Nem um milésimo do orçamento do ano passado, no caso do Inverno Cultural de São João del-Rei. Nada no caso do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes. Pouca verba e muito empenho será o lema dos festivais de Itabira e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), este ano realizado novamente em Belo Horizonte. O ano de 2016 não traz bons ventos para os eventos tradicionais que marcam a temporada de frio de Minas Gerais.
Diante do quadro, a Universidade Federal de São João del-Rei (UFJR) anunciou o cancelamento do evento previsto para este ano. A Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) convocou para quinta e sexta-feira reuniões com parceiros e artistas responsáveis pelas mais de 1,7 mil propostas de apresentações musicais e cênicas inscritas no edital. O objetivo é expor a situação e saber como cada um pode ajudar.
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Realizado pela Ufop desde 2005, o festival tinha autorização pelas leis federal e estadual de incentivo à cultura para captar R$ 1,2 milhão. O edital aberto recebeu, além das atividades artísticas, 615 propostas de oficinas e 2,4 mil usuários, de todas as regiões brasileiras e do exterior, se cadastraram, demonstrando interesse. “Calculávamos o mínimo de R$ 500 mil para realizar o evento no formato adequado. Não temos nenhuma captação de recursos até agora”, informa. Para Randon, o cenário dramático é fruto da crise financeira, da instabilidade provocada pela crise política e a total reconfiguração no cenário de apoio à arte e cultura.
“Sentimos que as empresas estão cada vez mais buscando eventos de visibilidade nacional e não regional”, analisa Randon. Como solução, o gestor vislumbra um cenário mais amplo de parcerias. “Temos conversado com outras universidades para começar a discutir estratégias conjuntas, pensar em ações que possam trazer mais visibilidade.”
A UFSJ tentou inaugurar novas fontes de financiamento para o Inverno Cultural 2016. Estimulou a doação de pessoa física via Imposto de Renda e promoveu o lançamento de plataforma de financiamento coletivo, o badalado crowdfunding. Não funcionou. Do orçamento previsto de R$ 1,5 milhão, a realização do evento só poderia ser garantida com no mínimo R$ 500 mil. O valor não foi alcançado.
“A estratégia central de captação de recursos do Inverno Cultural, em 2016, foi a mesma executada em 2015. No entanto, diferentemente da edição anterior, em meio à situação atual do país, não foram obtidos os recursos necessários e o apoio de patrocinadores tradicionais”, informou a assessoria de imprensa da instituição no Campo das Vertentes.
Sem a quantidade mínima de recursos necessária, a universidade responsável chegou a cogitar uma edição mais enxuta. O formato, no entanto, deveria estar atrelado à contemplação de pelo menos 70 itens do edital nas modalidades de oficinas, palestras, contação de histórias, performances poéticas, mostras de vídeo e cinema, lançamento de livros, exposição de artes plásticas e visuais, apresentações de artes cênicas e música. Somados aos custos de operacionalização, tornou-se inviável a realização da edição 2016.
O Inverno Cultural seria realizado em sete cidades: São João del-Rei, Divinópolis, Sete Lagoas, Ouro Branco, Santa Cruz de Minas, São Tiago e Conselheiro Lafaiete. Seria a 29ª edição do evento, inicialmente marcada para o período de 16 a 31 de julho.
Enxugar para existir
Desde 2014, o Festival de Inverno promovido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sente impactos da retração econômica. A primeira mudança foi a troca de cidade. Saiu Diamantina, município que o acolheu entre os anos de 1981 e 1985 e, depois, entre 2000 e 2013, e assumiu Belo Horizonte. “Tem sido uma opção da reitoria manter o festival, mas com muita dificuldade. Estamos fazendo com um valor mínimo”, informa a professora Leda Martins, diretora de ação cultural da UFMG.
As atrações da 48ª edição estarão espalhadas por espaços públicos e culturais da capital entre 15 e 23 de julho. Nas décadas de 1960 e 1970, a programação do festival se estendia por um mês. A temática será “Territórios culturais de trânsito: artes visuais, tradições, filosofias, performances, teatros, ciencias, danças e artes audiovisuais”.
O evento, com oito dias de duração, terá espetáculos, aulas abertas, oficinas, minicurso e conferências. Para Leda Martins, a realização do festival é uma atitude política. “Com todos os sacrifícios, insistimos para fundamentar cada vez mais a ideia de que arte não é entretenimento, mas necessidade de formação de qualquer cidadão.”
A UFMG também promove em junho uma semana pré-festival. A abertura, marcada para 14 de junho, será com show do percussionista Paulo Santos, ex-Uakti. Haverá também, entre outras atividades, o minicurso “Sair do território – arte cênica, tradição e transdiciplinaridade”, com a professora Maria Thais Lima Santos, da Universidade de São Paulo (USP).
Em Itabira, a Fundação Carlos Drummond de Andrade se organiza para garantir o 42º Festival de Inverno da cidade. “Está pronto, mas vai ocorrer a preços módicos. Tudo com muito mais reserva e cuidado do que no ano passado”, conta a produtora Sandra Duarte. Segundo ela, o foco será as atividades de rua. Dentro do quadro geral dos festivais, o cenário de Itabira está até otimista: serão 21 dias, entre 1º de 24 de julho.
Depoimento
Pablo Pires Fernandes
"Por muitos anos durante minha juventude, o mês de julho era reservado ao Festival de Inverno da UFMG. Frequentava-o como observador desde 1985, quando circulava livremente pelas oficinas e assistia a espetáculos de diferentes áreas artísticas. Nos dois anos seguintes, quando foi transferido de Diamantina para São João del-Rei, inscrevi-me em cursos de teatro que me proporcionaram ampliar o contato com o universo da arte, algo decisivo na minha formação. Ainda participei de muitos outros e travei contato com as linguagens da fotografia, cinema, quadrinhos, literatura etc. Porém, não se tratava apenas do aprendizado técnico, mas a vasta programação cultural e a efervescência das cidades onde eram realizados (Poços de Caldas, BH, de volta a Ouro Preto e, de novo, Diamantina). A troca entre os diferentes alunos, que interagiam nos bandejões, se encontravam nas apresentações e nas ruas estendia a imersão, fazendo com que a cultura fosse vivida de maneira plena e livre. Não apenas o festival da UFMG, mas o papel dos muitos festivais pelo interior do estado é decisivo para suprir a lacuna das artes nos currículos escolares. Arte e educação são peças de uma mesma engrenagem que, no fim das contas, faz parte de uma máquina tão humana chamada cidadania".
PATRIMÔNIO DE MINAS - Relembre alguns dos principais festivais de inverno do estado:
> Festival de Inverno da UFMG
Foi criado em 1967 por um grupo de professores – entre eles Álvaro Apocalypse – ligados à escola de Belas-Artes. Foi realizado em Ouro Preto, Diamantina, São João del-Rei, Poços de Caldas e Belo Horizonte. Deixou de ser realizado apenas em dois anos: 1980, após a prisão e deportação dos atores do grupo teatral norte-americano Living Theatre, e em 1984, devido à greve que ocorria na universidade. Grupo Corpo, Grupo Galpão, Grupo Giramundo e Uakti são todos frutos do festival.
> Festival de inverno de Ouro Preto e Mariana - Fórum das Artes
Coordenado pela Universidade Federal de Ouro Preto desde 2004 e com atrações previstas para as cidades de Ouro Preto e Mariana, onde se situam os câmpus da universidade. Tem atividades espalhadas pelas ruas, praças e prédios históricos, com trabalhos em diferentes linguagens.
> Inverno Cultural da UFSJ
É realizado pela Universidade Federal de São João del-Rei desde 1988. Ao longo de sua história, já foi prestigiado por shows de grandes artistas da música nacional, como Roberto Carlos, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Rita Lee, e também revelações como Criolo e Marcelo Jeneci, entre muitos outros. A temática prevista para 2016 era o Centenário do Samba.
> Festival de Itabira
Realizado desde 1974 e organizado pela Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade. Chegou a ter mais de 100 atrações em 15 dias, sendo a maioria gratuita, nas áreas de artes cênicas, artes plásticas, teatro, música e por vezes cinema.