Marília Pêra (1943-2015) é uma síntese da história do teatro, do cinema e da televisão nas últimas décadas.
Mas isso é apenas uma gota no oceano. A carreira de Marília vai além. São mais de 70 prêmios em reconhecimento às atuações em 49 peças, 29 novelas, 24 filmes e 19 direções de teatro e shows. Nada escapou ao olhar de Sandra Pêra, irmã de Marília, que, em um trabalho de muita paciência e atenção, conseguiu reunir o que há de significativo não só na trajetória individual da irmã, como na história coletiva das famílias Marzullo e Pêra. O resultado está na fotobiografia Marília Soares Marzullo Pêra, que a Editora Arte Ensaio acaba de lançar.
Sandra conta que o interesse surgiu por acaso, há quatro anos, quando começou a organizar em álbuns – “desses de papelaria” – as fotos da família, todos atores, em cena. “Marília gostou da ideia e me enviou outra quantidade enorme de fotos. Foi uma loucura”, recorda ela, que, na época, virou uma espécie de Sandra Memória, o centro de documentação da família.
O projeto cresceu e com uma mãozinha da escritora Nélida Piñon, a ideia foi apresentada à Arte Ensaio. Nélida assina o prefácio. Marília chegou a ver o livro pronto, um mês antes de sua morte.
Vindos de Portugal, os Pêra chegaram ao Brasil em 1889. O patriarca Manoel Pêra estava então com 5 anos. Para sustentar a família, o teatro era a única fonte de renda. Não só dos Pêra, como também dos Marzullo, família de Dinorah, que mais tarde se casaria com Manoel.
O casal construiu um nome no teatro, ao lado de talentos como Grande Othelo, Procópio Ferreira, Henriette Morineau. Marília fez sua estreia aos 5 anos, na montagem de Medeia, sob direção de madame Morineau. Nunca mais parou.
Entre as lembranças que Sandra guarda com carinho está o jeito mãezona de ser de Marília. “Lembro-me de uma vez, em um programa de Edna Savaget, na TV Tupi Rio, em que Marília me chama a atenção por eu não estar sentada de forma elegante”, recorda, bem-humorada.
Final muito dramático
Em seus últimos meses de vida, Marília Pêra viveu momentos dramáticos. Um dos mais tristes foi uma consulta com seu oncologista. O médico decretou: “Você terá apenas seis meses de vida”. Marília era durona. Enfrentou barras-pesadas como uma surra dos integrantes do Comando de Caça aos Comunistas quando integrava o elenco de Roda viva, e a prisão após encenar A Moreninha.
“Tenho certeza de que, a partir desse dia, o quadro dela piorou”, afirma Sandra Pêra, sem compreender os motivos de o médico para ter sido tão áspero com a irmã. “Não digo o nome dele, mas, a partir daí, o estado de saúde da minha irmã piorou. O médico precisa entender que ao redor de um tumor existe um ser humano. Marília sempre dizia: ‘Vou morrer em abril!’”.
O acervo de Marília Pêra está guardado em caixas espalhadas pelos imóveis da família. Tudo bem cuidado, à espera da realização do último sonho da atriz: um espaço para tornar público seu acervo. “Ela tentou, mas nunca conseguiu a viabilização do projeto”, lamenta Sandra.
Marília morreu na primeira semana de dezembro de 2015. Incluiu em seu testamento os amigos mais próximos e com alguma dificuldade financeira. A lista reúne 18 pessoas, entre afilhados, primos e primas “mais duros”, assim como atores muito próximos e a secretária, que trabalhou por muitos anos com ela. “Marília disse que aquilo era apenas uma graciosidade para os amigos.” Sandra conta que no testamento a irmã pediu para que não fosse escrita nenhuma biografia. “O pedido será respeitado.”
>> Editora Arte e Ensaio
>> 304 páginas
>> R$ 70.