Após revelar publicamente a homossexualidade e o casamento com a jornalista Malu Verçosa, a cantora Daniela Mercury vem se popularizando nos últimos anos como ativista da causa LGBTIQ+.
Na retomada do julgamento sobre criminalização da homofobia nesta quarta-feira, 23, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o casal estará no tribunal em Brasília para tentar sensibilizar os ministros.
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Os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Edson Fachin acompanharam o entendimento do decano do STF, ministro Celso de Mello, relator de uma das ações que apontam omissão do Congresso Nacional no enfrentamento do problema.
Nesta quarta-feira, 22, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, por 20 votos a 1, um projeto que criminaliza a homofobia, mas que faz uma exceção para garantir a liberdade religiosa.
Um grupo de parlamentares queria pedir ao presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP) para solicitar ao STF a suspensão do debate na Corte, para esperar o avanço da discussão no Legislativo.
A cantora respondeu aos questionamentos do jornal O Estado de S. Paulo por e-mail, defendendo que o respeito à diversidade seja ensinado nas escolas. Se isso não ocorre, segundo ela, há riscos de a sociedade encarar a questão como tabu, compactuando com sofrimento, bullying, assassinatos e suicídio da população.
"Não devemos ter vergonha de falar de sexo. Temos que ter vergonha do discurso de ódio e da violência contra os LGBTIQ no nosso País, que lidera vários rankings mundiais", defende a cantora.
1. Desde que você assumiu a sua homossexualidade, o que mudou na sua vida?
Mudou tudo, inclusive minha relação com a palavra "assumir". Risos. Estou até gravando uma música que fala de forma irônica do nosso "amor que assume". A maioria das pessoas que já me conhecia me olha de forma diferente. Esse título foi acrescentado ao meu currículo. Sem dúvida sou da comunidade LGBTI mundial e, por meu desejo, me tornei ativista da causa. Malu e eu temos dedicado muito tempo da nossa vida para substituir a cultura da homofobia e da transfobia pela cultura da harmonia.
2. O casal já sofreu ou passou por alguma situação que poderia ser enquadrada como homofobia? Se sim, como foram os episódios?
A homofobia é tão clara e está tão profundamente estabelecida na nossa cultura que está presente em absolutamente tudo.
Sou e somos sistematicamente atacadas. Mas estamos mais fortes do que nunca.
Afinal, quem tem problemas são os homofóbicos. Eles é que têm dificuldade para viver em uma sociedade livre e democrática e respeitar as diferenças. Por isso, precisamos criminalizar a homofobia e fazer campanhas maciças de educação.
3. Você defendeu há algumas semanas a criminalização da homofobia e a educação das crianças sobre diversidade sexual. Você acha que a questão deveria ser discutida nas escolas? Se sim, de que forma esse debate deveria ocorrer?
Sou mãe de 5 e avó de 2 crianças. Acredito que as crianças e os adolescentes devem ser educados para conviver com todas as pessoas que são diferentes deles e devem saber que não podem discriminá-las por isso. Respeito às diferenças deve ser ensinado pelos pais, pela escola, pelos cidadãos e pelos governos. O assunto é necessário e deve ser abordado com naturalidade, firmeza, segurança e clareza. O silêncio é sintoma de homofobia, a incapacidade de falar sobre sexualidade com as crianças é péssimo e gera mais homofobia e muitos outros tipos de doenças sociais, como o machismo, por exemplo, e, consequentemente as agressões às mulheres.
4. A discussão sobre a criminalização se arrasta no Congresso há 18 anos. Quatro propostas já foram apresentadas, mas nenhuma lei aprovada. Você acha que a votação vai se encerrar no próximo dia 23? Acha que algum ministro pode pedir vista do processo?
Tenho fé que nenhum ministro pedirá vista. Estaremos lá para demonstrar com mais contundência que precisamos muito que a homofobia e a transfobia sejam equiparadas ao crime de racismo para, em seguida, o Congresso legislar e criar a lei específica para a homofobia e a transfobia. Essa lei deve ser feita com cuidado e sensibilidade, seguindo como base a lei do crime de racismo. Os deputados não podem, depois de 18 anos, aprovar essa lei de qualquer jeito. Deve ser digna e justa com a população LGBTI para que tenhamos OS MESMOS DIREITOS que qualquer cidadão neste país tem. Como disse o ministro Celso de Mello: "mostra-se indispensável que o Estado proteja os grupos vulneráveis".
O incômodo, o tabu, o medo de falar sobre sexo geram muito sofrimento. E gera bullying, assassinatos e suicídios. Não devemos ter vergonha de falar de sexo. Temos de ter vergonha do discurso de ódio e da violência contra os LGBTIQ no nosso País, que lidera vários rankings mundiais.
5. Na sua opinião, a lei será suficiente para acabar com os crimes de homofobia?
Não será o bastante, assim como não foi para o racismo. Mas é um poderoso antibiótico para uma bactéria muito resistente. A lei mudará paradigmas, abrirá novas perspectivas de futuro para nós LGBTI e para o Brasil. É a pedra fundamental para mudança de cultura porque pretende dar fim à impunidade.
6. O secretário das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, fez algum apelo ao Brasil ou ajudou em alguma questão, após o pedido de ajuda do casal na criminalização da homofobia?
Tenho certeza que o atual secretário geral das Nações Unidas, Antônio Gutierrez, está muito comprometido com a nossa questão. Quando fomos em Nova York, em 2015, o então secretário-geral Ban Ki-Moon nos recebeu por mais de 30 minutos na sede da ONU, tirou fotos unindo nossas mãos com as dele, mostrando seu total interesse e compromisso com a comunidade LGBTI do mundo. Foi nessa oportunidade que lançamos como campeãs da igualdade a primeira campanha mundial contra a homofobia chamada "Celebrate Love", que usou as imagens do nosso casamento para dar início à bem sucedida LIVRES E IGUAIS. Nesses dias em que estivemos em Nova York, convidadas pelo alto comissariado da ONU, pedimos ao secretário-geral para lutar pela criminalização da LGBTfobia no Brasil e no mundo, e pedimos também para que ele estimulasse os produtores a fazer mais filmes com personagens gays, trans, lésbicas e famílias sexualmente diversas, incluindo desenhos animados. Isso é inclusivo porque vai ensinar a criança a respeitar todas as formações familiares, independentemente das diferenças. E para os filhos de casais LGBTIs será incrível ver outras referências de amor e não apenas as heteronormativas nas telas. E, definitivamente, não é isso que vai influenciar alguém a ser gay. Não é uma escolha! Somos porque somos.
7. Já recebeu ameaças - virtuais ou pessoais - de pessoas contrárias à lei contra a homofobia? Caso sim, ameaças de que tipo?
Recebemos muito mais apoio que ameaças e confiamos nas nossas instituições democráticas para nos proteger. Agora, os crimes virtuais precisam ser punidos. Precisamos coibir o discurso de ódio na rede e na vida!