Uai Entretenimento

Youtuber mineira ganha fama com canal que ensina a rebocar parede e bater laje

Ainda no berço de poucos vinténs — o mesmo em que nasceu Pedro Pedreiro, protagonista da célebre canção homônima de Chico Buarque — Paloma pedreira percebeu que o orçamento de sua família é um caminhãozinho bem modesto. O término da casa onde mora com a mãe e o irmão, em Sete Lagoas, região metropolitana de Belo Horizonte, é muito mais “areia” do que ele é capaz de comportar, mesmo se fizer várias viagens.


Na carroceria apertada em que se espremem as necessidades do “clã”, por vezes, até sobra espaço para o material de construção. Já a mão de obra que transforma cimento, tijolos e azulejos em lar, frequentemente tem que ficar para trás.

A moça, felizmente, não é do tipo que espera o trem, tampouco a sorte diante das dificuldades. Para perseguir o sonho de ver a morada pronta e bem-acabada, transformou-se na multitalentosa obreira Paloma Cipriano, nome artístico de Paloma Cristina Pereira da Silva. Aos 23 anos, a jovem não só encara pás e picaretas para reformar ela mesma seu imóvel, como exibe suas façanhas em um canal do YouTube, no qual, de quebra, ajuda a “libertar” outras operárias em potencial.



“Qualquer pessoa pode fazer o que eu faço, se quiser. “Assentar cerâmica, arrancar piso, aplicar gesso liso. Não são trabalhos que exigem um talento ou uma habilidade muito complicada. Há muito tempo fiz um curso de alvenaria, que me ajuda um pouco, mas busco informação mesmo na internet”, diz a youtuber, cujos posts, juntos, já ultrapassam 2,3 milhões de visualizações e somam perto de 53 mil inscritos.


A produção dos vídeos é outra atividade em que a estudante de publicidade, que chegou a frequentar um mês do curso de engenharia civil, também é praticamente autodidata. “Sou eu mesma quem grava, edita e posta tudo. Na faculdade, tive algumas aulas relacionadas a fotografia e audiovisual, que contribuem um pouco. Mas, lá, a gente não aprende a usar softwares de edição, por exemplo. Isso eu pesquiso na web”, conta.

No “estúdio-laboratório” de aproximados 200 m² que abriga a residência de Paloma, ainda com muitas paredes de tijolos aparentes ou recém-rebocadas, há bastante trabalho a ser feito. Por enquanto, a pedreira conta com apenas dois eventuais ajudantes. No canteiro de obras, a “mãozinha” vem da mãe, a diarista Ivone Pereira da Silva, que faz as vezes de servente, preparando massas de concreto e outras misturas. O “assistente de câmera e gravação”, por sua vez, quem encarna é Paulo Henrique Pereira, de 11 anos, irmão da jovem.

“Agora, para atrapalhar, tenho muitos ‘auxiliares’! Ali nas casinhas, tem meus dois cachorros latindo na maior altura! Meus dois gatos também adoram ficar passando para lá e para cá nas horas mais impróprias. O galo da vizinha também é uma beleza. Às vezes começa a cantar e tenho que pausar a gravação até ele parar!”, diz.



Carreira

Quando o assunto é o desenvolvimento da carreira de youtuber, o espírito “faça você mesmo” da sete-lagoana dá lugar a um ar mais ambicioso. Paloma sonha em se tornar a Kéfera da argamassa. Mas, enquanto o site especializado Social Blade especula que a vlogueira paranaense com seus mais de 9,4 milhões de seguidores chega a lucrar R$ 250 mil mensais (apenas com repasses de publicidade, fora outros patrocínios), a iniciante mineira ostenta números bem humildes. Paloma ganhou, até hoje, um total de R$ 700 com suas postagens no YouTube.

Convites para parcerias com empreendimentos do ramo da construção civil, porém, já começaram a pipocar na caixa de e-mails da garota, que pretende estudá-los cuidadosamente ao lado de quem entenda do assunto. “Uma pessoa já se ofereceu para me ajudar a lidar com os clientes que estão aparecendo e montar uma planilha com valores para os meus trabalhos. Mas não tem nada fechado ainda”, diz ela, que conta ter recebido até o momento oito propostas de conteúdo patrocinado. “Mas só fechei uma até agora. Usei o carrinho de mão que a empresa fabrica durante um dos meus vídeos”, detalha, sem dizer qual o valor pago pelo merchandising.

Há cerca de um ano, quem observasse a aventureira logo depois de postar o primeiro registro de suas experiências pelo universo do cimento certamente não imaginaria que ela fosse tomar tanto gosto pela empreitada virtual. As gravações começaram por estímulo da mãe, que no entanto não convenceu a filha, de imediato, do potencial viralizador da ideia. “Eu já tinha um vlog pessoal em que dava dicas de maquiagem, falava sobre a academia e dicas de alimentação, mas com muito pouco acesso. Quando resolvi assentar o piso de um dos cômodos da minha casa, minha mãe sugeriu filmar e eu: “Ah, pelo amor de Deus, mãe!’. Tinha medo de ser zoada pelo pessoal da faculdade ou pelos amigos. Mas as pessoas começaram a elogiar muito. Recebo parabéns até de engenheiros e arquitetos nos comentários do canal. Isso foi me encorajando a continuar com os tutoriais.”


O reconhecimento pelo projeto também já alcança a jovem quando ela circula pelas ruas de Sete Lagoas. Vem, sobretudo, de outras mulheres, que dizem ter começado a se arriscar como pedreiras motivadas por Paloma. “Uma vez, uma moça dentro do ônibus veio me cumprimentar e disse que assentou o piso na casa dela assistindo aos meus vídeos. Isso me deixou muito feliz.”

Sucesso

Com 750 mil views, o vídeo de maior sucesso do canal Paloma Cipriano - Construção, decoração, reforma e muito mais do que você imagina é o que contém instruções sobre como rebocar parede. Para a estudante, o estouro se deve principalmente ao fato de que muitas mulheres, de repente, viram-se capazes de realizar uma atividade ainda tida como “masculina”. “Acho que impressiona também o fato de que sou feminina, uso maquiagem e sou magrinha, aparentemente frágil. Daí elas pensam: ‘Se ela dá conta rebocar uma parede, então também dou’”, avalia.

Profundamente enraizado no alicerce da sociedade brasileira, o machismo também ronda o canteiro virtual da futura publicitária. De maneira assustadora, como ela descreve. “Já me fizeram comentários assim: ‘Você não tem marido, não? Pelo amor de Deus! Mulher não tem que ficar fazendo essas coisas’.” Alguns insultos vêm na forma de suposto elogio, como: “Menina, você não tem força para fazer esse trabalho. Chame um homem para fazer isso para você”.

Assédio também não falta. Alguns homens chegam a deixar mensagens obscenas nos perfis virtuais da garota e terminam levando uma “tijolada” como resposta: “Quando é assim, costumo ignorar, mas já xinguei alguns caras que foram imbecis comigo sim. Eles têm que aprender a me respeitar”, assenta.