Mesmo que esperando “respeitosamente a decisão do Senado”, Calero não para. Realizou, neste mês, uma grande mudança na estrutura organizacional do MinC, algo que começou a ser concretizado após a exoneração, em julho, de dezenas de cargos comissionados.
Em meio a um país dividido e a protestos da classe artística, Calero continua com sua agenda. Nos últimos três dias, realizou sua primeira visita como ministro a Belo Horizonte. Encontrou-se com parte da classe artística (encontro capitaneado por Leônidas de Oliveira, presidente da Fundação Municipal de Cultura, e pelo diretor Pedro Paulo Cava), visitou Inhotim e alguns espaços do Circuito Cultural Praça da Liberdade.
Após visita à exposição Mondrian e o movimento de Stijl, no CCBB, anteontem, Calero recebeu o Estado de Minas para a seguinte entrevista.
Nesta semana, o Ministério da Cultura (MinC) anunciou sua nova estrutura administrativa, com a criação das secretarias da Economia da Cultura e de Infraestrutura Cultural. Também colocou em prática o Programa de Valorização do Servidor. É muita mudança para uma administração ainda provisória, não?
Há uma preocupação muito grande de que o governo e o país não podem parar. O governo e o presidente Temer esperam muito respeitosamente a decisão do Senado Federal, mas eu sempre digo: o Brasil é um país tão grande na sua generosidade, na sua magnitude como existência civilizatória, como também nos seus desafios.
O presidente Temer me convocou para que eu pudesse dar à administração do Ministério da Cultura uma visão de maior eficiência, transparência, uma visão mais republicana.
A cultura, é claro, tem um aspecto antropológico, sociológico, e não pode ser entendida como mercadoria. Mas ela deve também ser entendida como propulsora do desenvolvimento socioeconômico do país. A gente tem que acabar com a criminalização dos artistas, de achar que a atividade é de segunda classe.
O senhor acha que o subsídio, como o da Lei Rouanet, é indispensável para o financiamento de projetos culturais ou a cultura tem que ser autossustentável?
A grande questão mundo afora é o financiamento da cultura. A atividade cultural é um dever do Estado constitucional. Cultura é um bem de primeira necessidade, e a gente precisa entender isso. É a base do que se entende como povo, como experiência civilizatória, tão importante quanto um hospital, uma escola. Nesse sentido, ter um mecanismo de fomento é imprescindível.
Estamos num equipamento (o CCBB-BH) que só existe pela Lei Rouanet, a exposição de Mondrian só conseguiu chegar a Minas por conta da lei. É ilusório você achar que, num país como o Brasil, em que a renda média do trabalhador é baixa, a bilheteria vai sustentar espetáculos. O que tem que ser trabalhado no Brasil? Um mecanismo de incentivo público, como a renúncia fiscal, e também mecanismos pelos quais os particulares possam ajudar a financiar a cultura para além da simples compra do ingresso. Estou falando de endowment, por exemplo, que é muito comum nos Estados Unidos, a criação de fundos que sustentem as instituições.
Que mudanças acha que são mais prementes na Lei Rouanet, 25 anos depois de sancionada?
Ela precisa ser ajustada. Hoje se fala muito na concentração de recursos da Lei Rouanet em alguns estados.
Pensamos mais concretamente em aumentar a base de empresas doadoras, fazendo com que haja mais empresas presentes Brasil afora que possam se valer efetivamente do mecanismo. Algo que deu muito certo em Minas foi o mecanismo das pessoas físicas se valerem da Lei Rouanet. Há uma série de alternativas e uma demanda da sociedade por maior transparência, à luz das investigações que houve, vale dizer, no ministério por meio dos nossos servidores.
O que tenho insistido muito é que nós não podemos criminalizar e demonizar a Lei Rouanet. Mal ou bem, ela é hoje responsável pelo financiamento de mais de 3,1 mil projetos. Hoje, qualquer grande museu, grande exposição só existe por conta da Lei Rouanet.
O senhor falou dos grandes. E os pequenos, como ficam?
Evidente que hoje há uma demanda muito maior do que o que a Lei Rouanet, pelo Mecenato, possa oferecer. O que a gente tem que trabalhar é no fortalecimento do Fundo Nacional de Cultura, pelo fortalecimento da Funarte. A Funarte hoje é uma instituição totalmente desestimulada, desacreditada. Foi objeto de um vilipêndio ao longo nos últimos anos, que tirou toda a sua capacidade operacional, sua capacidade produtiva.
No início de sua gestão, o senhor teve um embate com o cineasta Kleber Mendonça Filho, diretor de Aquarius, sobre a manifestação que ele e o elenco do filme realizaram no Festival de Cannes. Até que ponto o senhor acha que a liberdade de expressão é um valor intocável?
É um valor intocável, sem dúvida alguma. Tão intocável também que quem faz protesto não pode pretender não ser alvo de protesto pelo protesto. Liberdade de expressão também está nisso, você poder criticar o que houve. A Letícia Sabatella foi alvo de um ataque que eu repudiei. Agora, a bem da verdade, eu também fui alvo de um ataque semelhante. Quando a gente defende a liberdade de expressão, isso tem que ser autêntico, não pode querer com isso ter uma pretensão hegemônica. A liberdade de expressão serve na medida em que a minha expressão seja garantida numa outra.
Sua entrada no Ministério da Cultura foi muito ruidosa. A comunidade artística é uma das mais incomodadas com a gestão do presidente interino. Como está o diálogo com os artistas?
O Brasil vive um tempo de paixões exacerbadas. O Estado tem essa missão de equilíbrio, de buscar, como diz o ministro Eliseu Padilha, a normalização das relações, a coesão social. Protestos, opiniões contrárias fazem parte do Estado democrático de direito. Mais do que isso: é um patrimônio que custou sangue ao Brasil. O diálogo é a base da minha formação, sou diplomata. Agora, você só dialoga com quem quer dialogar. Não pode ser um diálogo vazio, apenas pra marcar posição.
No encontro que tivemos hoje (quinta-feira) com os artistas mineiros, houve uma série de sugestões que anotei prontamente. Alguns me chamam de ministro do bloquinho, e tenho orgulho, porque sou muito analógico. Dessas sugestões podem surgir formulações concretas de políticas públicas. Acho que tendemos a uma normalização, para que as pessoas possam formatar uma agenda. A gente precisa olhar para a frente, são 11 milhões de desempregados.
Todas as falas e ações do senhor são como ministro provisório. O que muda caso o impeachment seja aprovado?
De novo, respeitosamente, esperamos a decisão do Senado Federal, mas isso não nos impede de pensar a médio prazo. Este é um ano de arrumar a casa. Pegamos um ministério em frangalhos, com uma dívida de mais de R$ 1 bilhão. E um orçamento de R$ 434 milhões não permitiria que sobrevivêssemos até o fim do ano. Apenas a título de comparação, o orçamento de cultura da Prefeitura do Rio é de R$ 200 milhões, veja a disparidade.
Até o final do ano, esperamos conseguir que a dívida chegue a R$ 300 milhões. Estamos ainda no momento mais importante da história institucional do Ministério de Cultura. Pegamos o ministério numa situação em que mais da metade dos cargos de confiança não era ocupada por servidores de carreira. Fizemos um movimento muito contundente de exonerar essas pessoas e agora estamos abrindo um processo seletivo. Os governos passam, eu passo, o que fica é esse acervo tão bem cuidado pelos servidores de carreira. É muito frustrante para um servidor de carreira ver alguém que chega de paraquedas, não tem o menor entendimento do assunto, simplesmente por causa de uma indicação política, e toma uma vaga.
O senhor falou que é muito analógico, mas é bastante ativo nas redes sociais. No último domingo, o jornal Folha de S. Paulo publicou reportagem sobre suas selfies no Instagram. Desde então, o senhor não postou nenhuma.
Só posto praticamente nos finais de semana, a Folha não fez essa observação. Político não veio de Marte, tem vida própria, gosta de tirar fotos com seus afilhados, seus gatos, em seus momentos de lazer. É uma coisa lúdica. Você vê que até na descrição do meu Instagram está “Carioca da Tijuca”. Sou isso, vou continuar a ser depois que sair do ministério. E tenho minha vida, que prezo acima de tudo. Tenho muita noção da efemeridade das coisas e do que realmente importa para mim.
Ainda sobre a internet, o senhor já foi “secretário gato”, agora é chamado de “ministro golpista”. De que maneira isso o atinge?
Sou servidor público há mais de 10 anos. O primeiro concurso que fiz foi na Comissão de Valores Mobiliários, em 2005. Tenho muito orgulho da carreira que construí no serviço público. É uma carreira absolutamente imaculada, onde estive a serviço do meu país. Pertenço ao grupo político do prefeito Eduardo Paes, que fez a maior transformação urbana da história do Brasil. Independentemente disso, os últimos três anos foram muito intensos, mas eles não decorreram do nada. Eles decorreram de uma trajetória construída com muito estudo, trabalho e dedicação.
Voltando à pergunta: as menções nas redes sociais o atingem?
Quem está no serviço público tem que estar disposto a isso. Ao elogio, à critica, ao rótulo. Se é gato, se é golpista, faz parte. Pode ser lisonjeiro, pode ser duro, mas faz parte. Pode ser que, em que algum momento, eu não esteja mais a fim. Aí vou voltar a ser um diplomata, um carioca da Tijuca.
E as selfies, continuam?
Certamente, adoro tirar selfie, como qualquer pessoa normal..