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Ele é o bom

Documentário de Renato Terra e Ricardo Calil resgata a figura de Carlos Imperial

Produção mostra todas as loucuras, mentiras e picaretagens do produtor que marcou o showbizz brasileiro nos anos 1960 e 1970

Mariana Peixoto

Nunca houve alguém no showbizz brasileiro como Carlos Imperial (1935-1992).

E muito provavelmente nunca haverá, já que a incorreção política, picaretagem e mentiras que marcaram sua trajetória o tornariam um sujeito um tanto anacrônico (para dizer o mínimo) nos tempos atuais.


Mas, acredite: Imperial foi um cara e tanto. O documentário Eu sou Carlos Imperial foi dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, que realizaram o incensado Uma noite em 67, de 2010, sobre a final da histórica edição do Festival da Música Popular Brasileira. Em cartaz no Cine 104, a nova produção recupera um dos personagens mais influentes da música brasileira nos anos 1960.
Cenas do documentário 'Eu sou Carlos Imperial' em cartaz no Cine 104 - Foto: Bretz Filmes/Divulgação
Foi ele quem lançou seu conterrâneo Roberto Carlos, quando pensava em voltar para Cachoeiro do Itapemirim. Imperial conseguiu para Roberto um contrato com a CBS, hoje Sony Music, ainda a gravadora do Rei. Produziu Viva a brotolândia (1961), álbum de estreia de Elis Regina. Foi determinante para as carreiras de Tim Maia, Erasmo Carlos, Eduardo Araújo e Toni Tornado.

Imperial não se limitou à música. Também fez carreira na TV, produziu e protagonizou dezenas de filmes, muitos deles pornochanchadas, investiu no teatro e, a partir da década de 1980, chegou à política.

Pelo PDT, foi em 1982 o vereador eleito com o maior número de votos pelo Rio de Janeiro.

Fez de tudo, mas sempre à sua maneira. Tinha três obsessões na vida: mulher,Coca-Cola e trabalho. Boa-praça com os amigos – é o que os entrevistados dizem –, não se furtava a mentir deslavadamente para conseguir seu objetivo. Roubava canções dos outros e se colocava como autor, inventava histórias para que seus artistas emplacassem. Mas, quando lhe pisavam no calo, sabia ser implacável.

“Muita gente vê o filme e fala: ‘Que bom que isto passou’. Tem gente que acha o personagem incômodo para o nosso olhar de hoje. Tentamos fazer um filme que mostrasse todos os lados do Imperial, e demos liberdade para o espectador tirar as conclusões que quiser”, comenta Ricardo Calil.


Com Renato Terra ele trabalhou no roteiro a partir da biografia Dez, nota dez! Eu sou Carlos Imperial (Editora Planeta), de Denilson Monteiro, também um dos roteiristas. “Dificilmente ele teria hoje o poder que teve. A sociedade era outra, e as coisas andaram um pouco para frente em certos aspectos”, acrescenta Terra.
Imperial é considerado uma das figuras mais controversas do showbizz brasileiro - Foto: Bretz Filmes/Divulgação
Para contar a história de um sujeito nada convencional, os diretores fugiram dos formatos pre-estabelecidos. Mesmo sendo um documentário criado a partir de imagens antigas e entrevistas atuais, Calil e Terra brincaram, na montagem, com a questão de verdade e mentira que alicerçou a trajetória de Imperial.

A cada novo relato, os diretores apresentam a versão da época, a versão de Imperial e a verdade (veja ao lado algumas das famosas cafajestadas dele). “Nos interessou muito a ideia de poder brincar com a mentira num formato (o documentário) supostamente dedicado à verdade”, diz Calil.

Houve dois atores contratados pelos diretores para relatar casos como se fossem os personagens da época.
A posição radical de Imperial sobre a mulher – “o maior predicado que uma mulher pode ter é a burrice” – influenciou diretamente sua vida pessoal. Ele teve dois filhos, Marco, e Maria Luiza (filhos de Rose Gracie, do clã do jiu-jitsu), que colaboraram com o projeto.

Adolescente, o pai mandou o filho para morar na rua para aprender a viver.

Dizia que ele não podia ter uma namorada, filhos nem pensar (ele costumava andar de cueca em casa com três, quatro garotas ao mesmo tempo). Marco tem 11 filhos de sete mulheres diferentes. Maria Luiza, ainda bem jovem, foi levada pelo pai para boates de striptease. Ele explicou a ela que a estava levando para que conhecesse lugares aonde nunca deveria ir.

Os filhos e os parceiros, colaboradores e amigos – Roberto Carlos, Toni Tornado, Erasmo Carlos e Gérson King Combo – falam de Imperial com simpatia, ainda que alguns tenham tido dissabores com ele. Há nos depoimentos um tom saudosista. “É impossível ser indiferente a ele.

Acho que se um roteirista escrevesse um roteiro de ficção contando as histórias do Imperial, as pessoas poderiam achar que ele havia carregado nas tintas”, diz Terra. Pois aqui, foi tudo verdade. Ou quase.

Cafajestadas

• No início da década de 1970, Imperial filmou, com um então desconhecido Mário Gomes, O sexo das bonecas. Odiou o resultado e resolveu engavetar o projeto.
Só que Gomes despontou na TV. Imperial, aproveitando a deixa, lançou o filme. No cartaz, o ator aparece vestido de mulher. Gomes logo entrou com um processo contra Imperial, que se vingou da maneira mais improvável possível: colocou nos jornais uma nota dizendo que o ator havia dado entrada em hospital com uma cenoura enfiada no orifício anal.

• Imperial compôs A praça, canção que não “aconteceu” como o esperado. Para conseguir espaço na mídia, ele contratou um músico desconhecido de Minas Gerais, de nome Edson Silva, para ir até as rádios reclamar a autoria. O assunto ficou quente e a música estourou na versão do “Príncipe” Ronnie Von. A história é real, mas o Edson Silva que aparece no documentário é na verdade um ator contratado pelos documentaristas.

• Em 1981, Imperial lançou Mulheres...mulheres, um dos vários filmes que dirigiu, produziu e protagonizou (não por caso se autodenominava o Orson Welles brasileiro). Ele interpretava Fausto, homem que fica viúvo e começa a ter sonhos eróticos com muitas mulheres, sem conseguir distinguir o que é realidade e o que é ficção. Pois afirmou que o roteiro foi adaptado de um conto de Pier Paolo Pasolini. Que, como ele, Imperial, não era homossexual, havia feito essa modificação no roteiro. A história, que muitos acreditam até hoje ter sido inspirada na obra do italiano, é pura mentira.

• Asa branca, composição mais conhecida de Luiz Gonzaga, foi gravada pelos Beatles. Pois a história saiu da cabeça de Imperial, nos anos 1960 conhecido como o cara que havia trazido o rock’n’roll para o Brasil. O próprio Imperial se impressionou em ver como a história havia vingado. A imprensa brasileira destacou o registro dos Beatles. E até a morte do Rei do Baião, em 1989, houve gente que destacou a “gravação”
dos Fab Four.

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