Em uma tarde quente de Brasília, um jovem de cabelos fartos e encaracolados está sentado no meio-fio, entre dois carros, fumando tranquilamente em frente ao prédio do Correio Braziliense. Trajando shorts de futebol, uma regata surrada e um casaco, cuja manga direita ostenta um rasgo que vai do ombro ao antebraço, Francisco Ribeiro Eller, 24 anos, me recebe para uma entrevista com um largo sorriso.
Chico Chico, nome artístico adotado pelo filho de Cássia Eller e Maria Eugênia, entra na redação, pede um café, se espalha na cadeira e responde às perguntas com um misto de cuidado e ansiedade. “Não gosto de dar entrevistas. Antes, era ainda pior, porque todo mundo só queria falar sobre a minha mãe e eu ainda não tinha um trabalho que pudesse discutir.”
O discurso, apesar das ideias bem articuladas, traz um jeito ainda adolescente. Fala gírias e palavrões com a mesma naturalidade com que usa a gargalhada como defesa para a timidez — tal qual fazia Cássia. No encontro de pouco mais de meia-hora, ele falou sobre o primeiro disco (o elogiado 2x0 Vargem Alta, de 2015) e a gravação do segundo trabalho, ainda sem nome; da relação com Brasília e da influência da mãe em sua carreira artística.
Mas são 24 horas de “tunts-tunts”. Aí é difícil. Mas é uma baita sonzeira, bicho. Quando é bem-feita, é uma sonzeira bizarra. E tem esse disco, que não é bem do Kendrick Lamar, e a trilha sonora do Pantera Negra. Eu ainda não assisti ao filme, mas ouvi a trilha sonora é boa de doer, é um bagulho bizarro.
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Entrevista / Chico Chico
O que você tem ouvido atualmente?
No meu celular, acabei de baixar os sucessos do funk (começa a batucar na mesa e cantarola a melodia de Vai Malandra, de Anitta).
É mesmo? Você acha legal?
Demais! Só batidão bolado. E a última coisa que eu pirei muito também foi o Kendrick Lamar. Esse é o cara!
Ouvindo o som que você faz me causa surpresa saber que batidas eletrônicas e rap estão nos seus fones de ouvido...
Eu fui esse ano para o Universo Paralelo (festival de música eletrônica que ocorre na Bahia), e eu não aguentei porque é muito intenso, né?
Como assim?
A música realmente não para! Eu acho que se parasse, talvez, eu aguentasse. No seu primeiro disco, o 2x0 Vargem Alta tem muita influência de música brasileira e de um blues mais rasgado...
Tem, e do folk também. Eu procuro usar isso também, né? Não é algo que eu abandonei, mas o mundo é muito mais que isso. Música é muito mais que um violão. Assim como é muito mais do que teclas de computador. É tudo, né? Isso aqui tudo é (apontando para vários objetos na sala e suas possibilidades sonoras). Se ela (olhando para a fotógrafa que estava na sala) mexer em alguma coisa e fizer um barulho legal, a gente grava e já tem um lance aí.
A turma que gravou o primeiro disco, em 2015, é diferente da que está em estúdio com você agora?
Mais ou menos. Acho que só duas pessoas que tocaram no 2x0 Vargem Alta ainda continuam comigo, tocando no 13.7 (nova banda parceira de Chico Chico).
Desde então, o que você tem feito? Shows no Rio, fora de lá... Como está sendo essa rotina?
É, a gente tem tocado. Está sendo legal. A gente pretende sair um pouco mais do Rio. Volta e meia, a gente ainda faz São Paulo, Minas Gerais, tem algum projeto de vir para cá outra vez com a banda. Participamos, no CCBB de Brasília, do projeto Sai da rede. Mas é isso, a gente está gravando e querendo tocar, né, bicho? Seja lá onde for!
Falando nesses shows em Brasília, como é a sua relação com a cidade. Quais são as lembranças que você tem daqui?
(Coça o rosto e passa a mão nos cabelos) Então, assim... Bicho, a minha relação é com a casa do meu primo (filho da irmã de Eugênia, mãe de Chico Chico), mais do que com Brasília. Eu ainda não entendi essa cidade, ainda não saquei. Essa camisa que você está usando com os dizeres “Vai ver se estou lá na Esplanada” e com a palavra esquina riscada... É mais ou menos isso. Aqui não tem esquina e o Rio de Janeiro é uma esquina. O Rio, na verdade, é uma encruzilhada, mais que uma esquina, sacou? É um bagulho em que tudo acontece. E eu ainda não entendi isso aqui, as quadras são todas iguais (risos).
É difícil para você?
Eu só reconheço agora a quadra do meu primo, porque tenho ido bastante lá. Tem um negocinho de vinil lá perto que é maneiro. É isso. Não saquei essa cidade, entendeu, ainda é muito misteriosa para mim nesse sentido. Olho para a rua e não vejo gente, vejo carros. Hoje, a gente esbarrou com um amigo do meu primo no trânsito. No Rio, você esbarra na rua. É muito diferente!
Tem uma certa estranheza aí...
Muita. Para mim, é muito estranha. Estou sempre andando, sabe? Ainda mais em Santa Teresa, que é o bairro em que a gente fica, que é uma encruzilhada, da melhor e da pior que existe no Rio.
Você conhece a música que está sendo feita em Brasília?
O que eu conheço é por meio do meu primo (o percussionista Luiz Ungarelli), que conhece a galera da escola de choro (Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello). Eu não conheço muito bem pessoalmente, mas tive contato com gente como Ted Falcon e Pedro Martins. Agora, estou mais colado nessa galera desse jazz fritação. Mas, pessoalmente, de trocar muita ideia, não conheço. Só de assistir. Acho muito doido você vir aqui e escutar um choro de qualidade altíssima, inclusive acima do Rio, sabe? A coisa de ter escolas de música de respeito. Maneiro de ver.
Falando sobre o seu próximo trabalho. O que há de mais diferente em relação ao primeiro?
Eu tenho uma preocupação de incomodar. Não quero cair na mesmice, sabe? Às vezes, eu caio na minha própria mesmice, que é um erro como compositor, e que é algo que eu acho, inclusive, que cometi no 2x0 Vargem Alta. Mas, enfim, são processos, são coisas que a gente vai passando.
Você pode falar mais sobre isso? O que você está buscando na sonoridade?
É legal o que fiz no primeiro disco. Mas eu estou tentando fugir um pouco disso, sabe? Não abandonando, mas fugindo. Se é que isso faz sentido (risos). É uma preocupação com o que não quero ser. Eu quero causar estranheza. Quero que a galera escute e pergunte: “O que é isso?” Essa é minha maior preocupação no momento (risos). O primeiro trabalho é muito palatável. O segundo é diferente e a gente está comprando esse barulho.
Você falou em incomodar e causar estranheza e essas eram atitudes muito características da sua mãe...
(Interrompendo) Sim, sim, mas por outras vias, né? No início da carreira, ela foi muito mais ousada do que no final. Gravar Itamar (Assumpção) que, para mim, é o suprassumo da música, da ideia, de você pensar: “Que sonoridade é aquela?” Eu tenho até um ranço com o rock Brasília por causa disso. O lance estava em São Paulo e a mídia só olhava para cá. Tudo bem, sei que todo mundo tem de ter seu espaço, mas não foi o caso, né (risos)? O que ela cantou, sabe? O (Jards) Macalé, o (Luiz) Melodia e tudo o que vinha, né? A gente gosta de ser influenciado! Sabe? É pegar um cara como o Riachão e botar para o mundo. Poder conhecer a Ná Ozzeti... Ela é foda!
Continuando sobre a questão de querer incomodar e da semelhança com a Cássia...
Ah, sim! Acho que muito pelo comportamento no caso dela também. E, no início da carreira, muito em função do som. Mas, depois, tem aquela coisa... Vai ficando mais pop aqui e ali. Nada contra, eu me amarro, adoro os discos, os últimos. Mas, para mim, o primeiro (homônimo, de 1990) e o segundo, O marginal (1992)...
São seus preferidos?
Sim, eu diria que sim.
Quando você se ouve cantando e, depois, escuta algo da Cássia, como é a sensação? Tem uma semelhança absurda.
É, né? Porque eu nasci de lá, bicho. Se eu tivesse outra voz, seria estanho. Se eu fosse parecido com a pessoa de quem não sou filho, seria uma loucura. Está tudo certo, então (risos)!
Você quer falar sobre algo que eu não perguntei?
Não, está tudo perguntado!
Para você, quanto mais rápida a entrevista acabar, melhor?
Sim, está ótimo, que eu já fumo um cigarrinho (risos).