Um galpão grande, muitas cores nas telas cuidadosamente dispostas nas paredes. O ateliê de Ricardo Homen, além da vasta exposição de sua produção, tem a notável presença de seus próprios gostos, objetos pessoais que ajudam a compreender o exercício e a obra do artista sob um viés intimista e particular. Depois de um certo impacto com o volume de trabalhos, o que salta aos olhos é que aquilo tudo exige muito tempo.
Ricardo Homen está com exposição em cartaz na Galeria Arlinda Corrêa, no Palácio das Artes. É aula de pintura e de história da arte. Mas, sobretudo, lição de dedicação e labuta incansável à própria linguagem artística. O artista trabalha todos os dias. Há anos. São horas e horas na lida com trinchas, pincéis, paletas e tintas, tubos que se empilham sobre uma mesa, escorrem pelo chão.
O ateliê atesta rigor, disciplina e dedicação. “Quem me conduz é o trabalho”, confessa, sobre a prática da pintura que exerce com afinco desde a década de 1980. “Sempre tenho o que fazer, tem uma coisa física muito forte, é visceral. Meu tempo está voltado para o ateliê”, afirma, em tom resoluto com a condição de entrega do artista. Mas, sereno, pronuncia a frase como se não existisse outra maneira de ser.
Os 38 trabalhos que compõem a exposição Entre o desenho e a pintura são um recorte. Para ele, uma marca necessária em sua produção incessante. “Não trabalho para exposição, mas chega uma hora que tem que sair do ateliê”, diz, entre dezenas de pinturas nas paredes, empilhadas e espalhadas pelo galpão, tintas e paletas que cobrem uma mesa de trabalho. Para Homen, mostrar ao público sua obra é um canal para estabelecer diálogo com a história da arte e abrir os leques de (res)significação. “Acaba sendo uma pontuação sobre o trabalho que, de outra forma, se acumula e fica disperso.”
O acúmulo teve início nos anos 1980, quando aluno da Escola Guignard. Lá, teve oportunidade de conviver com a profícua atividade de sua geração e, primeiramente, dedicou- se ao desenho. Produziu colagens com variados papéis, explorando texturas, volumes e sobreposições. A molduraria da família também foi determinante nesse processo. “Eram restos de papel que eu dava uma forma construtiva e tinha a ação – até física – com o material: papel, cola e tinta.”
POSSIBILIDADES Ao explorar as possibilidades das colagens-desenhos, Ricardo passou a utilizar pigmentos, procedimento que levou seu trabalho a dialogar com a pintura. “Comecei a experimentar vários tipos de tinta, acrílica, encáustica, automotiva”, relata. O passo seguinte foi conquistar a luz. “Era nanquim com pigmentos, o amarelo como oposição à não luz.” A partir dos anos 2000, o artista voltou-se à pesquisa cromática, o que, até hoje, é central em seu trabalho.
“Comecei a buscar intensidade nas cores, maior rigor nas tonalidades, a explorar melhor as misturas e as cores ganharam maior autonomia”, fala, calma e pausadamente.
Homen confessa que seu trabalho carrega muito do desenho e que essa estrutura “nunca se apaga”. “Ele se impõe”, relata, para, em seguida, afirmar que a pintura foi envolvendo-o. Fica, portanto, muito evidente a escolha de Entre o desenho e a pintura como título da exposição em cartaz no Palácio das Artes. O recorte da vasta produção de Ricardo Homen, ali exibido, evidencia técnica e rigor. “São cores escolhidas a dedo, são pinturas e formas que atraem e seduzem”, explica, sobre a seleção das obras.
Depois de investir nos grandes formatos, o artista passou a se expressar com mais liberdade, em outras dimensões. Na mostra, há uma sequência de pinturas bem verticais, grandes. Impõem-se ao espectador, imperativamente, pela cor e pelo tamanho. Sobretudo, porém, expressam profunda consciência da montagem de seu trabalho, da interação com o branco das paredes da galeria. Trata-se de intervenção in loco, de explícito caráter de instalação que redimensiona os padrões clássicos de quadro na parede. A pintura, ali, se abre para outras maneiras de se apresentar.
Ao alternar obras de grandes e pequenos formatos, Homen testa (já os testou à exaustão) os efeitos do diálogo da cor no espaço. Agora, transita por várias dimensões. Ao longo dos anos, o labor com o cromatismo ganhou força ao se deixar mergulhar nos tons puros: verde esmeralda, azul ultramar, amarelo cromo e vermelho cadmo passaram a ser regulares em suas pinturas a óleo sobre papel.
Apesar do mergulho na pintura, o desenho nunca deixou de estar presente. As linhas de delimitação entre as cores são irregulares, escapando da pureza geométrica e trazendo pessoalidade aos quadros. “Meu trabalho é um pouco geométrico, mas sem ser completamente”, aponta.
Em alguns dos trabalhos expostos, há a recorrente sobreposição de planos, sugerindo um palimpsesto que revela, mas também oculta possíveis formas ou cores. Provocam deslocamento de e no espaço e questionam a presença da própria pintura inserida em um determinado ambiente. A repetição de formas e a exploração de cores alcançam raro nível de sofisticação. “O trabalho ficou mais reflexivo, amadurece com o tempo”, afirma.
Pela primeira vez, Ricardo Homen usou formas circulares. São três pinturas monocromáticas: azul, vermelho e amarelo. “Trabalhei as bolas pensando na atração, é uma forma primitiva que pertence à humanidade, mas quis fazer à minha maneira”, explica. São imagens que, de fato, nos atraem e seduzem. E, ao se abrir para a conversa – com o repórter e com a história da arte – Ricardo é determinante: “O que importa são as próprias escolhas e o tempo de amadurecimento.”