Não é só o coração que faz sucesso no ateliê da artista. Almofadas, resplendores de tecido, Divino Espírito Santo de madeira, ímãs, escapulários para os devotos e até para casa e o seu carro-chefe, o estandarte, estão entre os artigos mais demandados. “Ao mesmo tempo estou criando uma obra de arte, tem o lado do sagrado. Sinto uma energia muito grande quando estou aqui envolvida nos meus tecidos, linhas, fuxicos e outros materiais. Tudo que faço é com o coração e a devoção”, frisa.
Também luziense, a artesã e historiadora Bete de Almeida Teixeira, de 68, expõe boa parte do seu dom na sede do Centro de Referência do Artesanato de Santa Luzia, no Solar da Baronesa. Oratórios, presépios e os suntuosos porta-joias são os objetos mais procurados. “Nessas épocas mais religiosas, como a semana santa e a Páscoa, a demanda aumenta demais, mas o campeão é realmente o Natal. Minha família é toda de artistas, sobretudo de pintores, e isso acabou me influenciando. Mas, pelo fato de Santa Luzia ser um lugar bem religioso, o artesanato da fé acabou prevalecendo no meu caso”, comenta.
O professor de história e mestre em patrimônio cultural, Marco Aurélio Fonseca ressalta que o trabalho desses artistas é meticuloso e deve ser preservado por carregar uma prática tradicional. “Para mim, o mais interessante desse artesanato de Santa Luzia, e acredito que de outras cidades mineiras, é a junção das técnicas modernas com a tradição que é passada de geração em geração, e a fé que, claro, não pode faltar. É isso que o torna tão especial”, defende.
O recém-inaugurado Museu de Congonhas, na cidade histórica, tem como uma de suas principais ações o projeto Ofícios da fé, idealizado pelo presidente da Fundação Municipal de Cultura, Lazer e Turismo de Congonhas (Fumcult), Sérgio Rodrigo Reis. A inciativa visa expandir a atuação do museu nas comunidades da região, incentivando tradições culturais, produção de suvenires, oficinas, debates, palestras e livros.
A artista plástica Juliana Freitas, de 38, é uma das envolvidas no Ofícios da fé. É de sua autoria o tapete de serragem que está na entrada do Museu de Congonhas desde a semana passada e que vai permanecer até o domingo de Páscoa. Ainda menina, aos 3 anos, ela já se via desenhando e, ao longo do tempo, foi aperfeiçoando sua habilidade. “Esse gosto pela religiosidade surgiu justamente pela atmosfera em que a cidade está inserida. Já fiz alguns Divinos, tenho uma série de telas em óleo chamada Sete Cristos, e gosto bastante dos tapetes de serragem, que são bem típicos neste período do ano”, salienta.
Uma das tradições mais fortes de Congonhas, principalmente da comunidade rural de Barnabé, é a santa cruz, objeto adornado de tecidos ou papéis coloridos com grande carga simbólica. Tradicionalmente, é colocada nas portas das casas todo dia 3 de maio para proteger contra mau-olhado.
Segundo a tradição, a origem da prática remonta aos tempos bíblicos.
“Toda casa que tem esse arbusto simboliza a presença de Deus. Essa tradição se perpetuou, mas foi se modificando ao longo dos séculos. Os portugueses, por exemplo, a substituíram pela cruz feita de papel crepom, flores, fuxicos, algodão. Em 3 de maio, elas são benzidas e colocadas nas portas, onde permanecem durante um ano para proteger seus moradores”, explica a artesã Graça Reis, de 62.
Há quase uma década, ela desenvolve um projeto de confecção das cruzes em Barnabé e acredita que o empreendimento é uma maneira de estimular a economia criativa. “Temos pessoas supertalentosas e é um estímulo para elas. Agora, então, que alguns desses trabalhos da comunidade estão sendo expostos e vendidos no museu, os artistas estão mais empolgados. É uma forma de unir o útil ao agradável”, resume.
TERÇOS
No fim do ano passado, a Mitra Arquidiocesana de Belo Horizonte, instituição que representa o bispado como pessoa jurídica, desenvolve ação social com deficientes: oficinas de produção de artigos religiosos. Uma das coordenadoras do projeto, Wanessa Lima, afirma que a iniciativa promove a inclusão no mercado de trabalho e contribui para a capacitação e o aumento da renda. “No momento, cerca de 20 desses novos artesãos estão fabricando terços em Pedro Leopoldo que serão distribuídos em breve em várias paróquias da arquidiocese. Todos estão bem empolgados e se sentindo úteis também. A ideia é ampliar a oficina e eles começarem a fazer velas e até imagens”, revela Wanessa. .