As artes cênicas mineira começam a semana mais triste. Morreu na tarde de domingo, 23, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, o diretor de teatro Carl Schumacher, de 54 anos.
De acordo com a irmã, Lílian Schumacher, ele foi encontrado morto no início da tarde em sua residência no Bairro Novo Progresso. Carl preparava uma nova remontagem de Amor de vampira, uma das suas peças de maior sucesso, musical carregado de erotismo que foi fenômeno no teatro da capital mineira na década de 1980 e, depois, entre os anos de 1993 a 1995.
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“Ele tinha horário marcado para o ensaio, o pessoal chegou, bateu na porta e ninguém atendia. Eles chamaram a polícia e o Samu, a polícia abriu a porta. Parece que foi o coração. Ele estava com diabetes, bastante debilitado”, contou Lílian, emocionada.
Segundo ela, o irmão havia passado a noite no imóvel, onde há o galpão onde o grupo ensaia a peça. Local e horário do velório não tinham sido definidos até o fechamento desta edição.
Schumacher nasceu em Belo Horizonte, em 25 de dezembro de 1962. Iniciou sua carreira no teatro, dirigindo e atuando, em 1977, ao estrear seu primeiro texto. Desde então, participou – dirigindo, produzindo, atuando, assinando texto, cenários, figurinos ou luz – em mais de 90 espetáculos.
Dirigiu clássicos de Sartre, Kafka, Shakespeare, Molière e Aristófanes, além de mais de 40 textos de sua autoria – os quais também produziu, dirigiu, cenografou e assinou figurinos e luz. Escreveu 82 peças teatrais para adultos e crianças, das quais mais de 40 já encenadas.
Em 2003, Carl foi convidado pela Fundação Clóvis Salgado, comemorando os 30 anos de produção lírica da instituição, a escrever, dirigir e protagonizar o projeto Viva a Ópera, com 21 árias de 12 óperas famosas e 200 pessoas em cena.
Grande amiga de Carl, a atriz, produtora e diretora teatral Dayse Belico começou no teatro com ele, em 1984. Amor de vampira foi sua primeira peça como atriz profissional. “Foi o Carl que me estimulou a cantar no teatro. É um amigo irmão”, diz.
Segundo ela, a primeira peça que viu do dramaturgo foi João e Maria Ad Infinutum, no Teatro Marília. O texto foi premiado em 1985. O sucesso continuou na década de 1980 com a montagem da peça Entre quatro paredes, de Jean-Paul Sartre.
“Uma das pessoas mais talentosas com quem já trabalhei. Um cara que dava conta de texto, luz, dramaturgia, figurino, de tudo. Polêmico, claro. Quanto mais competente você é, mais polêmico você é. Devo minha formação ao Carl”, reforça Dayse. Ele também dirigiu e cantou óperas. Nos anos fora de Belo Horizonte, Carl trabalhou na teledramaturgia das emissoras Globo e Bandeirantes.
A atriz conta que ele participou da formação de diversos artistas de Belo Horizonte, por meio da Escola de Teatro Gestos. “Só de sedes da escola ele teve três. A última foi na Savassi. Lá ele fez uma sala chamada Derci Gonçalves, e a gente levou a Derci para a inauguração”, lembra.
Depois de uma passagem por Pitangui, no Centro-Oeste de Minas, onde deu aulas, ele voltou a Belo Horizonte e começou a trabalhar na versão pocket de Amor de vampira. Dayse trabalhava na remontagem da trilha sonora. “O restante do grupo vai continuar com a montagem em homenagem ao Carl. E a obra dele é imensa”, revela.
O ator e assistente de direção Alexandre Bandeira, que trabalhava com Schumacher na remontagem de Amor de vampira, afirmou que é intenção do grupo continuar a montagem do espetáculo.
“O espetáculo está praticamente pronto, a estreia seria em 14 de novembro no Teatro Pio XII e seguiria para os teatros da Maçonaria e Alterosa. A ideia é adiá-la e trabalhar em algo mais grandioso. Ele merece demais. Vamos sepultá-lo e repensar”, comentou. Segundo Bandeira, que trabalhou com Carl na última montagem que ele fez em BH, Abstinência (2014), era um sonho do diretor transformar o galpão de ensaios em Contagem numa escola para a comunidade local.
Depoimento
Jefferson da Fonseca Coutinho
Ator e diretor das Artes da Fundação Municipal de Cultura (FMC)
“Um meteoro. Foi assim o multiartista Carl Schumacher. Ator de força e capacidade sem igual na cena, Carl jamais deu conta do tanto que nele havia. E isso o explica na magia da multiplicação de tantas vidas. Não bastasse a habilidade de intérprete, nele também havia extraordinária capacidade para construir as verdades de tanta gente. Dramaturgo, professor, diretor, produtor e empreendedor, entre tantas outras profundidades da arte – essa bruxa que não tolera desaforos –, Carl transitou amores pelas salas de ensaio, palcos e redes de televisão Brasil adentro. Deixava parecer que nada, fora a fúria pela criação que o consumiu por toda a vida, daria conta de tombá-lo. Encantou-se. Meu respeito, senhor meteoro!”