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Com nome vinculado à mineração, Minas Gerais sofre desde os primórdios com a exploração de ouro

O curso da história de Minas recebeu um golpe certeiro e cruel no início da tarde de 25 de janeiro, uma sexta-feira de muito calor e desespero. Numa avalanche escura e veloz, 12,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro vazaram da barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A tragédia fez mais de 300 vítimas, entre mortos e desaparecidos.

Pouco mais de três anos antes, outra catástrofe também comoveu o mundo. Em 5 de novembro de 2015, foi a vez da Barragem do Fundão, em Mariana, considerada a maior tragédia socioambiental do país, com 19 mortos e devastação ao longo da bacia do Rio Doce até o Oceano Atlântico. Primeira vila, cidade e diocese das Gerais, Mariana parou para ajudar as vítimas, numa grande corrente de solidariedade, e se entristeceu com a perda do subdistrito de Bento Rodrigues, com construções dos tempos coloniais e hoje totalmente soterrado no lamaçal fétido. Ali, a memória se perdeu.

Desde o início da colonização portuguesa há relatos de acidentes, com morte de escravos, na Capitania de Minas. O pior ocorreu em 1844, mais de duas décadas após a independência do Brasil, com o desabamento de uma galeria na Mina de Cata Branca, em Itabirito, então alvo da exploração aurífera por uma empresa britânica. Dezenas de trabalhadores perderam a vida e o suplício não terminou, pois sucessivas vezes a segurança foi parar no fundo do poço, como ocorreu agora.

Nos primórdios da colônia, a exploração do ouro era superficial, feita nas chamadas lavras, no sistema de cata – isso durou de 1690 a 1720 ou 1730.
“Depois, começou a extração nas minas subterrâneas. Em muitos relatos dessa época encontramos referências à morte de escravos. Já o acidente com maior repercussão, pois já havia jornais circulando, e, assim, há mais informações, é o de Cata Branca”, diz o professor do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) Alex Bohrer, autor do livro 'Ouro Preto – Um novo olhar'.Continua depois da publicidade

Bohrer explica que a exploração em minas profundas, com grandes galerias, como as de Morro Velho, em Nova Lima, e Passagem de Mariana, ambas desativadas, começou no século 19, com a modernização da atividade trazida pelos ingleses. Foi ainda no século 19 que surgiu a exploração do minério de ferro, ainda hoje um dos esteios da economia de Minas. No século 20, vieram as grandes barragens de rejeitos.


ESCRAVOS SOTERRADOS

Conforme pesquisa do promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, houve dois graves acidentes em Nova Lima no século 19. Em 21 de novembro de 1867, um desabamento matou 17 escravos e um trabalhador inglês. Dezenove anos depois, a história se repetiu no local, com mais operários mortos.
“Minas tem seu nome ligado à mineração, que, no apogeu do ouro e diamante, sustentou em boa parte a economia de Portugal. Nos dias de hoje, sem a fartura de pedras e metais preciosos, o minério de ferro é uma das bases da economia do estado”, afirma.

Nos seus estudos, Souza Miranda encontrou o registro no diário do conde de Assumar (dom Pedro de Almeida e Portugal, que governou Minas de 1717 a 1721), sobre a extração de ouro no Morro de Pascoal da Silva, em Vila Rica (atual Ouro Preto), em 1717. Ele relata os riscos para os negros que faziam (grafia da época) "huns buracos mui profundos aonde se metem, e pouco a pouco vão tirando a terra para a lavar; porém esta sorte de tirar ouro he mui arriscado, porque sucede muitas vezes cahir a terra e apanhar os negros debayxo deitando-os enterrados vivos”.

O barão de Langsdorff (1774-1852), naturalista e diplomata europeu, ao percorrer a região de Mariana, em 1824, escreveu: “Passamos por um vale pobre e árido, por onde corre o Rio São José, turvo pela lavação do ouro e em cujas margens se veem montes de cascalhos, alguns até já cobertos de capim. É difícil imaginar uma visão mais triste do que a deste vale, outrora tão rico em ouro”.

Os novos tempos não acabaram com a destruição da história, de vidas e do meio ambiente. Com barragens cada vez mais monumentais, cresceram os riscos de vazamentos. Em 1986, o rompimento da barragem de rejeitos da Mina de Fernandinho, em Itabirito, na Região Central, deixou sete mortos. Em 22 de junho de 2001, ocorreu o rompimento da estrutura de contenção de rejeitos de minério de ferro da Mineração Rio Verde Ltda., em Nova Lima. Cinco trabalhadores morreram soterrados pela lama e um deles nunca foi encontrado, embora a morte tenha sido reconhecida pela Justiça.

Dois anos depois, em 29 de março de 2003, uma barragem de rejeitos industriais se rompeu na Fazenda Bom Destino, em Cataguases, deixando um rastro de destruição ambiental na região.
Considerada uma das maiores tragédias ambientais do Brasil, o desmoronamento da estrutura espalhou lignina, produto resultante da fabricação de celulose pela Indústria Cataguases de Papel, por 200 quilômetros do Rio Paraíba do Sul.

Em 11 de janeiro 2007, o estouro da Barragem Rio Pomba Cataguases, em Miraí, novamente na Zona da Mata, despejou 2 bilhões de litros de lama em cursos d’água e atingiu outros municípios mineiros e fluminenses. Em 2014, foi a vez de uma barragem da Herculano Mineração, em Itabirito, deixar três mortos e levar desespero às famílias e, no ano seguinte, a tragédia em Mariana, cujos moradores de Bento Rodrigues ainda lutam na Justiça, inclusive em tribunais internacionais, pelos seus direitos.


MEMÓRIA MARCAS DO PASSADO

Com a lama, vai-se a história, rompem-se os laços da identidade. A Capela de São Bento, do fim do século 18 ou início do 19, no subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana, desapareceu do mapa, com suas talhas de madeira e imagens barrocas, numa perda irreparável para o patrimônio nacional. A ponte de pedra da Estrada Real também agora é só uma imagem na lembrança dos moradores de Bento Rodrigues, os quais ficaram sem as casas e o aconchego doméstico. Poderia até ser “apenas um retrato na parede”, conforme o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) se referiu à sua Itabira natal, mas, infelizmente, não há mais parede, muito menos retrato no distrito que herdou o nome do bandeirante paulista que ali chegou no século 18 em busca de ouro. Agora, quem sofre é a população de Brumadinho – e com ela o mundo inteiro.
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