Criada com o objetivo de fomentar atividades culturais em Minas Gerais, a Lei Estadual de Incentivo à Cultura é alvo de projeto de lei que propõe sua imediata revogação, bem como a do Sistema Estadual de Cultura, do Sistema de Financiamento à Cultura e da Política Estadual de Cultura Viva, estabelecidos na Lei 22.944, de 2018. Apresentado na Assembleia Legislativa no último dia 13 pelo deputado Coronel Sandro (PSL), o PL 500/2019 visa, segundo seu autor, extinguir o financiamento a projetos culturais por parte do governo estadual, mesmo que por meio de renúncia fiscal.
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O texto apresenta como uma das justificativas para a eliminação dos investimentos públicos em cultura um cenário popular avesso aos incentivos fiscais em todo o Brasil, citando petições contrárias à Lei Rouanet. Alega, ainda, que “a receita tributária estadual deve ser destinada na sua integralidade às demandas diretas da população, como saúde, educação, segurança pública, sendo certo que a arte e a cultura não devem ser financiadas com recursos públicos”.
“Fui eleito em cima de compromissos de campanha e daquilo em que acredito. Acredito em liberalismo econômico, na intervenção mínima do Estado nas atividades econômicas. E não vejo a cultura como uma atividade na qual o governo deva interferir. Não apresentei um projeto para acabar com a cultura, mas um projeto para revogar uma lei que possibilita a utilização de recursos públicos para a cultura. Sou a favor dos eventos culturais, mas sou contra a utilização de recursos públicos para isso”, afirmou o deputado Coronel Sandro em entrevista ao Estado de Minas. Ele defende que toda a verba destinada a projetos financiados pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura seja revertida para a educação.
FUNDAMENTAL
Porém, o projeto deverá ter dificuldades para avançar. Em nota oficial, a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), cujo titular é Marcelo Matte, declarou que “respeita essa prerrogativa (do PL 500/2019), mas afirma que a proposta não reflete o posicionamento do governo estadual”. O órgão ainda ressaltou a importância da cultura para a economia mineira e disse considerar a Lei de Incentivo à Cultura “uma ferramenta fundamental de apoio e fomento à produção cultural, capaz de gerar empregos e auxiliar a retomada do crescimento econômico em Minas Gerais”.
Para amparar sua posição, a Secult apresentou dados segundo os quais a economia criativa é responsável pela geração de mais de 450 mil empregos formais em Minas (9,89% do total de empregos do estado). A pasta citou ainda estudo da Fundação Getulio Vargas que aponta que, a cada R$ 1 investido em projetos culturais via leis de incentivo no Brasil, R$ 1,59 retornam à economia.
Embora afirme que não tenha consultado outros parlamentares a respeito do assunto, o autor do projeto de lei diz acreditar que, “por afinidade ideológica”, os deputados do Partido Novo, do governador Romeu Zema, poderiam apoiar seu texto. Por isso, o militar reformado diz estranhar a posição da Secult. “O governo foi eleito também com ideias liberais. Portanto, na minha opinião, deveriam ser favoráveis a essa revogação.”
Na Comissão de Cultura da ALMG, o PL não deve ser aprovado. Segundo o presidente, deputado Bosco (Avante), “essa proposta é extremamente incabível”. “Essa lei que criou o Sistema Estadual de Cultura e o novo marco regulatório para o financiamento à Política Estadual de Cultura Viva foi amplamente discutida, com participação de especialistas, gestores, artistas, técnicos, e está em consonância com o Sistema Nacional de Cultura. Não há motivo para revogação”, alegou o parlamentar, garantindo que, caso o projeto passe pela Comissão de Constituição e Justiça, será rejeitado na de Cultura.
IGNORÂNCIA
No setor cultural, a proposta é vista como uma aberração. “A primeira coisa que eu gostaria de dizer é: se a mineração acabou em Minas, vamos substituí-la pelo triângulo cultura, turismo e patrimônio histórico. Quantos empregos ele pode gerar?”, afirma o produtor cultural Afonso Borges, responsável por iniciativas como o projeto Sempre Um Papo e o Fliaraxá, que contam com recursos captados via Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Borges avalia que esse projeto de lei é fruto “de uma ignorância em relação à importância da cultura para a economia”.
“É importante traduzir em palavras simples. Nós não estamos falando de projetos particulares. A gente fala de sustentabilidade de museus, fundações culturais, associações culturais de bairro, pequenos produtores de cultura do interior de Minas Gerais. Temos que falar do conjunto de instituições culturais. São aprovados mais de 700 projetos por ano, a maioria é de pequeno porte, e isso não é dinheiro público, lei de incentivo não é verba dada pelo governo. O que o governo permite é a captação de recursos junto a uma empresa”, diz o produtor.
Diretora da Universo Produções, que realiza mostras de cinema em Tiradentes, Ouro Preto e BH, também contando com recursos obtidos via Lei de Incentivo, Raquel Hallak aponta distorções na ideia de que esses mecanismos sejam um “gasto” do dinheiro público. “Em todos os setores produtivos existem mecanismos de incentivo. Para levar uma indústria para um estado ou município, há incentivo fiscal. No caso da cultura, também. Não é um dinheiro dado. O governo abre mão de parte do valor de um imposto para uma empresa investir em um projeto cultural. Cabe ao gestor cultural apresentar esse projeto em edital e, se aprovado, buscar uma empresa que se interesse em patrociná-lo. A decisão do investimento é do empresário, não do estado. Este apenas incentiva o investimento”, afirma Hallak, lembrando que nem todos os projetos aprovados conseguem a captação de recursos.
“Precisamos de um amplo debate para acabar com essas distorções e respeitar a cultura como atividade econômica. A indústria do entretenimento é uma das que mais crescem no mundo. E ela é ainda mais importante porque desenvolve senso crítico, integra a cidade, valoriza o patrimônio histórico e forma cidadãos, além de gerar emprego e renda”, diz a produtora. Ela alerta para os riscos que uma possível extinção dos mecanismos de incentivo à cultura representam para o setor. “No governo federal, a lei existe há 27 anos. Imagine como ficaria a configuração de mercado caso ela acabe. Todo mundo quebraria. Pergunte ao empresário se ele prefere investir em cultura com recurso direto ou com recurso incentivado por renúncia fiscal”, pondera Hallak.
Assinada pelo ex-governador Fernando Pimentel (PT) em 15 de janeiro de 2018, a Lei 22.944 instituiu o Sistema Estadual de Cultura, o Sistema de Financiamento à Cultura e a Política Estadual de Cultura Viva. O texto é um novo marco regulatório para a articulação e a gestão integrada das políticas públicas de cultura em Minas. Além de mecanismos como distribuição dos recursos pelo interior, por meio do Fundo Estadual da Cultura (FEC), a legislação permite que empresas e pessoas físicas descontem parte do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e repassem o valor ao financiamento de projetos culturais aprovados em edital, por uma comissão paritária, formada por servidores da administração pública estadual e representantes de entidades da área cultural. Os descontos são limitados a 3%, 7% e 10% do total mensal do imposto, dependendo do faturamento da empresa.
"Fui eleito em cima de compromissos de campanha e daquilo em que acredito. Acredito em liberalismo econômico, na intervenção mínima do Estado nas atividades econômicas. E não vejo a cultura como uma atividade na qual o governo deva interferir. Não apresentei um projeto para acabar com a cultura, mas um projeto para revogar uma lei que possibilita a utilização de recursos públicos para a cultura. Sou a favor dos eventos culturais, mas sou contra a utilização de recursos públicos para isso”
. Coronel Sandro,
deputado estadual pelo PSL
"Essa proposta é extremamente incabível. Essa lei que criou o Sistema Estadual de Cultura e o novo marco regulatório para o financiamento à Política Estadual de Cultura Viva foi amplamente discutida, com participação de especialistas, gestores, artistas, técnicos, e está em consonância com o Sistema Nacional de Cultura. Não há motivo para revogação”
. Deputado Bosco (Avante),
presidente da Comissão de Cultura da ALMG
Precisamos de um amplo debate para acabar com essas distorções e respeitar a cultura como atividade econômica. A indústria do entretenimento é uma das que mais crescem no mundo. E ela é ainda mais importante porque desenvolve senso crítico, integra a cidade, valoriza o patrimônio histórico e forma cidadãos, além de gerar emprego e renda”
. Raquel Hallak,
produtora cultural