

Alexandre II foi um reformista. Decretou o fim da servidão, maior tolerância com a imprensa e certa liberdade de opinião, além de prometer a criação de uma assembleia consultiva. Os inimigos externos da Rússia já não representavam qualquer ameaça. Os poloneses e lituanos, os suecos, os tártaros, o Império Otomano e, por fim, até Napoleão e os ventos revolucionários franceses tinham sido derrotados.
No entanto, na segunda metade do século 19, a ausência de mudanças agravou os problemas internos, sobretudo a servidão, que impedia o desenvolvimento agrícola e industrial. A insatisfação era sentida no campo, com a eclosão de diversas revoltas. Os ventos europeus carregando ideias liberais, socialistas, constitucionalistas e republicanas atingiram a classe média russa no setor mais delicado para a monarquia: os militares.
É no contexto de uma sucessão de guerras desastrosas, endividamento da Coroa russa e desorganização da economia que o desabastecimento e a fome se alastraram. Somaram-se a esses fatores o crescente ódio ao czarismo por séculos de massacres e repressão a qualquer oposição. Assim, foi criado o caldeirão da revolução que explodiu em 1917, nos termos de John Reed, naqueles 10 dias que abalaram o mundo.
REVOLTA DOS
DEZEMBRISTAS
Quando Alexandre I (1801-1825) invadiu a França, depois da vitória sobre Napoleão, viu-se obrigado a garantir a preservação da Constituição francesa no território ocupado. Enquanto permaneceu em Paris, o oficialato e soldados russos vivenciaram muitas contradições: os militares que derrotaram Napoleão assistiram ao imperador permitir que os franceses tivessem a sua Constituição, não conseguindo entender por que não podiam igualmente tê-la na Rússia. Por seu turno, os soldados tampouco compreendiam por que os camponeses franceses tinham mais direitos e liberdades do que os de seu país. Ao retornarem à Rússia, foi na sucessão de Alexandre I que explodiu, em dezembro de 1825, aquilo que ficou conhecido como a Revolta dos Dezembristas. Boa parte dos oficiais se recusou a jurar lealdade ao novo czar, Nicolau I (1825-1855), exigindo uma série de reformas, entre elas uma Constituição e a abolição da servidão. Tal movimento, e o seu brutal massacre, ocorreu em dezembro de 1825, daí a origem de seu nome, que hoje perdura na praça ao lado do Palácio de Inverno de São Petesburgo.
OPOSIÇÃO
INTELECTUAL
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GUERRA E
REFORMAS
Ao longo do século 19, a monarquia e a aristocracia russas foram paulatinamente encurraladas. Nicolau I, que ascendeu ao poder em 1825 massacrando os oficiais dezembristas, tentou unificar a Rússia sob a ameaça do inimigo externo. Ele empurrou o país para um conflito trágico: a Guerra da Crimeia (1853-1856). Enfrentando França, Inglaterra e o Império Otomano, a Rússia foi derrotada. Com a morte de Nicolau I, em 1855, coube ao filho, Alexandre II, arcar com o ônus financeiro, social e político. Para não perder a coroa, Alexandre II anunciou várias reformas, incluindo o fim da servidão. Mas a proposta de diálogo chegou tarde. O ódio ao czarismo crescia e Alexandre II sofreu cinco atentados. Em 1º de março de 1881, duas bombas explodiram sobre a carruagem do czar – estraçalhando suas pernas e o condenando à morte – no exato local onde foi erguida a Igreja do Sangue Derramado, em São Petersburgo.
REPRESSÃO
E IRONIA
Diferentemente de Alexandre II, seu filho Alexandre III se voltou à Rússia tradicional, tornando-se um brutal repressor. Lançou a polícia secreta sobre seus adversários, fechou jornais de oposição, prendeu à revelia, torturou, assassinou e avançou sobre os movimentos nacionalistas. Se os novos atores políticos e sociais que despontavam na Rússia seriam, por si, suficientes para desestabilizar a monarquia, foi a dura repressão de Alexandre III que serviu para isolá-la. Em sua ânsia de frear a história, mandou enforcar um xará, de sobrenome Ulyanov, cujo irmão mais novo se torna conhecido na história pelo codinome de Lênin. Por ironia, foi o segundo Ulyanov quem decidiu o destino do filho do czar Alexandre III, Nicolau II, chamado o Pacificador. A ordem partiu de Moscou, de Lênin e do líder bolchevique Yakov Sverdlov. Nicolau II, a mulher, o filho, as quatro filhas, o médico da família imperial, um servo pessoal, a camareira da imperatriz e o cozinheiro da família foram executados na madrugada de 16 para 17 de julho de 1918, em Ecaterimburgo. Foi o fim do czarismo, aquele que Alexandre III, com sua truculência, acreditava perpetuar.
NOVOS ATORES
Na cena política, novos atores passaram a desempenhar papel fundamental na criação de condições para a Revolução de 1917: camponeses, operários urbanos a incipiente burguesia industrial russa. Mesmo com a abolição da servidão, as diferenças de classe no campo continuaram existindo e mantendo viva a insatisfação com a monarquia. Na virada do século 20, apenas 20% da população russa vivia nas cidades. Foram os camponeses que integraram a linha de frente das jornadas de fevereiro e outubro, pois a maioria dos soldados do Exército era filha de famílias camponesas e alimentava ódio contra a nobreza e a aristocracia que os oprimia. Nas cidades, a industrialização ainda era incipiente. De um lado, a pequena burguesia. De outro, um operariado em péssimas condições de trabalho e subsistência. A ausência de direito de greve e de organização e a proibição de sindicatos e manifestações – reprimidas pela polícia – fomentaram o radicalismo e a aceitação dos ideais revolucionários. A burguesia industrial, que poderia ter liderado a transição da Rússia czarista para uma monarquia constitucional ou para uma República, não encontrou espaço político para transformações efetivas no regime, fazendo com que a monarquia, aristocracia e clero se fechassem em defesa do absolutismo.
ABALOS NO
CZARISMO
Em meio ao envolvimento da Rússia na guerra contra o Japão, que resultaria em uma vergonhosa derrota, em 9 de janeiro de 1905, uma manifestação de trabalhadores tentou levar ao czar uma petição por melhores condições de vida. A manifestação foi um massacre – números variam de 300 a mil mortos –, conhecida como Domingo Sangrento. O evento arrastou uma onda de furor e revolta por toda a Rússia. Vários conselhos operários de inspiração anarquista, chamados soviets, foram criados para tentar reagir. No interior, os camponeses iniciam ocupações exigindo reforma agrária, queimando e pilhando grandes propriedades. Entre os militares, a tripulação do encouraçado Potemkin se rebelou em junho e, com ela, a frota do Mar Negro. Diante da guerra externa e da crescente insurreição interna, o czar Nicolau II cedeu às pressões dos setores liberais russos e assinou a Carta de Outubro. Com ela, “concedeu” a liberdade de expressão, liberou o direito de organização partidária e convocou eleições para a Duma (Parlamento), acenando com a ideia de uma monarquia constitucional. Mas as divergências entre os líderes da revolução fizeram com que, gradativamente, o czar voltasse a controlar a situação e iniciasse uma brutal repressão.
A PRIMEIRA
GUERRA
Outra guerra tornou a situação do czar Nicolau II insustentável. Desta vez contra o Império Alemão, com o melhor exército e pela mais dinâmica economia do período. Diante da ameaça alemã nos Bálcãs, área de interesse e influência da Rússia, o czar entrou no conflito, aliado aos franceses e ingleses, atacando o Império Otomano e o Império Austro-húngaro. Essa prolongada guerra, para a qual nenhum dos países envolvidos estava preparado, de todos cobrou alto preço. Rebeliões no Exército francês, no austríaco e no russo se armavam. Mesmo o Império Alemão, de excelente infraestrutura econômica e logística, apresentava rachaduras sociais e em suas frentes de conflito. A Rússia, o oposto dessa organização, pagou o preço por seu atraso.
LÊNIN E O
IMPERIALISMO
Depois que seu irmão foi condenado à morte pela polícia de Alexandre III, Lênin foi expulso da Universidade Imperial de Kazan aparentemente por pertencer a organizações estudantis que representavam minorias étnicas. Conseguiu concluir o curso de direito na Faculdade de São Petersburgo, vinculando-se ao Partido Operário Social Democrata Russo. Inicialmente se inclina às ideias de Gueorgui Plekhanov (1856-1918): a Rússia evoluía do feudalismo para o capitalismo e, somente após o desenvolvimento deste, se transformaria numa sociedade socialista. Nesse processo, os operários urbanos teriam papel central. Mas Lênin também conviveu com membros de uma corrente popular denominada narodniks ou populistas, segundo a qual o papel central no processo de transformação do Estado caberia aos camponeses e que, através de organizações comunitárias e cooperativas agrícolas, a Rússia poderia se desviar do capitalismo. A partir dessas experiências, que se somam a leituras posteriores sobre a nova etapa do capitalismo mundial, Lênin começou a advogar uma nova interpretação da realidade russa e da consolidação do socialismo. Em sua concepção, apesar do papel central do operariado na construção da nova ordem, a Rússia não precisaria atravessar um desenvolvimento pleno de sociedade industrial – como a Alemanha, a Inglaterra e a França – para atingir o socialismo. Para ele, a Rússia, dado o novo momento vivido pelo capitalismo mundial, que ele chamava de imperialismo, seria o elo mais fraco da cadeia e mais propenso à ruptura da ordem capitalista que seus rivais na Europa. No plano político, as implicações desse entendimento eram óbvias: os operários russos e os camponeses, se quisessem construir uma nova ordem, deveriam se manter longe da burguesia industrial e agrária. Para Lênin, estas eram incapazes de romper com a ordem czarista, por sua fragilidade política e econômica. Essa divergência de orientação dá origem à divisão do Partido Operário Social Democrata Russo entre bolcheviques (maioria em russo) e mencheviques (minoria), cuja polarização se exacerbaria nos anos posteriores.