Agora só em 2019
Para se despedir da folia, a coluna HIT encerra a série de histórias carnavalescas escritas a seis mãos por autores convidados e publicada desde domingo passado. Quem fecha a série é o designer Gustavo Greco, o tecladista do Skank Henrique Portugal e o ator do Grupo Galpão
Paulo André. Todos tiveram liberdade para escrever suas histórias inspiradas na folia. A única exigência era que cada autor cumprisse o prazo de 24 horas para escrever o seu trecho e passá-lo adiante. Os textos de Sabrina Abreu, Cris Guerra, Fernanda Mello (publicados na edição de domingo), Ronaldo Ciambroni, Sérgio Abritta e Júnior de Souza (na segunda-feira), Afonso Borges, Jacques Fux e Paulo André (ontem) podem ser acessados no portal www.uai.com.br.
***
Não acabou... ainda!
Os olhos custaram a se abrir, em razão da sensação de areia invadindo a córnea. Na boca, que parecia seca, como o ar que mal circulava no quarto, o gosto era de metal. Passou a ponta dos dedos sobre os lábios e percebeu que estavam sujos de sangue. O receio
de que as consequências da noite anterior tivessem sido severas demais foi rapidamente substituído pela constatação de que o vermelho vinha do resto do batom.
Sentiu alívio. Experimentou, em seguida, um incômodo nas costelas, como se algo lhe cortasse a pele, que já vinha sofrida pelo excesso de sol daqueles dias. Eram as lantejoulas do bustiê carmim, que sua tia passara o último mês bordando para terminar ali, assim, dessa maneira.
A luz doía-lhe a vista e a alma. O lençol exalava um cheiro que não era seu. Esforçava-se para lembrar o que havia acontecido. Nada recente lhe vinha à cabeça. Mas, com clareza, recordou-se de quando era criança e de que sua mãe insistia em fantasiá-la de bailarina, enquanto ela desejava a fantasia de pirata, do irmão mais velho.
Não pelas peças do vestuário, mas pela promessa da liberdade de navegar em qualquer mar. E tentou reviver o dia anterior.
Buscou à sua volta pistas que a levassem a algum lugar, como também fazia com o jogo de tabuleiro preferido da sua juventude. Tudo parecia em seu devido lugar. Apenas duas coisas ali eram forasteiras: um vidro de aguardente e um broche de ametista. (Gustavo Greco)
***
Tentar lembrar do que havia acontecido só aumentava a dor de cabeça. Os sintomas físicos davam sinais de algo intenso, mas a alma dizia para não se preocupar. Nenhum recado no celular, nada diferente no Instagram. A ametista trouxe a lembrança de uma velha canção do Chico Buarque.
A vizinha resolveu ligar o rádio e a voz da Pabllo Vittar invadiu o seu quarto cantando Nocauteou, nocauteou. As costelas doeram novamente. O corpo implorava para ficar na cama, mas o fim da folia a fez se levantar e tomar um banho. A água acariciava o seu corpo, levando para o ralo os vestígios que poderiam indicar respostas.
Que perfume era aquele? Será que o broche teria um telefone? (Henrique Portugal, E)
***
Não. Dentro do broche não havia um telefone. Havia um bilhete. Um pequeno papel dobrado quatro vezes.
Nele, com caligrafia firme de quem escreve com força, estava escrito: NÃO ACABOU AINDA!
E no verso do bilhete, com letra miúda, os seguintes dizeres: Engula a ametista com a aguardente que ainda resta no vidro e venha se encontrar comigo!
Excitada e trêmula, ela fez o que o bilhete ordenava sem dúvida ou apreensão e um sabor amargo invadiu sua boca e a fez fechar os olhos em claro sinal de rejeição. Quando abriu os olhos novamente, ela estava inteiramente nua na Praça da Estação!
Era uma outra praça, a Praça da Estação. Uma outra praia, a praia da Estação!
Imensos gramados úmidos de um brilhante orvalho faziam um extraordinário tapete em toda extensão da praça. Árvores gigantescas produziam grandes e sombreadas alamedas. Enormes arco-íris permaneciam sempre no céu. Pássaros exóticos e multicoloridos voavam de canto a canto. O sol brilhava, mas não fazia calor. Não havia fome ou sede. E flores, muitas flores exalavam um perfume em toda a cidade.
A praça estava repleta de pessoas, todas nuas, todas em uma feliz e perene harmonia, compartilhavam um silêncio calmante e reparador. Ela sentiu sua mão ser tocada por outra mão, enquanto uma voz dizia em seu ouvido:
“Que bom que você veio! Estava à sua espera! Vem! Ainda não acabou!
Isto é só um começo!”(Paulo André)
Para se despedir da folia, a coluna HIT encerra a série de histórias carnavalescas escritas a seis mãos por autores convidados e publicada desde domingo passado. Quem fecha a série é o designer Gustavo Greco, o tecladista do Skank Henrique Portugal e o ator do Grupo Galpão
Paulo André. Todos tiveram liberdade para escrever suas histórias inspiradas na folia. A única exigência era que cada autor cumprisse o prazo de 24 horas para escrever o seu trecho e passá-lo adiante. Os textos de Sabrina Abreu, Cris Guerra, Fernanda Mello (publicados na edição de domingo), Ronaldo Ciambroni, Sérgio Abritta e Júnior de Souza (na segunda-feira), Afonso Borges, Jacques Fux e Paulo André (ontem) podem ser acessados no portal www.uai.com.br.
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Não acabou... ainda!
Os olhos custaram a se abrir, em razão da sensação de areia invadindo a córnea. Na boca, que parecia seca, como o ar que mal circulava no quarto, o gosto era de metal. Passou a ponta dos dedos sobre os lábios e percebeu que estavam sujos de sangue. O receio
de que as consequências da noite anterior tivessem sido severas demais foi rapidamente substituído pela constatação de que o vermelho vinha do resto do batom.
Sentiu alívio. Experimentou, em seguida, um incômodo nas costelas, como se algo lhe cortasse a pele, que já vinha sofrida pelo excesso de sol daqueles dias. Eram as lantejoulas do bustiê carmim, que sua tia passara o último mês bordando para terminar ali, assim, dessa maneira.
A luz doía-lhe a vista e a alma. O lençol exalava um cheiro que não era seu. Esforçava-se para lembrar o que havia acontecido. Nada recente lhe vinha à cabeça. Mas, com clareza, recordou-se de quando era criança e de que sua mãe insistia em fantasiá-la de bailarina, enquanto ela desejava a fantasia de pirata, do irmão mais velho.
Não pelas peças do vestuário, mas pela promessa da liberdade de navegar em qualquer mar. E tentou reviver o dia anterior.
Buscou à sua volta pistas que a levassem a algum lugar, como também fazia com o jogo de tabuleiro preferido da sua juventude. Tudo parecia em seu devido lugar. Apenas duas coisas ali eram forasteiras: um vidro de aguardente e um broche de ametista. (Gustavo Greco)
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Tentar lembrar do que havia acontecido só aumentava a dor de cabeça. Os sintomas físicos davam sinais de algo intenso, mas a alma dizia para não se preocupar. Nenhum recado no celular, nada diferente no Instagram. A ametista trouxe a lembrança de uma velha canção do Chico Buarque.
A vizinha resolveu ligar o rádio e a voz da Pabllo Vittar invadiu o seu quarto cantando Nocauteou, nocauteou. As costelas doeram novamente. O corpo implorava para ficar na cama, mas o fim da folia a fez se levantar e tomar um banho. A água acariciava o seu corpo, levando para o ralo os vestígios que poderiam indicar respostas.
Que perfume era aquele? Será que o broche teria um telefone? (Henrique Portugal, E)
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Não. Dentro do broche não havia um telefone. Havia um bilhete. Um pequeno papel dobrado quatro vezes.
Nele, com caligrafia firme de quem escreve com força, estava escrito: NÃO ACABOU AINDA!
E no verso do bilhete, com letra miúda, os seguintes dizeres: Engula a ametista com a aguardente que ainda resta no vidro e venha se encontrar comigo!
Excitada e trêmula, ela fez o que o bilhete ordenava sem dúvida ou apreensão e um sabor amargo invadiu sua boca e a fez fechar os olhos em claro sinal de rejeição. Quando abriu os olhos novamente, ela estava inteiramente nua na Praça da Estação!
Era uma outra praça, a Praça da Estação. Uma outra praia, a praia da Estação!
Imensos gramados úmidos de um brilhante orvalho faziam um extraordinário tapete em toda extensão da praça. Árvores gigantescas produziam grandes e sombreadas alamedas. Enormes arco-íris permaneciam sempre no céu. Pássaros exóticos e multicoloridos voavam de canto a canto. O sol brilhava, mas não fazia calor. Não havia fome ou sede. E flores, muitas flores exalavam um perfume em toda a cidade.
A praça estava repleta de pessoas, todas nuas, todas em uma feliz e perene harmonia, compartilhavam um silêncio calmante e reparador. Ela sentiu sua mão ser tocada por outra mão, enquanto uma voz dizia em seu ouvido:
“Que bom que você veio! Estava à sua espera! Vem! Ainda não acabou!
Isto é só um começo!”(Paulo André)