Um dia depois de ter seu nome confirmado pelo prefeito eleito Alexandre Kalil como presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), cargo que ocupa desde outubro de 2012, Leônidas José de Oliveira, de 44 anos, cita o poeta Ferreira Gullar para falar sobre suas intenções para os próximos quatro anos. “A arte é importante porque a vida não basta”, afirmou ele ao EM, na manhã de ontem. Para Leônidas, o essencial neste momento-chave da sociedade brasileira é fazer da cultura peça central de governo. “Não tenho medo de dizer: a cultura ainda precisa ter muita catequese”, observa.
Desde abril ocupando também a presidência da Belotur, ele afirma estar alinhado com o pensamento de Kalil. “Ele falou comigo que a cultura precisa da iniciativa privada. Está corretíssimo.” Informou também que o carnaval e o Arraial de Belô deverão sair dos domínios da Belotur e passar para a área de cultura.
Em entrevista ao EM, o prefeito eleito Alexandre Kalil disse que você e todo o secretariado terão que “dançar conforme a música da prefeitura”. Que ritmo ele vai impor?
A diretriz de governo para a cultura está muito bem delineada. Trabalhei no plano de governo. Ele (Kalil) pensa na cultura como eu, como desenvolvimento, geração de renda, capacidade de trabalho... Para além da arte como objeto. Dançar conforme a música (significa que) você tem uma estrutura de governo para seguir, então temos que ter integração. É preciso reconhecer que a cultura tem milhares de anos, tem dinâmica própria, e teremos que conciliar vontade política com a sociedade civil. Acredito que haverá diálogo.
O que você pretende fazer diferente?
Temos o Plano Municipal de Cultura, que vale para 10 anos – estamos no terceiro. Faltam sete, e ele é lei. A Cidade Criativa é um projeto novo, é a cultura também entrando na área da cidadania. Neste momento de transformação do país, não consigo ver área mais estratégica do que a cultura. Muda o governo, mudam várias coisas, mas as diretrizes são seguidas depois de estabelecidas pelo Sistema Municipal de Cultura, pelo Conselho Municipal de Cultura, pelo Conselho de Patrimônio. É um planejamento feito com a cidade inteira. Precisamos deixar a cultura livre, uma contraposição ao que está ocorrendo em São Paulo, que está fazendo um higienismo do Centro. Tem que haver liberação dos espaços públicos, é impossível continuar com o nível de burocratização do espaço público.
A respeito do carnaval e da Virada Cultural, Kalil falou em chamar a Secretaria de Segurança para o planejamento de ambos. Qual é a sua opinião sobre isso?
Essa conversa já foi feita. Reuni-me, na segunda-feira, com (Cláudio) Beato (futuro secretário de Segurança Pública). Ele está muito conectado com o que a gente pensa, não vê segurança e prevenção sem a cultura. Vamos fazer um trabalho de prevenção, de tolerância, de convivência pacífica entre os diversos grupos de pessoas. Esse caminho me deixou feliz, o oposto pelo que está sendo adotado no Centro de São Paulo.
Estamos a dois meses e meio do carnaval. O que há de concreto sobre o evento?
Existia um entendimento de que carnaval era evento, de que bloco é evento. Não é. É manifestação cultural. E esta é protegida pela Constituição Federal, que garante a livre manifestação no espaço público, com ou sem aviso prévio ao poder público. O carnaval (de Belo Horizonte) é cultura: temos jazz, samba, bloco caricato, quarteirão eletrônico. Não é comercial, é a expressão de várias formas de cultura. Só que ele está se tornando comercial, mas não pode perder sua identidade. O carnaval é a junção de vários fatores, o que fez com que as pessoas quisessem ir para as ruas. É muito importante que isso seja entendido conceitualmente para que possa ser levado para a prática. Já temos 150 blocos inscritos na Belotur. As licitações estão prontas e parte do patrocínio para viabilizá-lo já está ok.
Efetivamente, o que vai mudar?
Estamos analisando a possibilidade não de fazer o carnaval nas regionais, mas descentralizá-lo. Os grandes blocos estão concentrados no Centro, é muito bom. Mas queremos resgatar o carnaval dos bairros, a identidade dos blocos antigos. Por exemplo, vai voltar o Leão da Lagoinha, o primeiro bloco da cidade, tem quase 100 anos. Sobre o carnaval da Afonso Pena, dos blocos caricatos, queremos o encontro das escolas com o novo carnaval, que é um grande fenômeno. A nossa proposta é que os blocos (caricatos) saiam também pela manhã e caminhem junto aos outros.
Você está presidindo a Belotur desde abril. Vai continuar?
Estou presidente de duas autarquias porque entrei para resolver questões da Pampulha e do próprio carnaval. Há um entendimento da Belotur como turismo cultural e de negócios. Conversei com o prefeito eleito e há um entendimento dos próprios funcionários de que ela precisa cumprir mais a sua missão, que não é fazer eventos. O Arraial de Belô vai para a FMC. A Belotur precisa focar no fomento ao turismo, organizar o mercado. Não devo continuar. A ideia do prefeito é que o carnaval venha também para a FMC.
Quais seriam os pontos positivos de sua gestão?
A Pampulha como patrimônio da humanidade; a Virada Cultural com ocupação do espaço urbano; inauguramos o primeiro teatro público fora da Avenida do Contorno em 60 anos (no Alípio de Melo); fizemos o Museu da Moda; restauramos teatros que estavam fechados; o tombamento do conjunto de Santa Tereza com proteção do patrimônio histórico; a criação do MIS Santa Tereza; a descentralização da cultura e a equidade na distribuição da Lei Municipal de Incentivo. Antes, 96% dos recursos estavam concentrados (em projetos) na região da Contorno, agora isso passou para 50%, já que os recursos foram distribuídos. Dia 16, vamos inaugurar o primeiro centro cultural na Região Nordeste (no Bairro Ipiranga). Os festivais, que aconteciam em quatro, cinco dias, hoje acontecem o ano inteiro. O Festival de Arte Negra (FAN) teve mais de 200 eventos este ano. Isso tudo foi demanda da cidade, da classe artística.
O Festival Internacional de Teatro – Palco e Rua (FIT-BH) teve duas edições problemáticas sob sua gestão. Houve renúncia de curadores. Seria este um ponto negativo, não?
Em nosso primeiro FIT (em 2014), foi feita uma descentralização. Ele perdeu em conteúdo identitário, de curadoria. Acho que o FIT tem um papel muito importante no intercâmbio com a vanguarda, a classe artística precisa estar em constante renovação com o teatro contemporâneo. No segundo FIT (2016), os curadores ficaram conosco até o final, foi tudo seguido à risca. Ele trouxe espetáculos não tão grandes, mas houve muita reflexão. Só que houve um desentendimento da direção do festival com os curadores. Pois logo depois fizemos uma reformulação da FMC. Se a FMC não conseguiu fazer algo neste tempo foi a vanguarda. BH tem hoje a maior execução orçamentária entre as capitais do Brasil, conseguimos colocá-la como uma cidade com potencial para a cultura. Mas a vanguarda, a experimentação, a troca de experiência com outros países têm que ser intensificadas.
O título de patrimônio da humanidade foi concedido à Pampulha. Hoje, há parceria do governo municipal com o estadual nessa questão. Como isso está sendo trabalhado?
Quando é para dar significado, a cultura é apartidária. Apagam-se as diferenças. Temos hoje um comitê gestor com reuniões mensais no Iphan. Reúnem-se a prefeitura, o estado, o Iepha. Tudo ficou mais rápido, menos burocrático, pois os três órgãos decidem. O grande desafio do próximo mandato será resolver a questão do Iate (um anexo que descaracteriza o prédio original será demolido, seguindo as diretrizes da Unesco).
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De quanto será o orçamento para 2017?
Será de R$ 92 milhões, o mesmo valor de 2016. Ele deve ser aprovado no fim do ano, mas poderá haver readequação. Quando cheguei à FMC, o orçamento era de R$ 45 milhões. Dobramos o valor e criamos uma série de políticas e programas que precisam do orçamento atual. Conversei com o prefeito eleito, ele me disse que a cultura precisa da iniciativa privada. Está corretíssimo. As grandes empresas têm que ter função social e cultural.