Há sempre algo a acontecer na capital mineira, algo a desmontar, a esquecer. Belo Horizonte, construída no fim do século 19 e inaugurada em 1897, é uma cidade pensada, arquitetada e moldada no ideário da modernidade. É um terreno jovem se comparado a outras capitais pelo Brasil, que tenta, sempre, reconstruir-se às custas de sua própria história. Começam as vendas da nova turnê de Milton Nascimento Restaurante em BH promove Festival de Nhoque e aposta nas receitas de família Mercado Novo é revitalizado e ganha lojas de quitutes, bar e restaurante Mostra de Cinema de Tiradentes vai exibir 108 filmes até dia 26 Representantes da classe artística temem fusão das secretarias de Cultura e Turismo
Heloísa Starling, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e uma das mais respeitadas intelectuais do Brasil, explica que a modernidade, como conceito, foi muito influenciada pelas quatro grandes revoluções dos séculos 17 e 18. “Há uma série de mudanças que interferem na vida política, na vida cultural e na vida cotidiana das pessoas. A relação com o tempo muda, se acelera. A Revolução Inglesa diz que não é necessário um rei absolutista, a Revolução Francesa introduz a ideia da inclusão dos miseráveis na vida pública, a americana funda a República, e a do Haiti diz que os homens não são escravos. Mudam-se todas as direções”, explica.saiba mais
Belo Horizonte foi uma cidade pensada nessa tensão entre o ideário de modernidade e a autoridade positivista que, no meio do caminho, precisava representar a recém-nascida República. Além disso, a lógica da destruição, na capital, começa ainda antes dela própria – com a demolição do antigo Curral D’el Rey, que existia no lugar onde hoje há Belo Horizonte.
A modernidade belo-horizontina, baseada em um progresso que se engole e não permite acumulação de memória, tem um caráter canibal. “A cidade surge dessa destruição. Não sobra nada e não há nenhuma intenção de incorporar aquilo que existia. Isso traduz muito de Belo Horizonte”, explica a historiadora. Ela cita os versos de Fora da ordem, canção de Caetano Veloso – “Aqui tudo parece/ que era ainda construção/ e já é ruína” –, afirmando que são muito representativos da forma como a capital lida com sua própria história. “Em Belo Horizonte, muitas vezes, não foi necessário nem terminar uma construção para destruí-la, como se a cidade tivesse que produzir o novo todo o tempo e, principalmente, como se fosse uma cidade sem memória.”
Parte dessa destruição, que é estudada pela pesquisadora há tempos, será contada em um livro que Heloísa pretende publicar em março. Nele, conta-se a história do que existia antes da criação do câmpus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na região da Pampulha. De acordo com ela, havia uma gigantesca fazenda, que foi completamente destruída, mas que ainda deixa algumas cicatrizes no local.
O professor da Faculdade de Arquitetura da UFMG Flávio Carsalade, explica que, no século 19, o urbanismo, como ciência, estava nascendo e que o projeto de Belo Horizonte veio nos moldes das cidades que emergiram na época, como La Plata, na Argentina, e Washington, nos Estados Unidos. “Ruas largas, lugares devidos para a burocracia estatal, zoneamento, lugar para hospitais. Era uma cidade que tinha essa característica das novas ciências e desse século que nasceu”, explica.
Carsalade afirma que essa ânsia modernizadora na capital acabou por proporcionar a convivência de vários estilos arquitetônicos no mesmo espaço. Esse processo, diz Carsalade, vem da ideia de que a identidade do projeto belo-horizontino sempre acabou por classificar coisas como ultrapassadas. “Belo Horizonte é uma cidade do século 20, quando víamos uma transformação muito grande dos estilos arquitetônicos. A capital nasceu com o estilo eclético, de inspiração neoclássica, mas logo veio o art déco, que era uma reação contra o eclético. Depois, começaram a aparecer o estilo moderno, tudo em uma correria muito grande. Sempre havia uma nova corrente arquitetônica que estava em voga, que substituía a anterior”, explica, acrescentando que o projeto implicava “ser o último grito da modernidade”. “BH sempre procurou esse ‘avanço’ e isso significa destruir coisas antigas, que, afinal de contas, nem eram tão antigas assim.” Como afirma Heloísa: “É como se dissesse: sou tão moderna que as coisas aqui não podem ficar velhas”.
que as coisas aqui não podem ficar velhas”
Heloísa Starling, historiadora
“BH sempre procurou o avanço modernista e isso significa destruir coisas antigas, que, afinal de contas, nem eram tão antigas assim”
Flávio Carsalade, arquiteto