“Todo dia tenho que mudar a peça. Os políticos são de uma criatividade no processo de enriquecimento ilícito que é absolutamente espantosa”, diz ele. É pela TV que o artista vem acompanhando o fuzuê da política brasileira. “Com a delação do Delcídio do Amaral, a coisa pegou fogo”, afirma.
Aos 80 anos de idade – sendo 60 deles dedicados às artes cênicas –, todas as vezes que Juca de Oliveira cria uma peça, ele acredita ter como missão contar tramas com caráter crítico. Por isso os temas políticos o agradam tanto e já apareceram em textos como Caixa 2 (1997). Na visão do artista, o teatro é um documentário da história.
Juca de Oliveira começou a escrever O ministro quando surgiram as primeiras informações da Operação Lava-Jato.
Até então, pelo que se sabia, não existia nenhuma adaptação para o formato de solo do texto escrito entre 1604 e 1606. Para Oliveira, foi o tipo de convite que não se avalia, aceita-se. Ele só não esperava que fosse ser tão difícil.
Elias Andreato foi chamado para dirigi-lo. A escolha foi por uma cena limpa. No palco, estão apenas o ator com o figurino (absolutamente neutro) e uma cadeira. Ao longo de 60 minutos, Juca de Oliveira interpreta, além do monarca, suas três filhas, o bobo da corte, o nobre Kent e até a consciência do rei. A troca de um personagem para outro está nas sutilezas que cabem na voz, no corpo e na expressão do ator.
DESISTÊNCIA Quando começa a falar sobre a peça, Oliveira não matiza os problemas com os quais foi confrontado durante o período da montagem. É honesto ao assumir que pensou em desistir. Teve dificuldades com os versos decassílabos shakespearianos, com o trabalho físico e também com a transformação de um texto para elenco numeroso em um monólogo.
“Achei complicado. Cheguei à conclusão de que o público não me acompanharia. Liguei para a administradora do espetáculo e pedi que cancelasse”, conta. Ao mesmo tempo em que tomou a decisão, pensou nos reflexos que a escolha dele poderia trazer para sua imagem.
A crise foi seguida por duas noites de insônia, até que Oliveira conseguiu resolver por conta própria uma cena considerada primordial para a trama. Geraldo Carneiro gostou da ideia, e tudo ficou resolvido. Na raiz do conflito que ele viveu, estava o dilema se a adaptação era compreensível. Para Juca de Oliveira, não interessa fazer teatro para si. É preciso haver comunicação com a plateia.
“As pessoas vão ao teatro como vão a um templo. O ator é um sacerdote, aquele que está no púlpito. Imagine um pregador que tem uma linguagem confusa!”, compara. Juca concorda que algumas vezes o teatro contemporâneo se distancia dessa relação com o espectador. Para ele, isso é sinal de falta de estudo.
Esta é a quarta vez que Oliveira encara um personagem de Shakespeare. Os outros foram Júlio César (1966), Ricardo III (1975) e Otelo (1982), os dois últimos nos papéis-título. A cada encontro com a dramaturgia do Bardo, novas descobertas.
Juca de Oliveira estreou Rei Lear em outubro de 2014. Foram três temporadas lotadas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Não imaginou que fosse assim. “Aprendi que o ator deve estar preparado para tudo. A expectativa joga você para cópia de modelos. Quando está absolutamente só, acaba desencadeando forças insuspeitas dentro de você”, diz.
Superada a angústia, o balanço que ele faz é positivo. “Sentir-se perdido é muito bom. Se não estiver perdido, é muito provável que esteja seguindo algum modelo.”
Ator propõe fim da Lei Rouanet
Quando o assunto passa para as formas de financiamento às artes em vigência hoje no Brasil, Juca de Oliveira, mais uma vez, é sincero. “São tantos problemas, tantos equívocos que, na minha maneira de ver, a única solução é a pura e definitiva extinção da Lei Rouanet.”
O ator faz parte de uma geração que começou a trabalhar com arte sem o uso de mecanismos de subvenção pública. “Dava resultado, o espectador adorava e ele é quem determinava o sucesso (do espetáculo). A única propaganda que existe no teatro é o boca a boca”, afirma. Em outras épocas, espetáculos que ficavam apenas seis meses em cartaz eram considerados fracassos. O comum era as temporadas durarem anos. “Hoje, duram um mês e meio. Só no Brasil é assim.”
Oliveira avalia que a mudança no panorama teatral brasileiro ocorreu devido ao camuflado processo de terceirização engendrado pela Lei Rouanet. São as empresas patrocinadoras, e não o Ministério da Cultura, que decidem onde investir o dinheiro da renúncia fiscal. “A única saída que enxergo é a extinção, porque assim todos estaremos no mesmíssimo plano”, defende. Como tudo que se refere à Lei Rouanet, a posição dele é controversa.
Mesmo com olhar crítico sempre atento, Juca de Oliveira se diz um otimista. Para ele, a história ensinou à humanidade que a crise gera soluções, independentemente do campo em que se instaura. “Não chegamos a um fundo do poço. Estamos caindo. Quando (a situação) chega ao seu limite, há uma solução social.”
Rei Lear
Adaptação da obra de Shakespeare em solo de Juca de Oliveira. Sexta (11/3) e sábado (12/3), às 21h; domingo (13/3), às 19h. Teatro Sesiminas (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia, (31) 3241-7181). Ingressos: R$ 70 (inteira), R$ 50 (vale-cultura) e R$ 35 (meia).