Morre o cineasta Fernando Birri, 'pai do novo cinema latino-americano'

Argentino foi diretor de importantes filmes, autor de livros teóricos e de poesia, pintor e professor de várias gerações

por Pablo Pires Fernandes 29/12/2017 10:08

IILA/Reprodução
Cineasta teve longa relação com o Brasil em sua produção audiovisual. (foto: IILA/Reprodução)

O cineasta argentino Fernando Birri morreu na quarta-feira (27) aos 92 anos, em Roma. Conhecido como “o pai do novo cinema latino-americano”, Birri deixou um grande legado para a cultura cinematográfica, com filmes importantes, embora não tão conhecidos no Brasil, mas também livros teóricos, muitos escritos sobre a história do cinema latino e desenhos e pinturas, poemas e, sobretudo, ideias.


Birri era um idealista e a arte, em suas diversas manifestações, era seu instrumento de luta. Para tal, tornou-se, além de cineasta, um importante educador e foi fundador da Escola Latino-Americana de Documentários de Santa Fé, na Argentina, onde foi professor de Maurice Capovilla e Vladimir Herzog. Com Gabriel García Marquez, foi criador da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños, em Cuba. Recebeu inúmeras homenagens e foi um militante muito ativo nos festivais de cinema – em Berlim, na Áustria, em Roma etc. –, contribuindo para a integração e articulação entre produtores, cineastas e jovens realizadores.

 

Sua ligação com o Brasil se estendia a grandes amizades: Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha, que o acolheu no Rio de Janeiro quando fugia da ditadura argentina, ou Orlando Senna e Sérgio Muniz, seus colegas em Cuba. Em 2005, o festival É Tudo Verdade prestou um tributo ao cineasta e, em 2006, foi condecorado com a Ordem de Mérito Cultural pelo então ministro da Cultura Gilberto Gil. No mesmo ano, apresentou uma aula-magna por ocasião do 1º Festival de Cinema Latino-Americano, em São Paulo, quando discorreu sobre a imagem, ou “imageria”, algo que considerava maior e mais amplo do que o conceito de cinema. Birri pensava longe e já intuía, desde então, os tempos em que a imagem se sobrepõe às palavras.

 

 

Em entrevista à Revista Pesquisa Fapesp, também em 2006, destacou a importância da teoria para o Cinema Novo brasileiro. “O Brasil sempre foi um ambiente de buscas, estudos, inquietudes e preocupações, capaz de sinalizar rumos. Aqui a elaboração teórica do cinema alcançou realmente um nível muito alto, comparado a outros países da América Latina.”


Sua obra é vasta – dirigiu mais de 15 filmes e obras para a televisão, a última este ano – e revela a inquietude de um criador preocupado com as injustiças á sua volta. Estreou em 1959 com La primera fundación de Buenos Aires e Buenos Aires, Buenos Aires, dois curtas sobre a capital argentina. No entanto, sua importância para o cinema latino-americano, que absorveu a poética crua do Neorrealismo italiano de Roberto Rosselini e Vittorio De Sica, ocorreu com Tiré-Die – Jogue uma moeda, lançado em 1960. É um documentário de média-metragem sobre as condições miseráveis das crianças de Santa Fé, sua província natal.


Realizou outros filmes importantes, como Los inundados (1962), comédia dramática em que, novamente, mescla traços de crítica social a dramas familiares, e Org (1979), um atormentado mergulho sobre as relações entre mente, espírito e corpo, que faz clara alusão aos momentos das ditaduras latino-americanas.


Em sua página no Facebook, o cineasta Luiz Carlos Lacerda lamentou a morte do colega e professor. “Era a vedete das entrevistas coletivas, com sua inteligência, seu esoterismo particular, seu extremo senso de humor e sua defesa intransigente do cinema da América Latina. Contra o dragão da maldade das majors e da colonização cultural.”

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