Em meio à produção cada vez mais acelerada e sedutora de produtos digitais, compactos e com as mais diversas funções, Santos e Isabela compartilham o gosto por tecnologias de outras eras. Sejam toca-discos ou máquinas fotográficas, o que esses equipamentos proporcionam é a experiência de uma época passada, que, muitas vezes, nem chegou a ser vivida pelos atuais apreciadores desses objetos. Trata-se, portanto, de uma relação emotiva com os aparelhos.
Enquanto puxa da estante discos compactos da sua infância, como um azul com a trilha sonora do primeiro filme de Branca de Neve, da década de 1950, Severino Santos, 40 anos, fica saudoso: “Escutava na vitrola da casa da minha avó e, às vezes, corria assustado, com medo da história”, conta. Mesmo com as coleções herdadas, o produtor buscou aumentar o acervo para descobrir artistas mais antigos. “Na transição para o CD, nem todos eram lançados. Era caro. Tinha muita coisa para conhecer e que só estava no vinil”, diz Santos, que não descarta escutar álbuns pela internet quando está entre os amigos. O produtor, no entanto, admite: “Os meus preferidos, coloco na vitrola”.
A e B Os bolachões de resina plástica — chamada de policloreto de vinila, ou PVC — foram febre de meados da década de 1970 à de 1980, acompanhados pelos toca-discos. As músicas são gravadas nas bolachas por meio de uma prensa contendo um disco de metal, no qual as faixas de música foram riscadas por impulsos elétricos e se encontram em alto-relevo. Essas faixas criam ranhuras no vinil que, por sua vez, geram na agulha uma vibração que é amplificada nas caixas de som. Também conhecidos por long-plays (LPs), por terem maior tempo de reprodução de áudio do que os discos menores, são gravados dos dois lados, dividindo o álbum em A e B.
A chegada do CD, nos anos 1990, parecia condenar o vinil ao esquecimento. O formato digital prometia mais tempo de música ininterrupta, menos chiados e nenhuma preocupação com a qualidade da agulha, que podia quebrar ou danificar o disco (hoje, o preço de uma varia de R$ 100 a R$ 500). O vinil, porém, nunca deixou de ter seus admiradores, e, a partir dos anos 2000, voltou a ser bastante procurado pelos apreciadores de música.
Aos 16 anos, ela começou a experimentar o universo das antigas máquinas com uma Lomo, câmera analógica de baixo custo que virou febre após ser relançada em 2010. A paixão pelos instantâneos fez Isabela trancar a graduação em arquitetura e urbanismo na Universidade de Brasília (UnB) e se transferir para o Rio de Janeiro, onde aprimorou a técnica atrás das lentes. “No Rio, fiz um curso de fotografia no Senac e trabalhei com a digital e a analógica. Eles tinham um laboratório incrível, eu passava a maior parte do meu tempo ali, revelando.
Em Brasília, Isabela ajudou a criar o grupo Lomo-Rolê, iniciativa que juntava pessoas para fotografar a cidade com câmeras que eram emprestadas a quem se interessasse por fotografia analógica. “Lomo é muito isso: de você estar em grupo, trocar experiências, experimentar”, diz a fotógrafa, que participou do projeto por três anos. Para quem se interessou por esse olhar das antigas, a lomógrafa, como são chamados os fãs da marca, dá alguns conselhos: “Uma dica para quem está começando é: pegue uma câmera simples, como a Lomo. Ela é muito fácil de entender e de se habituar. Fotografia é exercício, é necessário que você pratique. É bom também que você leia bastante para entender os ISOs das câmeras, como cada luz se comporta com cada filme.”
Teclados antigos ainda resistem
Ter o diploma de datilografia era um diferencial no currículo até a década de 1990. Nas repartições, escritórios e redações dos jornais, o teque-teque das máquinas de escrever prevalecia como som ambiente. Todos os documentos, cartas e relatórios passavam pela geringonça, que imprimia instantaneamente qualquer mensagem necessária.
Com a chegada do computador, o equipamento caiu em desuso, mas recentemente tem sido resgatado por jovens de grandes cidades mundo afora. Mais uma tendência lançada pelo movimento hipster — formado por pessoas que apostam em um jeito irônico de se comportar, resgatando objetos e modas antigas e os incorporando em seu cotidiano —, a máquina de escrever voltou a ser vista em cafés de metrópoles como Nova York e São Paulo, sendo usada por jovens escritores.
Para quem não quer chegar a tanto, mas sente saudade ou gostaria de experimentar a sensação de usar máquinas de escrever, um acessório moderno dá uma força. O Qwertywriter se conecta sem fio, via bluetooth, com iPhones, iPads, iMacs, Macpros, Macbooks e tablets Android e Windows e fornece o gostinho de “bater” textos em uma peça que reproduz os antigos teclados. Se você se interessou pela experiência e quer adquirir o invento, terá que desembolsar R$ 1,4 mil.
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Gabriela Zubaran de Azevedo Pizzato,
coordenadora do curso de design da UFRGS
Forma de comunicação
“Nós chegamos a um aperfeiçoamento tecnológico muito grande e geral. Hoje, todos os produtos são tecnologicamente muito avançados, muito eficientes, funcionam todos muito bem. Cada vez mais, os celulares são melhores, os carros são melhores. Então, para competir no mercado e encontrar um nicho, as marcas começam a resgatar a função simbólica do produto, que é diferente de para o que ele serve. A função estética e simbólica serve para a pessoa comunicar algo com aquele produto. É como nos carros. Ninguém compra um veículo só pela questão funcional, pois grande parte dos carros é de excelente qualidade. As pessoas adquirem um pela marca, para poder se diferenciar de outras pessoas. Ter um aparelho toca-discos de vinil comunica às demais pessoas que eu tenho uma boa exigência em relação à música, por exemplo. Eu posso ter uma máquina que remeta ao antigo, mas que tenha toda a tecnologia atual, apenas pelo gosto estético. As empresas buscam isso para diferenciar os produtos no mercado.”.