Somadas, as cifras destinadas à cultura no orçamento da Prefeitura de Belo Horizonte para 2018 parecem apontar ganhos para o setor – sobretudo em comparação a 2017, quando o Executivo fez cortes drásticos nos já escassos recursos previstos para a área na Lei Orçamentária Anual (LOA) daquele ano. De acordo com dados divulgados no site da Câmara Municipal, o valor aprovado pelos vereadores para a área cultural é de R$ 80,95 milhões – 9,5% a mais do que os R$ 74,14 milhões da LOA 2017. Qualquer otimismo, contudo, se dissipa diante das planilhas da Gerência de Orçamento e Finanças da Secretaria de Municipal de Cultura (SMC). Mapa detalhado do destino desse dinheiro, elas avisam: os tempos ainda são de vacas bem magras.
Dos R$ 80,95 milhões destinados ao setor na capital, o que de fato caberá à Fundação Municipal de Cultura (FMC) corresponde a R$ 59 milhões – R$ 2,57 milhões a mais do que o montante reservado à FMC em 2017, já depois dos cortes que alarmaram a classe artística da cidade. Recriada no bojo da reforma administrativa articulada pelo prefeito Alexandre Kalil, a Secretaria Municipal de Cultura levará R$ 3,94 milhões. A verba se destina exclusivamente ao custeio da nova estrutura, comandada por Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura.
A conta inclui ainda R$ 899,4 mil direcionados ao Fundo de Proteção ao Patrimônio Histórico e à Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura. Outros R$ 5,3 milhões estão vinculados a encargos gerais do município. Fecham a soma os R$ 11,77 milhões do Fundo Municipal de Cultura – mecanismo de financiamento direto de ações, praticamente zerado na reprogramação orçamentária do ano passado.
“Conseguimos pelo menos manter o que tínhamos. Num quadro em que só vemos perdas na cultura no país inteiro, consideramos isso positivo. A partir daí, tentamos arrumar a casa e avançar”, avalia a vereadora e atriz Cida Falabella (PSOL). Defensora da criação da Secretaria Municipal de Cultura, ela acredita que a pasta é aliada na briga por mais recursos para o setor.
“Colocamos a cultura em um outro espaço dentro da prefeitura, sem prejuízo à Fundação, que segue robusta, gerenciando vários equipamentos culturais por toda a cidade. Diante dos benefícios que podemos colher, o custo do novo braço administrativo é quase simbólico”, comenta Cida.
BUROCRACIA Oposição ao governo Kalil, o vereador Arnaldo Godoy (PT) diz que o ressurgimento da pasta aumentou o custo da burocracia municipal e não contribuiu para ampliar as verbas do setor.
“Pelo contrário, o dinheiro da cultura diminuiu. Ano passado, representava 0,8% do valor total do orçamento. Este ano ficou com 0,6%. Tudo bem que estamos em crise nacional e não houve ganho real em nenhum setor. Mas a cultura foi uma das áreas que mais sofreram redução. Isso preocupa, porque estamos falando da LOA, uma previsão de recursos que ainda será modificada pelo Executivo. O Kalil ainda pode cortar e realocar verbas, exatamente como fez no ano passado. E note que curioso: enquanto a área cultural perdeu dinheiro, o gabinete do prefeito concentrou bem mais – aumentou de R$ 5 milhões, em 2017, para R$ 35 milhões. O Kalil se elegeu com o discurso de enxugamento da máquina, mas parece que encontrou uma maneira de centralizar o poder”, diz Arnaldo Godoy.
FESTIVAIS O clima é de incerteza entre os integrantes da classe artística, sobretudo devido às mudanças orçamentárias ocorridas no ano passado. Ao modificar a LOA 2017, a PBH chegou a excluir os festivais de Arte Negra (FAN) e Internacional de Quadrinhos (FIQ), além da Virada Cultural, das chamadas ações finalísticas do município. Pressionada, voltou atrás e prometeu garantir dinheiro para a realização dos eventos em 2017. O FIQ e a Virada, no entanto, acabaram adiados para este ano, sob a alegação de que as verbas não chegariam a tempo hábil para que ocorressem.
Marcado para 30 de maio a 3 de junho, o FIQ contará com R$ 400 mil estipulados no orçamento de 2018. À Virada Cultural, sem data acertada, caberá a fatia de R$ 800 mil. Para o Festival Internacional de Teatro Palco e Rua (FIT-BH), previsto para setembro, foram reservados R$ 2,8 milhões. Para cobrir os gastos de todos esses festivais será necessário captar recursos por meio das leis de incentivo.
“Estamos ainda um pouco perdidos, né? Ano passado foi terrível, agora ainda não sabemos como as coisas serão. O orçamento definido para a cultura em 2018 é, com certeza, muito baixo. Apesar da abertura para o diálogo, a secretaria e a FMC ainda agem de forma muito lenta, a organização das ações na cidade fica prejudicada. Podemos comemorar, mesmo, apenas algumas mudanças na LOA, como a que permite captar dinheiro para projetos com duração superior a cinco anos por três anos seguidos”, afirma o ator Jonnatha Horta, integrante do Grupo Officina Multimédia.
Três perguntas para...
Gabriel Portela,
secretário-adjuntode Cultura de BH
O orçamento da cultura sofreu sucessivas reduções nos últimos quatro anos. Além disso, nota-se que os recursos poderiam ser melhor executados. A execução orçamentária de 2016, por exemplo, foi inferior a 70%. Como a pasta pretende conduzir essa questão em 2018?
Quando assumimos a pasta da Cultura, em setembro de 2017, observamos que apenas 50% do orçamento do ano passado estava executado. Do ponto de vista da gestão, era um cenário desafiador. Montamos uma força-tarefa interna para replanejar os valores que ainda não haviam sido executados, mesmo tendo em vista o curto prazo até o encerramento do exercício fiscal. Para 2018, estamos aguardando a reprogramação orçamentária para que possamos definir o nosso calendário e garantir a totalidade da execução do orçamento.
Ano passado, o prefeito Alexandre Kalil fez cortes drásticos na verba destinada ao setor cultural, que já era deficitária em relação a 2016. Se houver redução parecida agora, a situação de 2018 ficará pior do que a de 2017. A Secretaria Municipal de Cultura e o prefeito estão discutindo essa questão?
Estamos ainda aguardando a reprogramação orçamentária da prefeitura. Só após essa definição é que teremos a visão completa do cenário. Contudo, cabe destacar que o secretário Juca Ferreira tem estabelecido uma série de diálogos com o prefeito para garantir e ampliar o orçamento das políticas culturais do município.
A classe artística se queixa de morosidade e da desorganização da PBH na realização de eventos. A secretaria está atenta a isso?
Festivais e eventos estão em fase de planejamento e pré-produção. O FIT, inclusive, já está com um encontro público marcado para terça-feira, 16 de janeiro, às 19h, no Teatro Marília, com o objetivo de apresentar o planejamento, o formato de curadoria e gestão, abrindo a escuta para a construção coletiva do festival. Também está em processo de planejamento e pré-produção a temporada do Festival de Arte Negra (FAN). Quanto à Virada, assim como os outros eventos executados pela SMC e FMC, ela se encontra em processo de avaliação e planejamento.
LEI ESTADUAL
O governador Fernando Pimentel vai sancionar nesta segunda-feira (15), às 11h, no Palácio da Liberdade, o projeto de lei que institui o Sistema Estadual de Cultura, o Sistema de Financiamento à Cultura e a Política Estadual de Cultura Viva. A iniciativa propõe fundamentar políticas públicas de longo prazo no campo cultural, democratizar o acesso a esses mecanismos e construir um sistema unificado de financiamento de projetos do setor.