Iran do Espirito Santo, mesmo tendo no desenho a primeira linguagem e o fundamento do que faz, conta que levou décadas para realizar uma exposição de desenhos. Só foi ocorrer em 2013, na Galeria Fortes Vilaça. “Não foi temor de nada, só ciúme de trabalhos que queria manter junto a mim”, justifica. E pesou na decisão, acrescenta, ver mapotecas cheias de obras que davam trabalho para ser mantidas. “Decidi então que era hora de colocar o material para circular”, explica. E foi a partir da exposição, além de pesquisa no acervo dele, em parceria com Jacopo Crivelli Visconti, que nasceu Desenhos. É coletânea de desenhos realizados em cerca de 30 anos de atividade, e inclui seleção de séries que chegam a ter 100 peças.
“A arte nos últimos anos abriu várias frentes de atuação, o que acho positivo, mas sinto que o desenho continua subvalorizado. É curioso, pois trata-se do instrumento mais primitivo, básico, fundamental da humanidade”, observa Iran. “O desenho, para mim, é como a escrita, uma forma de pensar, de elaboração de pensamento. Sem ele não consigo fazer nada. Mal consigo imaginar artista que não desenha”, acrescenta. O desenho, explica, está na origem de objetos, pinturas e instalações dele. “Adoro também ver cadernos de artistas. Trazem momentos menos vigiados pelo superego”, brinca.
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A geometria, evidente nas obras, carrega encanto com o modo de conceber e visualizar que vem desde os tempos em que o artista estava no colégio. “Gosto de observar a geometria que está na base das coisas do dia a dia”, conta. Acrescente-se consideração pela arte construtiva. “Claro que, se desenho uma cruz, é impossível não pensar em pintura de Malevitch com esse sinal. Mas ela, no meu trabalho, também se refere ao objeto cruz”, pondera. “Foi pensando o desenho que fui encontrando e desenvolvendo várias questões que me interessavam, como pensar a representação, as relações dela com a sociedade, a política, a história etc.”
Desenhos é o quinto livro dedicado à obra de Iran do Espírito Santo. A importância dessas publicações, explica, é serem oportunidades de organização e análise do realizado que ajudam no entendimento do trabalho. “Livros não substituem o contato direto com as obras. Mas contribuem para formação, ao criar museu imaginário e contextualização das obras”, observa. Ele recorda que pertence a uma geração que conheceu a história da arte através de xerox dos livros de bibliotecas, já que, quando estudante, nos anos 1980, tais publicações eram raras no Brasil. Iran adora livros: “Não sou leitor voraz, mas acho que não é possível pensar na vida sem livros”.
Desenhos
. De Iran do Espírito Santo
. Editora Cobogó, 240 págs., R$ 150
EM INHOTIM
Com notável conjunto na coleção do Instituto Inhotim, Iran do Espírito Santo comenta algumas de suas obras:
Copo d’água, 2013, cristal
“Faz parte de conjunto de esculturas, vindo dos desenhos, identificando nos objetos do cotidiano principios de geometria. É um jogo com a percepção do observador. Vivemos um momento da cultura em que existe embrutecimento da sensibilidade. Fica a sensação de que algo, para questionar alguma coisa, tenha de ser choque elétrico. Não acredito nisso, faço oposição a essa ideia. Coisas mais sutis podem ir mais longe.”
Sem título (Desdobrado), 2004, vidro
“O trabalho pontua a fragilidade do significado, da representação, da percepção. Não é caixa desmontada, mas peça que sugere um objeto reconhecível, mas que é, de fato, seis planos de vidro colocados de uma certa forma. Uma saliência de três milimetros, num retângulo de mármore, de Caixa Branca, que está na coleção de Inhotim, nos faz ver uma caixa de sapato.”
Correções A, 2001, granito
“É o primeiro trabalho de série em que vou lapidando as pedras, respeitando a forma original dela. Pode-se ver no trabalho comentário sobre as práticas tradicionais da escultura, mas não foi essa a intenção. Fazer alusão à tradição, respeitá-la, não significa seguir a tradição. Humildemente, queremos contribuir com algo mais. Existe na obra uma ironia com a ideia de corrigir a natureza.”
NOVA YORK
Iran Espírito Santo viaja na próxima semana (entre 22 e 30 de março) para Nova York, para cuidar da instalação da escultura Playground (2013), que foi apresentada na Omi International Arts Center, no Central Park. “A função da arte é ser pública. Pode passar por uma casa, por uma sala, mas o desejo é que fique acessível ao público e faça parte da cultura, não seja só um objeto de decoração”, conta Iran do Espírito Santo.