“Anauê!” De origem tupi, essa é uma saudação resgatada pela Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento político que defendia o corporativismo na economia, combatia os valores liberais e colocava-se contrário ao comunismo. De cunho nacionalista, a AIB foi liderada pelo escritor modernista Plínio Salgado (1895-1975), no início dos anos 1930, e seus apoiadores foram apelidados por adversários como “galinhas verdes”, referência direta à cor das camisas que usavam. “Venham ver os ‘galinhas verdes’ cantarem de galo no Brasil”, provoca o jornalista Eduardo Bueno, em episódio do Não vai cair no Enem, quadro publicado em 21 de março no canal Buenas Ideias, no YouTube.
Em nove minutos Eduardo contextualiza o surgimento o movimento político associado ao fascismo de Benito Mussolini (1883-1945), que encontrou adeptos em momento decisivo da história brasileira, período de gestação da Constituinte de 1934, em pleno governo de Getúlio Vargas.
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Para se tornar youtuber, Eduardo aceitou o convite do humorista Marcelo Madureira, que insistiu para que ele criasse o canal voltado para retratar os acontecimentos que mudaram os rumos do país. Colocou, porém, algumas condições: ter liberdade para escolher e apresentar os fatos, poder recorrer à ironia sem se render ao politicamente correto. “Foi ideia do Marcelo, que tem uma produtora para o YouTube”, diz. Além de admirar o trabalho do Casseta & Planeta, o contato com Madureira se estreitou durante a gravação da mesa-redonda Extraordinários, que foi ao ar pelo Sport TV na Copa do Mundo de 2014. Era apresentada por Eduardo, Maitê Proença e Xico Sá, que recebiam para o bate-papo um dos “cassetas”. “Sempre admirei os caras, que debocham de tudo e de todos”, afirma.
A primeira convocação de Madureira foi para que os dois apresentassem, já em formato para o YouTube, o programa Contraditórios. “A ideia é que escolhêssemos um assunto polêmico e cada um defendesse ‘violentamente’ um ponto de vista e depois mudasse de lado para argumentar em favor do outro ponto de vista com a mesma intensidade.” Claro que o termo violentamente não tem, nesse caso, nenhuma relação com agressão física, aspecto que Eduardo repudia, inclusive, diante da polarização da política nacional. Refere-se à construção visceral de uma argumentação. “O Madureira diz que sou daquele jeito na vida real. Diz que sou a cara da internet. Eu respondo: cara, não me ofende. Sou muito mais bonito do que a internet.”
Aliás, crítico à polarização, Eduardo não se vê como de esquerda ou direita. “Tenho uma pegada anarquista”, afirma. Considera que o viés ideológico costuma ser prejudicial à historiografia. “Cresci no regime militar, uma história autoritária e manipulada. Anos depois, veio o PT e ficou 16 anos no poder. Aí, nos livros de história, Chávez e Maduro aparecem como heróis”, alfineta, em referência ao que ele considera como postura de defesa, por parte da esquerda, a Hugo Chávez (1954-2013) e Nicolás Maduro, apesar de ambos serem contestados por parte da população da Venezuela.
Mesmo sendo possível identificar a angulação nos livros elaborados nos anos de governo petista, Eduardo destaca como positivo o espaço dado aos quilombolas e indígenas nesse mesmo período. Mas crítico que é, não deixa de questionar: as narrativas mostram apenas o “lado legal” desses grupos étnicos.
“Índio e negro são humanos. Quando Deus fez os humanos, errou em alguma coisa. Negro, índio, branco: os três experimentos deram errado. Mas, se somos humanistas, temos que ficar do lado dos oprimidos, que foram os índios e negros”, avalia.
Apesar de não poupar ironia tanto para a esquerda quanto para a direita, os episódios costumam agradar a público bem diverso. Mesmo evitando ser rotulado, ao tratar de temas como quilombos e favelas, agrada quem está mais à esquerda. Dessa forma, pode causar estranhamento o fato de os episódios de Não vai cair no Enem estarem no mesmo canal de Contraditórios. Marcelo Madureira apoiou manifestações do Movimento Brasil Livre (MBL), grupo à direita no espectro político brasileiro. Embora os dois discutam política entre si, concordam que “o jeito de afrontar esse país é pelo deboche e o conhecimento”, diz.
Não vai cair no Enem é feito sem roteiro, mas tem como referência o livro Brasil – Uma história: cinco séculos de um país em construção (Editora Leya). Mesmo não sendo historiador, Eduardo buscou em fontes primárias as informações para a publicação. Ele não pretende dar a opinião final sobre a questão. “Sempre digo: você acaba de ver generalizações e simplificações. Mas é uma vitória pessoal minha e do canal trazer essas indicações. Se as pessoas querem saber como as coisas de fato foram, têm que ler. Indico quatro livros e o meu”, afirma. Mas completa: “O extrato é mais efetivo e verdadeiro do que o mecanismo”, numa alusão à série que vai ao ar na Netflix e tem sido contestada quanto quanto ao respeito aos fatos históricos.
Eduardo comemora o lançamento do livro Brasil do Casseta (Editora Sextante), de autoria dos integrantes do Casseta & Planeta e reescrito a partir do seu livro Brasil – Uma história.
O canal tem 129 mil inscritos, mas o que Eduardo destaca é a “aderência do público”, o fato de que as pessoas assistem a tudo, de acordo com informações da própria plataforma. “O YouTube e o Facebook entraram em contato e disseram que as pessoas veem do início ao fim. Tem canal com 1 milhão de seguidores, mas, no meu caso, as visualizações são muito mais qualificadas. As pessoas não desistem”, brinca.
Para que os vídeos pudessem ser melhor monetizados, foi sugerido a Bueno que retirasse as indicações de livros do final. “Só faço por causa da bibliografia. Esse é o motivo pelo qual faço, sugerir que as pessoas leiam. Não retiramos e as pessoas estão indo até o fim. Faço igual à Marvel nos seus filmes, sempre coloco algo depois.”
Não vai cair no Enem foi listado como um dos 10 canais mais instrutivos do YouTube. Os três vídeos que obtiveram mais visualizações trataram da ditadura militar, do Barão de Mauá e do fenômeno das favelas.
Para comemorar o primeiro ano do canal, em 10 de maio, Eduardo irá para a Rússia durante a Copa do Mundo. Apesar de ser “gremista roxo”, a bola não estará entre os assuntos tratados. “Devo falar sobre a influência da Revolução Russa no Brasil, mostrar os acervos científicos dos museus da Rússia.”