Ano começa com uma novidade especial na literatura brasileira. A obra do modernista Mario de Andrade entrou em domínio público no primeiro dia de janeiro. O autor de Macunaíma e Paulicéia desvairada, conhecido pelas pesquisas sobre linguagem e cultura popular, terá parte de seus contos publicados na antologia Briga das pastoras e Outras histórias — Mario de Andrade e a busca do popular, assinada pelo professor e pesquisador Ivan Marques.
Segundo ele, a ideia de fazer a antologia surgiu com a necessidade de apresentar a questão central da obra de Mario de Andrade e do modernismo brasileiro, que é a relação com o povo e com a cultura popular. O autor viveu 52 anos e foi poeta, escritor, crítico literário, musicólogo, além de um grande apaixonado pelo estudo da linguagem. No ano passado, Mario de Andrade foi o homenageado na Festa Literária de Paraty e diversos livros foram lançados na ocasião pela editora Nova Fronteira, entre eles o romance inédito Café.
Durante o evento, que ocorre, anualmente, no litoral do Rio de Janeiro, o intelectual nascido na Rua Aurora, na capital paulista, foi tema de debates que discutiram especialmente o papel dele no modernismo. “Na Flip, a crítica argentina Beatriz Sarlo esteve na mesa de abertura em homenagem ao Mario, e eu me recordo de ela ter dito que uma diferença importante entre o modernismo brasileiro e o modernismo argentino, por exemplo, tem a ver com essa pesquisa da cultura popular feita pelos modernistas, sobretudo pelo Mario de Andrade”, lembra Ivan Marques.
Língua do Brasil
Antes de ser um nome importante da pesquisa do folclore brasileiro, Mario de Andrade se interessava pela cultura popular desde o começo do movimento modernista. Na época, o que ele dizia é que a pesquisa da cultura popular levantaria material para os artistas fazerem uma arte brasileira.
“Para ele, foi muito importante a criação de uma língua literária, que ele queria também basear na pesquisa da fala rústica, não simplesmente para reproduzir um modo como o povo fala, mas tentar estilizar, criar uma língua literária a partir dessas referências. Então, não é que seja um coloquial, puro e simplesmente. Ele dizia que a linguagem dele era muito pessoal, baseada na minha pesquisa da língua brasileira. É a língua do Mário, não é a língua que o povo falava”, explica Marques.
A antologia organizada pelo pesquisador traça, então, um ponto que liga as narrativas de Mario de Andrade às questões que envolvem o modernismo com o povo. “Reli todos os livros de contos do Mario de Andrade, também O turista aprendiz, no qual ele relata as viagens que fez para o Norte e para o Nordeste. O que acabei vendo é que esse material é muito importante mesmo na obra do Mario e ele tem duas vertentes. Tem o lado do folclorista, que pesquisa o folclore e a cultura popular brasileira, especialmente no Norte e no Nordeste. E tem o lado do escritor, que está querendo fazer uma literatura brasileira, moderna, e sabe que o povo não pode ser excluído. Então, a ideia da antologia é apresentar essas pesquisas do Mario, essas narrativas que giram em torno da cultura popular e do povo e mostrar como essa questão foi importante para ele.”
O recorte temático do livro de Ivan é baseado na junção de duas pontas da cultura popular que Mario de Andrade pesquisou e que também foi parar na literatura. “Há também a questão que não tem nada a ver com folclore, mas que traz o povo como assunto ou, se a gente quiser, até como personagem. Essa é uma grande questão da literatura brasileira, especialmente a partir do modernismo: como levar essa outra classe diferente culturalmente dos escritores, como levar o povo para a literatura. O Mario tratou essa questão quase como uma questão de vida ou morte”, explica o pesquisador.
Mario de Andrade tinha um projeto inacabado, conhecido como Gramatiquinha da fala — pesquisa importante que realizou sobre fontes folclóricas enquanto escrevia Macunaíma.Do acordo com Ivan, o modernista cultivava quase uma utopia de que a nossa fala, nossa língua brasileira, seria diferenciada em relação à língua portuguesa de Portugal e poderia ter uma gramática, mas ele acabou desistindo do projeto.
“O modernismo é muito conhecido pela relação com a vanguarda. Os artistas pensavam em termos de cosmopolitismo. A arte brasileira, para ser atualizada, tinha que dialogar com outros centros produtores de arte no mundo. Para Mario de Andrade, especificamente, o cosmopolitismo parecia descaracterizar a cultura brasileira e o modernismo brasileiro também. Então, era preciso buscar fontes que estivessem na própria cultura brasileira, na brasilidade etc.”, diz Ivan.
Mario de Andrade tinha parentes em Araraquara e passava temporadas na fazenda. Foi lá, inclusive, onde ele escreveu a primeira versão de Macunaíma. Em várias histórias do modernista, o universo caipira é abordado. Ele acreditava que a influência externa na cidade era muito grande, mas no interior a alma nacional estaria mais preservada, mais pura.
O poeta e o teórico
Muitos críticos dizem que o papel de Mario de Andrade era de líder teórico do modernismo e ele não teria sido um bom poeta. Há quem diga que Carlos Drummond de Andrade era muito melhor poeta que Mario, mas é conhecida a influência dele em relação a Drummond. No livro A lição do amigo, por exemplo, cartas revelam amizade entre os dois autores e apresentam conversas sobre a natureza da poesia e sobre o que representava ser artista no Brasil.
“Então, existe essa ideia de que ele foi muito mais um intelectual que coordenou um movimento artístico-cultural, do que propriamente um criador importante de poesia e de ficção. Nunca concordei com isso, acho que a obra literária do Mario é um dos tesouros que a gente tem na literatura brasileira. Acho que Macunaíma é um dos maiores romances que a gente tem. A poesia dele também é uma poesia muito interessante”, conclui Ivan Marques.
Livros lançados e relançados em 2015
Macunaíma, o herói sem nenhum caráter
De Mario de Andrade. Nova Fronteira, 240 páginas. R$ 49,90
O melhor de Mario de Andrade: contos e crônicas
De Mario de Andrade. Nova Fronteira, 278 páginas. R$ 29,90
Café
De Mario de Andrade.
Nova Fronteira, 264 páginas. R$ 34,90
A lição do amigo: cartas de Mario de Andrade a Carlos Drummond de Andrade
De Carlos Drummond de Andrade; 437 páginas, Companhia das letras. R$ 49,90
O turista aprendiz
De Mario de Andrade.
Ieb-Usp e Iphan. R$ 50.
Segundo ele, a ideia de fazer a antologia surgiu com a necessidade de apresentar a questão central da obra de Mario de Andrade e do modernismo brasileiro, que é a relação com o povo e com a cultura popular. O autor viveu 52 anos e foi poeta, escritor, crítico literário, musicólogo, além de um grande apaixonado pelo estudo da linguagem. No ano passado, Mario de Andrade foi o homenageado na Festa Literária de Paraty e diversos livros foram lançados na ocasião pela editora Nova Fronteira, entre eles o romance inédito Café.
Durante o evento, que ocorre, anualmente, no litoral do Rio de Janeiro, o intelectual nascido na Rua Aurora, na capital paulista, foi tema de debates que discutiram especialmente o papel dele no modernismo. “Na Flip, a crítica argentina Beatriz Sarlo esteve na mesa de abertura em homenagem ao Mario, e eu me recordo de ela ter dito que uma diferença importante entre o modernismo brasileiro e o modernismo argentino, por exemplo, tem a ver com essa pesquisa da cultura popular feita pelos modernistas, sobretudo pelo Mario de Andrade”, lembra Ivan Marques.
Língua do Brasil
Antes de ser um nome importante da pesquisa do folclore brasileiro, Mario de Andrade se interessava pela cultura popular desde o começo do movimento modernista. Na época, o que ele dizia é que a pesquisa da cultura popular levantaria material para os artistas fazerem uma arte brasileira.
“Para ele, foi muito importante a criação de uma língua literária, que ele queria também basear na pesquisa da fala rústica, não simplesmente para reproduzir um modo como o povo fala, mas tentar estilizar, criar uma língua literária a partir dessas referências. Então, não é que seja um coloquial, puro e simplesmente. Ele dizia que a linguagem dele era muito pessoal, baseada na minha pesquisa da língua brasileira. É a língua do Mário, não é a língua que o povo falava”, explica Marques.
A antologia organizada pelo pesquisador traça, então, um ponto que liga as narrativas de Mario de Andrade às questões que envolvem o modernismo com o povo. “Reli todos os livros de contos do Mario de Andrade, também O turista aprendiz, no qual ele relata as viagens que fez para o Norte e para o Nordeste. O que acabei vendo é que esse material é muito importante mesmo na obra do Mario e ele tem duas vertentes. Tem o lado do folclorista, que pesquisa o folclore e a cultura popular brasileira, especialmente no Norte e no Nordeste. E tem o lado do escritor, que está querendo fazer uma literatura brasileira, moderna, e sabe que o povo não pode ser excluído. Então, a ideia da antologia é apresentar essas pesquisas do Mario, essas narrativas que giram em torno da cultura popular e do povo e mostrar como essa questão foi importante para ele.”
O recorte temático do livro de Ivan é baseado na junção de duas pontas da cultura popular que Mario de Andrade pesquisou e que também foi parar na literatura. “Há também a questão que não tem nada a ver com folclore, mas que traz o povo como assunto ou, se a gente quiser, até como personagem. Essa é uma grande questão da literatura brasileira, especialmente a partir do modernismo: como levar essa outra classe diferente culturalmente dos escritores, como levar o povo para a literatura. O Mario tratou essa questão quase como uma questão de vida ou morte”, explica o pesquisador.
Mario de Andrade tinha um projeto inacabado, conhecido como Gramatiquinha da fala — pesquisa importante que realizou sobre fontes folclóricas enquanto escrevia Macunaíma.Do acordo com Ivan, o modernista cultivava quase uma utopia de que a nossa fala, nossa língua brasileira, seria diferenciada em relação à língua portuguesa de Portugal e poderia ter uma gramática, mas ele acabou desistindo do projeto.
“O modernismo é muito conhecido pela relação com a vanguarda. Os artistas pensavam em termos de cosmopolitismo. A arte brasileira, para ser atualizada, tinha que dialogar com outros centros produtores de arte no mundo. Para Mario de Andrade, especificamente, o cosmopolitismo parecia descaracterizar a cultura brasileira e o modernismo brasileiro também. Então, era preciso buscar fontes que estivessem na própria cultura brasileira, na brasilidade etc.”, diz Ivan.
Mario de Andrade tinha parentes em Araraquara e passava temporadas na fazenda. Foi lá, inclusive, onde ele escreveu a primeira versão de Macunaíma. Em várias histórias do modernista, o universo caipira é abordado. Ele acreditava que a influência externa na cidade era muito grande, mas no interior a alma nacional estaria mais preservada, mais pura.
O poeta e o teórico
Muitos críticos dizem que o papel de Mario de Andrade era de líder teórico do modernismo e ele não teria sido um bom poeta. Há quem diga que Carlos Drummond de Andrade era muito melhor poeta que Mario, mas é conhecida a influência dele em relação a Drummond. No livro A lição do amigo, por exemplo, cartas revelam amizade entre os dois autores e apresentam conversas sobre a natureza da poesia e sobre o que representava ser artista no Brasil.
“Então, existe essa ideia de que ele foi muito mais um intelectual que coordenou um movimento artístico-cultural, do que propriamente um criador importante de poesia e de ficção. Nunca concordei com isso, acho que a obra literária do Mario é um dos tesouros que a gente tem na literatura brasileira. Acho que Macunaíma é um dos maiores romances que a gente tem. A poesia dele também é uma poesia muito interessante”, conclui Ivan Marques.
Livros lançados e relançados em 2015
Macunaíma, o herói sem nenhum caráter
De Mario de Andrade. Nova Fronteira, 240 páginas. R$ 49,90
O melhor de Mario de Andrade: contos e crônicas
De Mario de Andrade. Nova Fronteira, 278 páginas. R$ 29,90
Café
De Mario de Andrade.
Nova Fronteira, 264 páginas. R$ 34,90
A lição do amigo: cartas de Mario de Andrade a Carlos Drummond de Andrade
De Carlos Drummond de Andrade; 437 páginas, Companhia das letras. R$ 49,90
O turista aprendiz
De Mario de Andrade.
Ieb-Usp e Iphan. R$ 50.