Vestidos de saias brancas e turbantes na cabeça, eles arrastaram mais de 300 mil foliões pelas ruas de Belo Horizonte, mas, neste carnaval, Heleno Augusto e Geo Cardoso não estarão juntos. Heleno, pela primeira vez, comandará o Havayanas Usadas, enquanto Geo Cardoso se mantém à frente do Baianas Ozadas. A separação resulta da dissidência do maior bloco da folia de rua da capital, que ganha cada vez mais fôlego nas ruas, desde 2010. Muitos foliões têm ido aos ensaios dos dois blocos, mas poucos sabem que os desentendimentos têm relação com a formação da bateria da banda e a busca por patrocínio. Junto com Heleno, Peu Cardoso deixou a regência da bateria do Baianas para assumir a do Havayanas, que sai na segunda de manhã, no Sagrada Família. Quando o Baianas sair, também na segunda de carnaval, na Praça da Liberdade, a regência será feita pelo músico Bill Lucas.
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Os desentendimentos surgiram em razão do funcionamento da bateria da banda. De um lado, Geo defendia que os músicos assumissem compromisso de se profissionalizar. De outro, Heleno e Peu entendiam que o bloco deveria manter o espírito espontâneo do carnaval de Belo Horizonte.
Geo afirma que o que ocorreu foi o processo de profissionalização do bloco. “Não coloquei as pessoas para fora, como andam falando. O projeto da banda não amadurecia como necessitava, pois a agenda de shows crescia, assim como a exigência de contratantes. Precisávamos nos organizar melhor, com mais profissionalismo. Havia instrumentistas que não se dedicavam ao estudo do instrumento, deixando o grupo para trás, musicalmente falando. O produto musical não evoluía, sem contar a falta de compromisso e responsabilidade de alguns com ensaios e passagens de som. As pessoas saíram de livre e espontânea vontade e acredito que não tinham mais a mesma visão de projeto”, afirma Geo.
DIFAMAÇÃO
O líder do Baianas diz que, com a dissidência, houve na internet uma onda de boatos de que o bloco havia acabado. “Sofremos uma avalanche de ataques e difamações nas redes sociais. Recebi, inclusive, ataques pessoais, como memes direcionados a mim. Em mais de 15 anos atuando no mercado cultural de BH, nunca vi uma retaliação assim.”
Geo avalia que o processo poderia ter sido menos traumático, tal como ocorreu entre Olodum, dissidência do Ilê Ayê, na Bahia. “Em Salvador, o processo ocorreu dignamente. Os grupos buscaram outros nomes”, diz ele, que considera Havayanas Usadas uma paródia desrespeitosa ao Baianas, numa forma de retaliação explícita. Em sua avaliação, o novo grupo vem com proposta muito parecida à do Baianas, “para pegar carona, lembrando as bandas cover pela semelhança fonética”.
Heleno afirma que o Havayanas Usadas surgiu, em outubro de 2016, com a ideia de continuar o trabalho que vinha sendo feito há quatro anos. Ele diz que a escolha do nome tem a ver com a popularidade e acessibilidade do chinelo e que “Usadas” se refere ao tempo de estrada que eles têm. “É uma referência a toda essa história. Havia, também, uma demanda de muitos integrantes da bateria, que não se viam mais representados, motivando sete dos dissidentes (regente, vocalista, baixista e quatro percussionistas) a criar o novo bloco”, diz Heleno.
Segundo Geo, a ideia de criar o Baianas nasceu de uma conversa sua com o primo Tadeu Cardoso, em dezembro de 2011, quando ainda morava em BH. “Além de ser o baiano idealizador, sempre estive na criação do conceito, dos temas de todos os carnavais. Nunca fui apenas um cantor. Eu me dediquei como um profissional de comunicação, desde a identidade visual, como jornalista, e também em articulações, como produtor cultural que fui por 10 anos, antes da criação do bloco”, afirma.
A marca e o primeiro estandarte do Baianas foram feitos por profissionais a convite de Geo. “As nossas saias sempre foram confeccionadas por minha mãe, Soane Souza, a legítima baiana na história, pois somos nós dois de Ilhéus, Sul da Bahia. Desde o primeiro ano, quando era apenas uma ala, ela é quem costura as indumentárias.” No processo de dissidência, as duas partes vêm sendo acompanhadas por advogados.
Uso de patrocínio é ponto controverso
O debate sobre patrocínio é tema recorrente no carnaval de rua de Belo Horizonte. Renascido como um movimento de ocupação da cidade em resposta a determinações do poder público em relação ao usos dos espaços públicos, os blocos resistem à ideia de patrocínio e do que consideram um processo de privatização do carnaval. Geo confirma que o Baianas buscará patrocínio pela primeira vez neste ano. Segundo ele, o bloco saiu pela primeira vez como ala em 2012 e tudo foi feito com ajuda de amigos e familiares. No primeiro ano que desfilou como bloco, em 2013, não contou com patrocínio. Nos anos seguintes, foi convidado a fazer eventos patrocinados, mas recebeu apenas pela apresentação. Em 2015, lançaram o projeto de financiamento coletivo e, em 2016, participaram da festa Sonoriza.
Geo afirma que, desde o início, sua proposta é realizar uma festa popular, a exemplo do que ocorreu nos primórdios do carnaval de Salvador. Ele diz que o Baianas é uma iniciativa diferente de outros blocos que encamparam o slogan de carnaval de rua para ressaltar o aspecto político da folia, mas não nasceram dessa raiz. Para ele, deve prevalecer o respeito ao grande público que os segue, composto por pessoas de origem e pensamentos diversos. “Fazemos um carnaval sem distinção para a cidade, sem segmentações ou restrição de público.”
Em nome do Havayanas, Heleno afirmou que considera ser possível experimentar um “formato diferente de construção carnavalesca”. “Enxergamos essa possibilidade no caráter diverso do carnaval de BH. No intuito de reforçar a alegria e a democracia que são a marca dos blocos de rua da cidade, nossas energias estão atualmente focadas nos ensaios com a bateria e nos preparativos para o nosso primeiro desfile.” Heleno afirma que, a despeito do contexto do surgimento do Havayanas, o desfile de estreia não vai decepcionar.
Blocos fecham baterias
Outra polêmica envolvendo os blocos da capital é em relação à formação da bateria. Até o ano passado, em quase todos os blocos a participação – tanto nos ensaios quanto no dia do desfile – era livre para quem chegasse com o instrumento e quisesse tocar. Com um número de foliões cada vez maior no carnaval de rua belo-horizontino, os blocos mais populares enfrentaram problemas em 2016 e resolveram mudar a estratégia para este ano, visando a uma melhor performance musical.
Chama o Síndico, Baianas Ozadas e Então, Brilha!, três dos maiores blocos do carnaval de BH, resolveram limitar o número de ritmistas na bateria. O critério adotado por eles é parecido: para tocar no carnaval é preciso participar das oficinas e ensaios, que começaram em dezembro passado.
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No caso do Chama o Síndico, que costuma desfilar na quarta-feira anterior ao feriado ao som de Tim Maia e Jorge Ben, a participação só é possível mediante o pagamento de uma mensalidade de R$ 100. Os interessados também devem levar o próprio instrumento. De acordo com a organização do bloco, a quantia arrecadada será usada para custear as despesas do desfile e remunerar os profissionais envolvidos.
“É importante ficar claro que não estamos usando cordas para separar público de público, estamos apenas protegendo os músicos, para que o bloco possa evoluir bem e todos possam curtir da melhor forma possível”, afirma a regente Nara Torres.
Sem cobrar mensalidade, o Baianas Ozadas também fechou sua bateria para quem se inscreveu nas oficinas de percussão. A ideia é reduzir o número de batuqueiros de 700 (no passado) para 400. O Então, Brilha!, que teve a bateria separada pela multidão durante o desfile na manhã do sábado de carnaval em 2016, também fechou a participação para quem já fazia parte do grupo desde edições passadas. Novatos só serão aceitos a partir do próximo ano.