Um golpe para o #MeToo ou um sinal de seu progresso? As denúncias divulgadas nesta semana de que a atriz italiana Asia Argento, uma das líderes do movimento de combate ao abuso sexual e de poder, impulsionado após o escândalo envolvendo o produtor Harvey Weinstein, assediou sexualmente um menor de idade e pagou para não ser processada por isso lançam uma grande interrogação sobre o futuro da iniciativa.
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Argento foi uma das primeiras acusadoras de Weinstein, denunciando que ele a estuprou em um hotel durante uma edição do Festival de Cannes, quando ela tinha 21 anos. No domingo passado, o New York Times revelou que Argento, de 42 anos, fez um acordo para pagar US$ 380 mil ao ator e músico Jimmy Bennett, de 22, quando ele ameaçou entrar com uma ação judicial acusando-a de tê-lo agredido sexualmente em 2013 – quando ele tinha 17 anos e ela 37 – em um hotel da Califórnia. Segundo as leis californianas, é crime fazer sexo com menores de 18 anos.
Bennett, que foi dirigido por Argento quando ele tinha 7 anos, num filme em que ela interpretava sua mãe, afirma que foi se encontrar com a atriz para discutir um provável novo papel. Segundo sua denúncia, ela pediu para que o familiar que o acompanhava fosse embora e, a sós com ele, lhe ofereceu álcool e praticou sexo oral nele. Em seguida, os dois fizeram sexo. Bennett diz ainda que tinha Asia como uma figura materna e se sentiu confuso e enojado após o encontro sexual.
As acusações contra Argento lançaram um balde de água fria sobre o #MeToo, já criticado por parte da opinião pública por ter destruído a carreira de homens poderosos após acusações de agressão ou assédio sexual que, na maioria dos casos, não foram verificadas pela justiça.
“As pessoas usarão estas novas informações de imprensa para tentar desacreditar este movimento. Não deixem isso acontecer”, pediu Tarana Burke, fundadora do movimento. “Disso se trata o movimento. Não é um esporte de espectadores. É gerado pelas pessoas”, afirmou. “E somos imperfeitamente humanos e todos devemos ser responsáveis por nosso comportamento individual.” Para Burke, o #MeToo deve digerir agora “a incômoda realidade de que não há uma só forma de ser um agressor”.
PODER A violência sexual é sobre o poder e o privilégio. Isso não muda se o perpetrador é sua atriz, ativista ou professor “favorito de qualquer gênero”, apontou. A atriz Rosanna Arquette, outra acusadora de Weinstein, afirmou que sua colega italiana poderia ser ao mesmo tempo vítima e abusadora. “Conheço muitas, muitas vítimas de estupro e de trauma que têm um comportamento sexual errático. Os estigmas que carregam são profundos”, tuitou.
Argento afirmou que nunca teve relações sexuais com Bennett e afirmou que o pagamento feito a ele foi ideia de seu então namorado, o famoso chef Anthony Bourdain, que se suicidou em junho. Ela disse que Bourdain temia a “propaganda negativa” caso a acusação viesse a ser divulgada e que o pagamento foi feito em troca de não haver “mais intrusões” na vida do casal.
No entanto, após Argento haver negado a relação com Bennett, o site TMZ divulgou prints do que seria uma conversa dela com uma amiga via aplicativo de mensagem na qual admite ter feito sexo com o ator, além de fotos dos dois supostamente tiradas após o ato. Na conversa, Argento cita a vontade de se mudar caso perca o emprego por causa da denúncia e menciona o Brasil como um de seus destinos possíveis.
Jimmy Bennett, por sua vez, se pronunciou dizendo que havia mantido silêncio sobre o episódio ocorrido em 2013 porque, na ocasião, “não estava pronto para enfrentar as repercussões da divulgação” da história e achou que “as pessoas não entenderiam o que ocorreu a partir da visão de um adolescente”.
VERGONHA Ele disse ainda ter sentido “vergonha e medo de ser parte de uma narrativa pública”, mas mudou de opinião após Argento aparecer como líder do movimento #MeToo. “A princípio não falei sobre a minha história porque escolhi tratar do assunto de forma privada com a pessoa que me fez mal. Meu trauma ressurgiu quando ela apareceu como vítima.”
Para Kara Alaimo, professora de relações públicas da Universidade Hofstra, as denúncias contra Argento não prejudicam o movimento, pelo contrário, são “prova de seu êxito”, porque o #MeToo conseguiu fazer com que as vítimas se animem a denunciar seus abusadores poderosos, sejam homens ou mulheres, e porque foi um homem que fez a denúncia, superando os estigmas. “Esperemos que isto crie um clima no qual homens e mulheres se sintam cômodos denunciando, se são vítimas de abuso sexual”, disse Alaimo.
O advogado de Weinstein, Ben Brafman, criticou “a incrível hipocrisia” de Argento e afirmou que isto demonstra que as acusações contra seu cliente carecem de sustentação. Mas, para Bennett Gershman, professor de direito da Universidade Pace e ex-promotor, as denúncias contra a atriz não terão nenhum impacto no caso Weinstein, porque o produtor não está sendo julgado por sua denúncia, mas sim por seis outros casos. “Isto é claramente irrelevante em termos de evidência. (Argento) Não foi testemunha de nada que o promotor estivesse investigando” e portanto não afeta o caso da promotoria contra Weinstein, opinou.
Todos os abusadores devem ser medidos com a mesma vara, afirma Tori Van Pelt, presidente da Organização Nacional de Mulheres dos Estados Unidos. “O movimento #MeToo é a exposição de abusos e assédios sexuais cometidos por aqueles que estão em posição de poder, e não importa quem são essas pessoas. É um crime”, concluiu. Mas acrescentou que nada muda a denúncia de estupro de Argento por parte de Weinstein. “O que lhe aconteceu, aconteceu, e não importa o que aconteceu depois”.