“A neein”, “arreda”, “bololô”, “manota”, “lambiscar”... Quem vive na capital mineira certamente não terá dificuldade para entender qualquer uma dessas expressões. Mas são os turistas o público-alvo do Dicionário popular da língua belo-horizontina. O projeto teve início durante as comemorações dos 120 anos da cidade, em 2017, e evoluiu para uma publicação impressa, distribuída agora como brinde em lojas do Aeroporto Internacional de Belo Horizonte. A versão digital será disponibilizada nos próximos dias.
Para o lançamento do Dicionário, foi convidado o professor Pasquale Cipro Neto, referência em estudos da língua portuguesa. Ele participa hoje de evento para convidados, na Academia Mineira de Letras. “Esses regionalismos são interessantes porque também envolvem um pouco do sotaque. Além do valor semântico, muitas das palavras são ditas e grafadas de um jeito revelador”, observa Pasquale.
A aglutinação de palavras, muitas vezes usada de forma irrestrita, já faz parte da fama dos mineiros. A interjeição “nú!” é exemplo recorrente, usada princq1ipalmente para manifestar espanto – uma possível abreviação de “Nossa Senhora!”. Chama a atenção de Pasquale o termo “doncovim”, em que se une quatro palavras (“de onde eu vim”) para manifestar um sentimento de desorientação.
O professor defende que é importante documentar o fenômeno de criação dessas palavras e dos novos significados a termos já existentes. “Essas expressões são naturais, toda comunidade tem suas peculiaridades linguísticas. ‘Copo sujo’, que é o ‘boteco de estimação’ do belo-horizontino, é uma expressão que eu nunca tinha ouvido. Em São Paulo, nós chamamos de ‘sujinho’”, observa o professor. No Rio de Janeiro, por exemplo, a expressão análoga é “pá sujo”.
Entre os novos significados criados pelos belo-horizontinos, o Dicionário lista “lua”, referência aos dias de intenso calor, e “x-tudo”, o sanduíche que reúne diversos ingredientes.
Paulista, Pasquale vive até hoje em São Paulo, mas frequenta com regularidade a cidade mineira de Sacramento, terra de sua esposa Juliana. Ele observa que expressões do interior, não tão comuns na capital, ficaram de fora do Dicionário, a exemplo do verbo “sungar”, usado no sentido de “suspender”.
PRECONCEITOS O professor diz que movimentos como esses não afetam à norma culta da língua portuguesa. “Existe um mito muito ruim de que todo mundo deveria falar do mesmo jeito. Além de impossível, é algo nem um pouco desejável, porque todo mundo tem suas particularidades. No Brasil, existe esse mito de que todos deve se expressar 24h por dia na variedade formal da língua”, afirma.
Ele pondera, entretanto, que a contracorrente de tal pensamento também pode operar por caminhos arriscados. Não seria adequado, afinal, se expressar liberalmente em qualquer situação. “Entendo que a nossa fala é como a nossa roupa: a gente escolhe de acordo com a ocasião. Não tem a ver com preconceito, mas certas variedades não funcionam em determinadas situações, até porque são restritas. Se falo em São Paulo que estou ‘garrado’, ninguém vai entender”, aponta Pasquale.
• TREM DE DOIDO
Confira outros verbetes:
» a neein adj. Não. Nunca. Jamais. Só depois de morto. É a expressão máxima da negação. Geralmente, vem acompanhada de testa franzida e sucedida por palavra de baixo calão.
» ali adj. Palavra que mede qualquer distância. Por isso, é utilizada para indicar objetos próximos ou novas galáxias. Se um belo-horizontino disser que “só vai ali e já volta” não o espere para o jantar. Se ele disser que “é logo ali”, prepare o solado.
» amendoim s.m. Em muitas culturas, é o substantivo para um alimento saboroso e nutritivo. Em Belo Horizonte, é o nome dado a uma rua que desafia as leis da gravidade.
» garrado adj. É quando o belo-horizontino diz que vai. Aliás, é quando ele diz que vai com certeza, que não fará outra coisa na vida a não ser ir em determinado lugar. “Vai à festa hoje? Tô garrado!”. É o contrário do “Vamo marcá”.
» ovo s.m. Apesar de ser o alimento que compõe o feijão-tropeiro, é uma palavra muito utilizada para designar cidades onde todo mundo se conhece. BH é um ovo. Um ovo é BH. Só não se sabe quem nasceu primeiro.
» praia s.f. É da Estação. Por isso, acontece em todas épocas do ano. Ponto de encontro entre jovens de todas as idades. A praça vira praia quando se liga o chafariz ou o caminhão-pipa chega. Ingredientes: cadeira, filtro solar e Catuaba. Modo de preparo: agite bem.
Para o lançamento do Dicionário, foi convidado o professor Pasquale Cipro Neto, referência em estudos da língua portuguesa. Ele participa hoje de evento para convidados, na Academia Mineira de Letras. “Esses regionalismos são interessantes porque também envolvem um pouco do sotaque. Além do valor semântico, muitas das palavras são ditas e grafadas de um jeito revelador”, observa Pasquale.
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O professor defende que é importante documentar o fenômeno de criação dessas palavras e dos novos significados a termos já existentes. “Essas expressões são naturais, toda comunidade tem suas peculiaridades linguísticas. ‘Copo sujo’, que é o ‘boteco de estimação’ do belo-horizontino, é uma expressão que eu nunca tinha ouvido. Em São Paulo, nós chamamos de ‘sujinho’”, observa o professor. No Rio de Janeiro, por exemplo, a expressão análoga é “pá sujo”.
Entre os novos significados criados pelos belo-horizontinos, o Dicionário lista “lua”, referência aos dias de intenso calor, e “x-tudo”, o sanduíche que reúne diversos ingredientes.
Paulista, Pasquale vive até hoje em São Paulo, mas frequenta com regularidade a cidade mineira de Sacramento, terra de sua esposa Juliana. Ele observa que expressões do interior, não tão comuns na capital, ficaram de fora do Dicionário, a exemplo do verbo “sungar”, usado no sentido de “suspender”.
PRECONCEITOS O professor diz que movimentos como esses não afetam à norma culta da língua portuguesa. “Existe um mito muito ruim de que todo mundo deveria falar do mesmo jeito. Além de impossível, é algo nem um pouco desejável, porque todo mundo tem suas particularidades. No Brasil, existe esse mito de que todos deve se expressar 24h por dia na variedade formal da língua”, afirma.
Ele pondera, entretanto, que a contracorrente de tal pensamento também pode operar por caminhos arriscados. Não seria adequado, afinal, se expressar liberalmente em qualquer situação. “Entendo que a nossa fala é como a nossa roupa: a gente escolhe de acordo com a ocasião. Não tem a ver com preconceito, mas certas variedades não funcionam em determinadas situações, até porque são restritas. Se falo em São Paulo que estou ‘garrado’, ninguém vai entender”, aponta Pasquale.
• TREM DE DOIDO
Confira outros verbetes:
» a neein adj. Não. Nunca. Jamais. Só depois de morto. É a expressão máxima da negação. Geralmente, vem acompanhada de testa franzida e sucedida por palavra de baixo calão.
» ali adj. Palavra que mede qualquer distância. Por isso, é utilizada para indicar objetos próximos ou novas galáxias. Se um belo-horizontino disser que “só vai ali e já volta” não o espere para o jantar. Se ele disser que “é logo ali”, prepare o solado.
» amendoim s.m. Em muitas culturas, é o substantivo para um alimento saboroso e nutritivo. Em Belo Horizonte, é o nome dado a uma rua que desafia as leis da gravidade.
» garrado adj. É quando o belo-horizontino diz que vai. Aliás, é quando ele diz que vai com certeza, que não fará outra coisa na vida a não ser ir em determinado lugar. “Vai à festa hoje? Tô garrado!”. É o contrário do “Vamo marcá”.
» ovo s.m. Apesar de ser o alimento que compõe o feijão-tropeiro, é uma palavra muito utilizada para designar cidades onde todo mundo se conhece. BH é um ovo. Um ovo é BH. Só não se sabe quem nasceu primeiro.
» praia s.f. É da Estação. Por isso, acontece em todas épocas do ano. Ponto de encontro entre jovens de todas as idades. A praça vira praia quando se liga o chafariz ou o caminhão-pipa chega. Ingredientes: cadeira, filtro solar e Catuaba. Modo de preparo: agite bem.