans conquistam espaço no mundo artístico com talento e carisma

Gabrielle, um dos destaques da terceira temporada de Sob pressão, estará na próxima novela das 19h, Bom sucesso, e é protagonista da grande aposta do Canal Brasil para 2019, uma série sobre diversidade. Já Glamour está brilhando como Britney na trama das 21h, A dona do pedaço, enquanto que Kika vai estrelar Vestido branco, véu e grinalda, novo filme de um dos diretores mais aclamados do cinema nacional, o pernambucano Marcelo Gomes (Cinema, aspirinas e urubus).

Kika Sena estreia no cinema como protagonista em filme de Marcelo Gomes - Foto: Gustavo Campos/Divulgação 

As três são atrizes na faixa dos 20, 30 anos, que, aos poucos, estão conquistando seu espaço nas artes. E, mais que isso, provando que não são menos mulheres ou menos talentosas pelo fato de serem trans. "Antes de mais nada, sou atriz, independentemente de gênero. Espero que algum dia as pessoas possam focar no meu trabalho, sem ficar querendo rotular se é trans ou não. Acho muito bacana todo esse espaço que artistas trans têm tido, espero que continue nesse ritmo, mas que não seja para ficar focando no que é o diferente", ressalta Gabrielle Joie.


Com apenas 21 anos, ela é natural de Ceilândia, cidade-satélite de Brasília, mas já morou em São Paulo e atualmente vive no Rio. A jovem conta que a grande virada foi quando o dramaturgo Marcelo Pedreira assistiu a um vídeo dela no YouTube.
"Ele me convidou para fazer um teste e acabei passando. O desejo de ser atriz sempre esteve presente. Fiz alguns cursos pontuais, mas a coisa foi ficando de lado. Mas finalmente consegui me achar e me descobrir neste ofício", destaca. Marcelo é o autor da série Toda forma de amor, dirigida por Bruno Barreto e que estreia no Canal Brasil no mês que vem.
 
Na trama, Daniel (Rômulo Arantes Neto) é um empresário da noite paulistana de pouco sucesso. Filho do pastor Alvim (Juan Alba), ele enxerga uma saída para a falência ao abrir a Trans World, boate voltada para o público LGBTQI, cujas picapes são comandadas pela DJ Marcela (Gabrielle Joie), uma mulher trans, com quem acaba se envolvendo.
A primeira temporada tem cinco episódios e conta com outros artistas trans no elenco, como Wallie Ruy, que participou de Carcereiros, na Globo. "Marcela tem uma história um pouco parecida comigo. Ela começou a trabalhar jovem, foi tentar a vida em São Paulo. Poderiam até correr o risco de não encontrar a intérprete ideal, mas acho muito interessante uma atriz trans fazer uma personagem trans, até porque, em 2019, a gente não tem mais essa desculpa. O que não faltam são meninas talentosas, que estão aí, despontando no cinema, no teatro", observa.

Gabrielle também participou de um dos episódios da atual temporada de Sob pressão e chamou a atenção como uma garota trans que colocou silicone em uma clínica clandestina e teve uma grave infecção. "É uma série que tem muita visibilidade e, apesar de eu ter gravado Toda forma de amor bem antes, foi ali que as pessoas passaram a me conhecer. Foi emocionante fazer aquele trabalho", enfatiza. A atriz também está em Bom sucesso, substituta de Verão 90 na faixa das 19h.
Ela será Michelly, também uma mulher trans. "Acho que o que mais gosto na minha profissão é essa versatilidade, o desafio de ficar imaginando e criando personas diferentes. Estimula a criatividade. Esses meus três trabalhos são de trans, considero superválido, mas acho e espero também o momento em que vou fazer outros papéis, e não necessariamente trans ou travestis", comenta.
 
Glamour Garcia é um dos destaques de 'A dona do pedaço', na Globo - Foto: TV Globo/Raquel Cunha
 
MARCO
Também com um pé em Ceilândia (DF), a escritora, poeta e atriz Kika Sena, de 24, celebra o bom momento profissional. Natural de Marechal Deodoro, em Alagoas, ela conta que começou a fazer teatro na escola já no Distrito Federal, com 15 anos. Prestou vestibular para artes cênicas na Universidade de Brasília (UnB) e hoje celebra o seu primeiro papel na telona. "Já estava desistindo de fazer cinema e aí veio essa oportunidade que, certamente, já é um marco na minha careira. Primeiro filme, e ainda protagonista. Sem contar que trabalhei com um diretor muito sensível, como o Marcelo Gomes", comemora. O longa Vestido branco, véu e grinalda já foi rodado, mas não tem previsão de lançamento e é baseado numa história real. Kika interpreta Paloma, uma agricultora trans, moradora do sertão nordestino, que tem o sonho de se casar com o servente de pedreiro Zé (Ridson Reis).
"A Paloma é muito sonhadora e acho que esse foi um dos pontos com que mais me identifiquei. Ela nunca desiste do que quer, além de toda a força que encontra para enfrentar toda a pressão. Sem contar que acho muito representativo uma atriz trans interpretar uma personagem que é trans", frisa.

Atualmente, Kika está fazendo mestrado em arte cênicas e tem pesquisado justamente a representação de mulheres trans e travestis no teatro e no cinema. "Mesmo com o mercado se abrindo mais, ainda é muito pouco. E continuamos sendo o país em que mais se mata trans e travestis no mundo. O preconceito ainda existe, infelizmente", lamenta. A artista alagoana enfatiza que não é contra atores cisgêneros (pessoas cuja identidade de gênero corresponde ao sexo que lhes foi atribuído no nascimento) interpretarem trans, pois, para ela, o ator – independentemente de gênero, raça ou opção sexual – tem a função de representar. No entanto, defende que, como há poucas opções de trabalho para trans, isso é uma questão de empregabilidade. "Quando se é ator ou atriz, a nossa missão é representar. Mas tem que se ter o mínimo de ética.
O que mais tem são atores e atriz trans atrás de emprego, de uma chance. Estamos falando de uma questão que é oportunidade de emprego, por isso, bato tanto nessa tecla. Um trans interpretando um papel trans é significativo para toda uma população", frisa.

Com um trabalho mais local – seja como escritora, poeta ou realizando performances – ela ainda não tem dimensões do que essa produção vai provocar em sua trajetória, mas acredita que vá colher muitos frutos. "No mês que vem, já embarco para o Acre, onde vou fazer um outro filme. Dessa vez não é uma protagonista, mas vou fazer uma travesti. Passo a passo, as coisas vão acontecendo", enfatiza.
 
 
 
COMPETÊNCIA RECONHECIDA
Kika Sena revela que seu processo de transição foi relativamente tranquilo e que contou com o apoio da família, sobretudo da mãe. Foi assim também com a atriz Glamour Garcia, de 30, no ar como a Britney, de A dona do pedaço, que recebeu suporte em casa, principalmente da mãe, que é psiquiatra. Porém, reconhece que seu caso é exceção. "A gente ainda sabe que a maioria tem problemas familiares bem complexos. Muitas pessoas sofrem violência, discriminação e humilhação e não só entre os parentes. Infelizmente, a transfobia é uma realidade. As coisas não mudaram porque temos uma Britney na novela das 21h. É muito importante uma personagem como ela trazer uma possibilidade de discussão construtiva, mas tem muita coisa para melhorar ainda", opina.

A atriz, que é de Marília, interior de São Paulo, adotou Glamour como nome artístico, mas se chama Daniela e já soma trabalhos em seriados como Rua Augusta, no TNT, e no cinema (em 2018, ela chegou a levar o prêmio de Melhor Atriz, no 2º Festival de Cinema de Paranoá, por seu personagem no curta Nome provisório e participou também do longa-metragem Horácio, dirigido por Mathias Mangin e protagonizado por Zé Celso Martinez).

Mas, sem dúvida, a grande chance veio agora, com o folhetim de Walcyr Carrasco. Glamour tem sentido nas ruas e nas redes sociais como o público gosta de sua personagem. Uma das cenas de maior repercussão da novela foi a chegada de Rarisson na rodoviária. Os pais, Eusébio (Marco Nanini) e Doroteia (Rosi Campos), ficaram em estado de choque ao constatar que agora o filho atendia pelo nome de Britney. "É marcante fazer um trabalho desses, uma novela no horário nobre, ainda mais no núcleo do qual faço parte. O que mais gosto na Britney é sua segurança com relação à sua capacidade, à sua competência profissional", afirma.

ESPAÇO
A artista comenta que muita gente está torcendo para o relacionamento com Abel (Pedro Carvalho) – que não sabe que Britney é trans – vingue, mas assegura que não sabe muitos detalhes de como se dará essa descoberta. "Não é que o Abel seja preconceituoso. Ele é uma pessoa tacanha, retrógrada. As pessoas torcem muito para que eles fiquem juntos. Particularmente, estou numa grande ansiedade para saber o que vai acontecer", diz.
 
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